Carneiro Leão (2017:9) – identidade

Na vida vivida todo mundo, tal como O Velho do Restelho, sabe, “com um saber só de experiência feito”, que todo homem é e por ser tem identidade. O difícil, bem difícil mesmo, é dizer para si mesmo e para todos os outros o que é identidade. O outro não é somente o outro de todos os outros, mas é também, o outro de si mesmo e sobretudo o outro do Ser. E não apenas dizer é difícil, mas principalmente ser e conquistar identidade. Trata-se de uma conquista que sempre já começou na vida de cada um de nós e nunca termina. E mistério inexplicável. Não se explica nem pelas influências do passado, nem pelas transformações do futuro. Está em jogo uma palavra que é dita uma única vez e nunca pode ser repetida, pois nunca termina de ser dita. Este mistério da identidade é, nas palavras das Confissões de Santo Agostinho, “intimius intimo meo”: mais íntimo de mim mesmo do que meu próprio íntimo”!

Numa formulação lapidar de estilo e pensamento, Platão atribui a Sócrates a ignorância da identidade com três palavras apenas. São as três palavras mais importantes de toda a História do Ocidente: oida oudèn eidõs, “é não sabendo nada que sei da identidade”! Vindo do nada, este não saber dá ao pensamento de Ser o que Nicolau Krebs, mais conhecido por sua cidade Natal, como Nicolau di Cusa (1401-1464), chamou de “docta ignorantia”, “sábia ignorância”.

(CARNEIRO LEÃO, Emmanuel. Aprendendo a Pensar III. Teresópolis: Daimon Editora, 2017)