A questão é que a tonalidade afetiva fundamental afina o ser-aí e, com isto, o pensar como projeto da verdade do seer na palavra e no conceito. A tonalidade afetiva é a pulverização do estremecimento do seer como acontecimento apropriador no ser-aí. Pulverização: não como um mero desaparecimento e extinção, mas, ao contrário: como guarda da chama no sentido da CLAREIRA DO AÍ de acordo com a plena abertura do fosso abismal do seer. A tonalidade afetiva fundamental do outro início quase não tem como ser jamais nomeada por meio de um nome; e isto se mantém até mesmo na transição para ele. A pluralidade de nomes, porém, não nega a simplicidade dessa tonalidade afetiva fundamental e só mostra em meio ao inconcebível todo o seu caráter simples. A tonalidade afetiva fundamental se chama para nós: o espanto, a retenção, o pudor, o pressentimento, o abrir-se para o pressentimento. [tr. Casanova; GA65: 6]
O seer precisa ser pensado a partir de uma exposição a esse extremo. Assim, porém, ele se clareia como o que há de mais finito e rico, como o que há de mais abissal de sua própria intimidade. Pois o seer não é jamais uma determinação do próprio deus, mas o seer é aquilo que precisa da deização do deus, a fim de permanecer, contudo, completamente diferente dessa deização. O ser (tal como a entidade da metafísica) não é nem a determinação mais elevada e mais pura do theion, de Deus e do “absoluto”, nem é aquilo que pertence a essa interpretação, a cobertura mais universal e mais vazia para tudo aquilo que não não “é”. No entanto, como recusa, o seer não é o mero recuo e partida, mas, ao contrário: a recusa é intimidade de uma atribuição. O que é a-tribuído no estremecimento é a CLAREIRA DO AÍ em sua abissalidade; o aí é atribuído como aquilo que precisa ser fundado, como ser-aí. Assim, por meio da verdade do seer (pois isso é essa clareira atribuída), o homem é requisitado originariamente e de outro modo. O homem é nomeado por meio dessa requisição do próprio seer como o guardião da verdade do seer (ser homem como “cuidado”, fundado no ser-aí). [tr. Casanova; GA65: 123]
A medida excessiva não é nenhuma mera demasia quantitativa, mas o subtrair-se a toda avaliação e mensuração. Nesse subtrair-se (encobrir-se), porém, o seer tem a sua proximidade mais imediata na CLAREIRA DO AÍ, na medida em que ele se apropria do ser-aí em meio ao acontecimento. [tr. Casanova; GA65: 131]
A concepção, segundo a qual a verdade seria em primeiro lugar encobrimento clareador (cf o a-bismo) tem em vista o fato de uma clareira se fundar para o que se encobre. O encobrir-se do seer na CLAREIRA DO AÍ. No encobrir-se se essencia o seer. O acontecimento apropriador nunca vem à luz abertamente como um ente, como algo presente (cf o salto, o seer). [tr. Casanova; GA65: 217]
Sob o modo de uma introdução, a compreensão de ser tem em Ser e tempo um caráter transitoriamente ambíguo; de maneira correspondente, o mesmo vale para a caracterização do homem (“ser-aí humano”, o ser-aí no homem). A compreensão de ser é por um lado, olhando retrospectivamente por assim dizer de maneira metafísica, concebida como o fundamento de qualquer modo não fundado do transcendental e em geral da re-presentação da entidade (remontando até a idea). A compreensão de ser é, por outro, (uma vez que a compreensão é concebida como pro-jeto e esse projeto como projeto jogado) a indicação da fundação da essência da verdade (caráter manifesto; CLAREIRA DO AÍ; ser-aí). A compreensão de ser pertencente ao ser-aí – esse discurso se torna supérfluo, ele diz duas vezes e até mesmo de maneira atenuada o mesmo. Pois o ser-aí “é” justamente a fundação da verdade do seer como acontecimento apropriador. A compreensão de ser movimenta-se na diferenciação entre entidade e ente, sem já fazer “valer” a origem da diferenciação a partir da essência da decisão do seer. Compreensão de ser, porém, é por toda parte o contrário, sim, ainda algo essencialmente diverso disso: tornar o seer dependente do visar humano. Onde vigora a destruição do sujeito, como é que o ser ainda pode se transformar em algo “subjetivo”? [tr. Casanova; GA65: 264]
As pessoas se despem, por isso, de antemão de todo e qualquer esforço por levar a termo essa diferenciação em geral não como uma diferenciação re-presentacional, na qual o diferenciado é posto homogeneamente no mesmo plano, apesar de esse plano da diferencialidade ser deixado completamente indeterminado; por outro lado, porém, essa diferenciação considerada e exposta formalmente não pode ser senão um sinal de que a ligação com o ser é uma ligação diversa da com o ente, e de que essa alteridade das ligações pertence ao ligar-se diferenciador com os diferenciados. A ligação com o ser é, como uma ligação fundada, a insistência no ser-aí, o ser imanente à verdade do seer (como acontecimento apropriador). A ligação com o ente é a conservação criativa da preservação do seer naquilo que se coloca na CLAREIRA DO AÍ de acordo com tal preservação enquanto o ente. [tr. Casanova; GA65: 266]
Acontecimento apropriador é: 1) O acontecimento da apropriação, o fato de que, na urgência, a partir da qual os deuses necessitam do seer, o seer com-pele o ser-aí à fundação de sua própria verdade e, assim, deixa o entre se essenciar, o acontecimento da apropriação do ser-aí por meio dos deuses e a apropriação dos deuses para eles mesmos em relação ao acontecimento apropriador. 2) O acontecimento apropriador do acontecimento da apropriação encerra em si a de-cisão: o fato de a liberdade como o fundamento abissal deixar surgir uma indigência, a partir da qual, como o impulso excessivo do fundamento, os deuses e o homem vêm à tona em sua separação. 3) O acontecimento da apropriação como de-cisão traz os cindidos para a contra-posição: para o fato de que esse um em relação ao outro da mais ampla e urgente decisão precisa se encontrar na mais extrema “oposição”, porque ele transpassa o a-bismo do seer usado. 4) A contra-posição é a origem da contenda, que se essencia, na medida em que ela desloca o ente de sua perdição para o interior da mera entidade. O des-locamento caracteriza o acontecimento apropriador em sua ligação com o ente enquanto tal. O acontecimento da apropriação do ser-aí deixa tal ente se tornar insistente no inabitual em face de todo e qualquer ente. 5) O des-locamento, porém, é, concebido a partir da CLAREIRA DO AÍ, ao mesmo tempo a re-tração do acontecimento apropriador; o fato de ele se retrair em relação a todo cálculo representacional e se essenciar como recusa. 6) Por mais ricamente e sem imagem que o seer se essencie, ele se baseia de qualquer modo nele mesmo e em sua simplicidade. Com certeza, o caráter do entre (entre os deuses e o homem) poderia induzir em erro e levar a que tomássemos o seer como mera ligação e como consequência e resultado da ligação com o ligado. Mas o acontecimento apropriador é, sim, de qualquer modo, se já a caracterização é ainda possível, esse ligar, que traz os ligados pela primeira vez para si mesmos, para colocar no aberto dos decididos em contra-posição sua urgência e guarda, que eles não assumem pela primeira vez como propriedade, mas a partir dos quais, ao contrário, eles haurem sua essência. O seer é indigência dos deuses e, como essa indigência compelidora do ser-aí, ele é mais abissal do que tudo aquilo que pode se chamar de sendo e não se deixa mais denominar por meio do seer. O seer é usado, a urgência dos deuses, e, contudo, ele não pode ser deduzido a partir deles, mas é precisamente de maneira inversa superior a eles, na a-bissalidade de sua essência como fundamento. O seer se apropria do ser-aí em meio ao acontecimento e, no entanto, não possui a sua origem. Imediatamente, o entre se essencia como o fundamento dos contra-postos nele. Isso determina a sua simplicidade, que não se mostra como vazio, mas como o fundamento da plenitude, que emerge da contra-posição como contenda. 7) O simples do seer tem em si a cunhagem da unicidade. Essa não carece de modo algum do destaque e das diferenças, nem mesmo da diferença em relação ao ente. Pois essa diferença só é exigida, se o ser mesmo for marcado como uma espécie de ente e, com isso, não for nunca preservado como o único, mas sim vulgarizado e transformado no que há de mais universal. 8) A unicidade do seer fundamenta a sua solidão, de acordo com a qual ele lança unicamente em torno de si o nada, cuja vizinhança permanece sendo a mais autêntica e cuja solidão é resguardada da maneira mais fiel possível. De acordo com ela, o seer só se essencia constantemente de maneira mediatizada por meio da contenda de mundo e terra em relação ao “ente”. Em nenhuma dessas denominações a essência do seer deve ser pensada e, de qualquer modo, ele é pensado “completamente” em cada uma delas; “completamente” significa aqui: a cada vez, o pensar “do” seer é arrancado pelo seer mesmo e trazido para o interior de sua inabitualidade e priva de todos os auxílios buscados em explicações do ente. [tr. Casanova; GA65: 267]
O seer des-loca, na medida em que se apropria do ser-aí em meio ao acontecimento. Esse des-locamento é uma afinação, sim, o rasgo originário do próprio elemento afinador. A tonalidade afetiva fundamental da angústia suporta a exposição ao des-locamento, na medida em que esse des-locamento anula em um sentido originário, de-põe o ente enquanto tal, isto é, na medida em que esse niilizar não é nenhuma negação, mas, se é que ele pode ser interpretado a partir do comportamento que assume uma posição, uma afirmação do ente enquanto tal como o de-posto. A questão é que a niilização é justamente a própria de-posição, por meio da qual o seer se sobreapropria enquanto de-posição da CLAREIRA DO AÍ apropriado em meio ao acontecimento. E, por sua vez, a niilização do seer na re-tração, inteiramente irradiada pelo nada, essencia o seer. E somente quando tivermos nos libertado da falsa interpretação do nada a partir do ente, somente quando determinarmos a “metafísica” a partir da niilização do nada e por meio daí, ao invés de, ao contrário, degradarmos o “nada” a partir da metafísica e a partir do primado nela vigente do ente, transformando-o no mero não da determinação e mediação do ente como Hegel e todos metafísicos antes dele: somente então teremos pressentido que força da insistência no ser humano entretece a partir do “deslocamento”, agora visado como tonalidade afetiva fundamental da “ex-periência” do seer. Por meio da metafísica, e isso significa ao mesmo tempo por meio do cristianismo, somos desencaminhados e nos habituamos a supor no “deslocamento”, ao qual pertence a angústia como o nada ao seer, apenas o elemento desértico e sombrio, ao invés de experimentarmos nela a determinação em meio à verdade do seer e a partir dela saber jurisdicionalmente o estado de sua essenciação. [tr. Casanova; GA65: 269]