Casanova (MH1) – caráter temporal do existir humano

zeitlich

[…] A passagem a que me refiro se acha no parágrafo 76 de Ser e tempo e procura antes de tudo determinar as bases históricas da historiologia. Heidegger nos diz aí: “(…) como o ser-aí e apenas ele é originariamente histórico, aquilo que a tematização historiológica apresenta como objeto possível da investigação precisa ter o modo de ser do ser-aí que tenha sido aí. Com o ser-aí fático como ser-no-mundo já sempre há a cada vez história mundial. Se ele não está mais aí, então o mundo também é marcado por ter sido aí. Isso não é contestado pelo fato de que o manual outrora intra-mundano, apesar disso, não perece e continua podendo ser encontrado historiologicamente para um presente como o que não passou do mundo que tinha sido aí”1.

Na passagem, o que realmente nos importa vem dito mais para o fim. O texto inicia-se com uma menção à [58] junção entre ser-aí e história. Esse é um tema, sobre o qual teremos oportunidade de discorrer de maneira exaustiva no segundo volume de nossas leituras fenomenológicas de Ser e tempo. Exatamente pela mesma razão que não pode pressupor a subsistência em si de algo como o mundo, Heidegger também não pode se movimentar a partir da suposição de que haveria algo assim como o tempo histórico em geral. Por mais que nós tenhamos nos acostumado a pensar o tempo como tripartido e como marcado pela reunião de cada uma de suas dimensões, essa visão vulgar do tempo padece de uma falta completa de evidência fenomenológica. Dito de outro modo, essa não é senão uma concepção teórica sobre o tempo, que já sempre opera com o conceito prévio de tempo como aquilo que engloba o que foi, o que está sendo e o que será. Fenomenologicamente, por outro lado, é preciso encontrar o lugar onde, para além de toda e qualquer teoria, o tempo se dá por si mesmo. Isto, como ainda veremos mais detidamente à frente, acontece a partir do caráter temporal do existir humano. Sem que possamos apresentar aqui as razões que levam Heidegger a tal posição, o que ele nos diz em Ser e tempo é que o ser-aí humano é temporalizante. Essa temporalização, então, é ela que toma possível falar de história. Não há simplesmente história sem o ser-aí. Não porque não haveria dinossauros sem o ser-aí humano, nem período cretácio, nem era do gelo, nem fósseis, como se o desaparecimento do homem representasse o fim de todas as coisas — um topos idealista sempre considerado de maneira aligeirada. O que Heidegger está dizendo não é isto. O que ele está dizendo é que sem o ser-aí humano não haveria realização no tempo enquanto tempo, e, por isto, na história enquanto história. Se o homem desaparecesse, os animais não atravessariam paredes, levitariam mesmo sem asas ou sumiriam. Eles continuariam vivendo em sua experiência vital para além do tempo existencial e da história mundial. Resumindo, é só a partir do existir humano que acontece a história, assim como a história sempre envolve necessariamente a noção de mundo, uma vez que o acontecimento de tempo implica originariamente a abertura do mundo como horizonte estrutural da temporalização. (Casanova, MH1)

 

  1. Martin Heidegger, Ser e tempo, § 76, pp. 393-394.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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