Conhecimento de si e dos outros

(RMAP:225-226)

[…] Sem dúvida, há indivíduos que são dados à percepção. Como Jacques, Frédéric ou Théodore, que acabei de ver todos os três. No entanto, sua individualidade não é visível: vemos apenas que eles a possuem. Podemos vislumbrá-la em sua fisionomia, “única em seu gênero”: ou seja, distinta mesmo na ausência de termos de comparação. Há outros indivíduos que são igualmente, talvez menos, dados à percepção. Por exemplo, essas montanhas, grandes demais para serem vistas em um único olhar: o Tresero, o Koenigspitz, a Cima Piazzi. No entanto, sua individualidade é visível. Elas são todas dadas à percepção, aqui e agora — porque, de onde quer que se veja, a Cima Piazzi mantém seu perfil único em seu gênero. Sim, não vemos tudo das montanhas — mas vemos que elas estão inteiramente presentes. Enquanto vemos tudo das pessoas — no entanto, vemos que elas não estão inteiramente presentes.

Frédéric não está inteiramente aqui — é por isso que ele não “se oferece” inteiramente aqui e agora. [226] Oh, não! Leva tempo, muito tempo, para conhecê-lo. Percebo que, em minha vida, todos os indivíduos que me interessaram, dos quais cuidei, que me foram caros — eram assim. Eu nunca os via inteiramente — e, na verdade, nunca terminava de vê-los. Eles não estavam inteiramente presentes aqui e agora, muito pelo contrário! No entanto, estavam sempre presentes, eu os via todos os dias. E quanto mais os via, mais percebia que via muito pouco deles.

Eles me eram todos muito caros: através deles, eu entendia o que era importante para mim, o que mais e o que menos importava. O que tinha mais peso e valor para mim, o que tinha menos. O que absorvia a maior parte da minha vida, o que absorvia uma parte menor. O que explicava a maior parte das minhas ações, o que motivava a maior parte das minhas escolhas e decisões. O que despertava em mim admiração e o que despertava indignação, o que tornava minha admiração ou indignação ainda mais profundas. O que me tocava, o que me alegrava ou entristecia de forma mais íntima. Eu finalmente entendia do que eu vivia, essencialmente, quais coisas me davam mais vida, quais outras me desgastavam ou me esgotavam mais. Eu via quais coisas me davam mais fome e sede e junto a quais coisas eu me sentia em casa; enfim, em quais coisas eu sentia que consistia essencialmente, ou que deixava de existir em sua ausência. E, de todas essas maneiras, eu me conhecia a mim mesma.

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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