Heidegger é o filósofo que quis pensar em suas últimas consequências, e até mesmo na estrutura do próprio si, a predominância do ser por meio do qual tudo vem a ser e por meio do qual a essência do homem adquire sua liberdade. A questão do si e a questão do ser são inseparáveis, uma vez que o si é o lugar onde o ser se dá lugar, e sua implicação mútua coloca o problema da aparência do ser e da estrutura do lugar de sua manifestação. “A pergunta “que é o ser?” implica ao mesmo tempo esta pergunta: onde estão fundadas a possibilidade e a necessidade originais da manifestação do ser?” (GA31:203), ou seja, do si como Da-Sein. A origem e o que ela desdobra são retomados no elemento de Ereignis, que fala da origem como desdobramento. É em uma temática de contraponto que o ser e o si respondem um ao outro e, nesse jogo de especularidade, manifestam sua própria essência em seu vis-à-vis. “O problema fundamental da filosofia: o ser, a compreensão do ser e seu vir a ser” (GA31:138); o problema do ser encontra sua solução no tratamento da região em que ele se dá como tal, a compreensão do ser, que por sua vez encontra a base de sua ipseidade na maneira pela qual o ser como Ereignis o faz vir a ser. Tudo o que é, é no ser: onde poderia eu fugir do ser, onde poderia eu escapar de seu olhar (Salmo 138)? A vinda à presença que é o ser, a Lichtung, o luminar, o ato noturno de clarear, a clareira: “é aí que nós, homens, temos nossa morada constante” (GA16:632). É necessário que a realidade humana responda a esse abismo de dação. Tendo notado que a determinação grega do ser como uma presença constante e disponível é transferida para o sujeito, que, acreditando que pode assentar-se sobre ele mesmo e constituir uma base, coloca-se no coração do ente em sua totalidade e se separa de seu solo em um esquecimento crescente, Heidegger trabalha para extrair o pensamento do ser humano desse esquema tecido com pressuposições e para levar de volta não apenas o ser humano, mas o próprio pensamento do ser humano à sua origem possibilitadora. “O modo como elaboramos o ser humano evita a pressuposição do homem como Eu separado e visa a uma (1680) experiência originalmente nova do ser do homem” (GA38:149) — o pensamento heideggeriano é múltiplo e, ainda assim, o mesmo: resultado de uma alquimia do verbo ligada à necessidade decorrente de qualquer vontade de pensar os termos no elemento que os desdobra, no entanto, é apenas a própria simplicidade da questão que aborda todo o pensamento: ser um si diante da graça enigmática da presença dada. Heidegger nunca quis outra coisa senão “iniciar o pensamento pluriforme da questão inteiramente simples do pensamento, que, por causa de sua simplicidade, abriga a plenitude” (Q34:349).
(CARON, Maxence H. Pensée de l’être et origine de la subjectivité. Paris: CERF, 2005)