As ciências nem sempre existiram. Elas são histórias, isto é, são obra do homem, são criação do espírito humano. As razões de seu aparecimento parece que radicam na estrutura «objetivante» da inteligência e na «vontade-de-poder» do homem.
A inteligência ocidental, talvez por obra de seu mestre-educador, o grego, se esmerou sobretudo na capacidade de representar clara e distintamente o objeto que pretende conhecer. Lá onde o ser se subtrai a uma clara representação objetiva é impossível ter dele um conhecimento científico. É o caso da filosofia e da teologia. Alguns lhes negam, e com razão, o caráter científico (se tomarmos o conceito moderno de ciência), porque não é possível ter uma representação clara do ser (filosofia) nem do Ente-Supremo (teologia). É também o caso das chamadas ciências humanas, como a psicologia, a história, a política, a sociologia, onde nem todos os conceitos que elas usam são passíveis de clara representação, porque designam fenômenos imponderáveis, constituídos no tempo e no espaço pela ação humana, sempre criadora, embora atue no estatuto de um contexto determinado. Tais ciências se constituem em problema para a inteligência científico-objetivante.
A inteligência objetivante é suportada, ou melhor, é propulsada por uma energia alheia à própria inteligência. Esta energia é a vontade-de-poder. A vontade-de-poder, de domínio, de posse e dominação da realidade, é a força que impulsiona a inteligência objetivante. Por isso se diz que a ciência é práxis, não é contemplativa, mas prática. Seu complemento natural é a técnica, que é a vontade-de-poder-efetuada.
O cientista, embora seja considerado cientista na medida em que adquire o hábito do pensar-científico, é a expressão mais acabada da vontade-de-poder. É a vontade-de-poder que o leva a aprimorar sua inteligência, a educá-la ao hábito do pensar-científico. A ciência é por conseguinte a mais refinada manifestação da ânsia de dominação da realidade tematizada pelo homem. A ciência, antes da técnica, violenta a realidade, forçando-a a dialogar com o homem nos esquemas formais por ele propostos.
{[BUZZI, A. Introdução ao pensar. Petrópolis: Vozes, 1973.]}