Assim, podemos retornar ao texto da Ética a Nicômaco mais bem equipados para perceber seu pano de fundo. Com isso, quero dizer tudo o que, na prudência (phronesis), penetra em seu fundamento, que é a preocupação (phrontis; Sorge). Preocupação, lembremos, é acima de tudo o sentimento de que as coisas me dizem respeito, e de tal forma que elas só podem me dizer respeito, um “eu” incapaz de escapar de si mesmo. Como a phronesis se baseia nesse elemento? Para responder a essa pergunta, vamos começar com uma observação de Heidegger. H. G. Gadamer relata que, durante uma sessão de seminário sobre a Ética a Nicômaco, tendo chegado precisamente à passagem sobre a impossibilidade de esquecer a phronesis, o filósofo teria interrompido as hesitações de seus alunos ao exclamar abruptamente: “Mas é a consciência (Gewissen)!” Gadamer é rápido em apontar que isso não foi mais do que um exagero pedagógico, livre de precauções filológicas ou históricas — para ser franco, um anacronismo flagrante. Parece difícil não concordar, tanto mais que é precisamente a noção de consciência que, longe de ser seu equivalente, tenderá, ao contrário, na história da filosofia moral, a colocar a prudência em segundo plano, a ponto de torná-la quase incompreensível. Tentar redescobri-la aqui não significaria reintroduzir a raposa no galinheiro? Não estou alheio a essas dificuldades. No entanto, acho que a observação de Heidegger pode nos colocar na trilha de um fato de grande importância, desde que aceitemos olhar para o fenômeno novamente. A passagem da Ética a Nicômaco observa que a phronesis não pode escapar de nós, porque ela não é simplesmente acompanhada pelo logos, mas pelo próprio logos correto. Com isso, Aristóteles anuncia a doutrina final da phronesis que ele dará no final do livro (VI, 13, 1144 b 27 f.), indo além, sem dizer isso, da caracterização que ele deu no corpo do livro (5, 1140b 5.20). A phronesis está a tal ponto “com o logos” que este último se torna um com ela. O logos da phronesis é inesquecível. A phronesis é a virtude na qual o logos se apresenta em uma forma que o torna inesquecível. Então, o que deve ser esse logos para que ele esteja além do alcance do lethe?
(BRAGUE, Rémi. Aristote et la question du monde. Essai sur le contexte cosmologique et anthropologique de l’ontologie. Paris: PUF, 1988)