Algumas páginas depois, no entanto, Heidegger escreve: “mesmo as entidades que não são sem mundo, por exemplo, o próprio Dasein, ocorrem ‘no’ mundo, ou, mais precisamente, podem, com um certo direito e dentro de certos limites, ser tomadas (aufgefaßt) como algo meramente ocorrente. Para isso, é necessário desconsiderar completamente, ou não ver, a constituição existencial do ser-em” (SZ 55). Será que essa admissão enfraquece totalmente a distinção de Heidegger entre o Dasein e as entidades ocorrentes? Não, mas sugere que Heidegger fez muito pouco para resolver, e muito menos para abordar, o problema mente-corpo. William Blattner está certo, parece-me, ao dizer que considerar o Dasein de uma forma “abstraída” como algo meramente ocorrente “não é considerar o Dasein adequadamente” (Heidegger’s Temporal Idealism, 37, 85). Mas será que isso compromete Heidegger com um tipo de “dualismo”, como sugere Blattner? Sinto-me tentado a dizer que Heidegger é um pluralista em relação às entidades e seus tipos ontológicos, e que o problema mente-corpo prospera em grande parte em nossas descrições fenomenológicas empobrecidas das maneiras pelas quais tipos fundamentalmente diferentes de entidades figuram em nosso entendimento em geral. De qualquer forma, ao renunciar a qualquer descrição do corpo humano (SZ 108), Heidegger de fato evita o problema.
(CARMAN, Taylor. Heidegger’s Analytic: Interpretation, Discourse and Authenticity in Being and Time. New York: Cambridge University Press, 2003)