Byung-Chul Han (2023) – Não podemos dispor da disposição (Stimmung)

Não é fácil marcar o Aí (das Da) linguisticamente, pois ele se furta ao proposicional. Ele não se encontra disponível nem no pensamento nem na intuição. Os arrepios lhe estão mais próximos do que a retina. Ele se abre pré-reflexivamente. O Ser-Aí (Da-Sein) se exprime, primeiramente, como Ser-Disposto (Gestimmt-Sein) que também precede o Ser-Consciente (Bewusst-Sein). A disposição (Stimmung) não é um estado subjetivo que colore o mundo objetivo. Ela é o mundo. Ela é mais objetiva do que o objeto, sem, porém, ser ela própria um objeto. Antes de direcionar minha atenção a um objeto, já me encontro em um mundo de-finido (be-stimmten)1. A disposição, como estado de espírito, precede qualquer intencionalidade referida a objetos: “A disposição já abriu, porém, o ser-no-mundo como todo, e torna primeiramente possível um se dirigir a [algo]” (SZ:137). A disposição nos abre o espaço unicamente no qual nos confrontamos com um ente. Ela desvela o ser.

Não podemos dispor da disposição. Ela nos toma. Não é possível produzi-la voluntariamente. Antes, somos lançados nela. Não a atividade, mas o estar-lançado (Geworfenheit) como passividade ontológica originária define nosso ser-no-mundo originário. Na disposição, o mundo se revela em sua indisponibilidade. A disposição precede toda atividade e é, ao mesmo tempo, de-finidora para ela. Toda ação é, sem que sejamos conscientes disso, um agir de-finido. A disposição constitui, então, o quadro pré-reflexivo para atividades e ações. Assim, ela pode facilitar ou também impedir ações de-finidas. Uma passividade é inerente ao âmago da atividade. Ações e atividades não são, portanto, inteiramente livres ou espontâneas.

Também o pensar não é pura atividade e espontaneidade. A dimensão contemplativa que nele habita o transforma em um corresponder. Ele corresponde àquilo que “se dirige a nós como voz (Stimme) do ser”, ao se deixar de-finir por ela. Pensar significa “abrir nossos ouvidos”; ou seja, escutar e ouvir atentamente. Falar pressupõe escutar e corresponder: “Philosophia é o corresponder verdadeiramente consumado que fala enquanto atenta ao chamado do ser do ente. O corresponder ouve a voz do chamado. […] O corresponder é necessário e sempre, não apenas por acaso e às vezes, um disposto (gestimmtes). Ele está em uma disposição (Gestimmtheit). E só no fundamento da disposição (disposition) o falar do corresponder recebe sua precisão, sua De-Finição (Be-Stimmtheit)” (GA8:23). A disposição não é indefinida ou difusa. Antes, ela concede ao pensado uma De-Finição. A disposição é uma gravidade que condensa palavras e conceitos em um pensamento de-finido. Ela concede ao pensamento, no âmbito pré-reflexivo, uma direção de-finida. Sem disposição, o pensamento é sem destinação; ou seja, sem De-Finição (Be-Stimmung). Ele permanece completamente indefinido e arbitrário: “Se a disposição fundamental fica de fora, então tudo é um aglomerado forçado de conceitos e cascas de palavras” (GA65:26).

O pensar já é sempre disposto; ou seja, exposto a uma disposição que o fundamenta. A fundamentação pré-reflexiva do pensar precede todo pensamento: “Todo pensar essencial exige que seus pensamentos e proposições sejam extraídos renovadamente, como minério, da disposição fundamental” (GA65:26). Heidegger se esforça, por isso, para descobrir, no pensar, o âmbito da passividade. Admite-se, aí, que o pensar, em seu âmago, é um pathos: “[…] pathos está ligado com paschein, sofrer, aguentar, suportar, entregar, deixar-se carregar, deixar-se de-finir por [algo]” (GA8:26). (ByungVC)

  1. Neste parágrafo, o autor faz um jogo de palavras usando palavras que são derivadas do verbo stimmen, como Stimmung (que traduzimos por “disposição”) e Gestimmt-Sein (que traduzimos por “ser-disposto”) para lembrar que tais palavras sempre estão associadas a uma ideia de afinação sonora, de estar afinado, em sintonia com algo – no caso, o mundo que, justamente, disporia o sujeito e assim lhe daria sua “disposição” (daí que optamos por traduzir be-stimmen [escrito separado pelo próprio autor] como definir, uma vez que isso aproxima a tradução do jogo com a ideia de “afinação”) [N.T.].[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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