Para expressar a identidade do ser e do tempo, para expressar o desaparecimento do ser e o surgimento do tempo, uma palavra que foi retida por muito tempo finalmente aparece no vocabulário de Heidegger. Essa palavra, impossível de traduzir por causa de sua simplicidade, é das Ereignis. No primeiro caso, das Ereignis geralmente significa o acontecimento. Em segundo lugar, das Ereignis deriva da palavra eigen, que significa próprio ou propriamente. Daí surgem, por exemplo, die Eigenschaft: qualidade ou propriedade, das Eigentum: a propriedade do proprietário, a coisa à disposição do proprietário, e também a noção filosófica de autenticidade, agora um tanto obsoleta: die Eigentlichkeit. Finalmente, de uma forma mais distante e oculta, das Ereignis refere-se ao antigo verbo alemão er-äugen, no qual encontramos das Auge: o olho ou o olhar.
Ereignis desafia a definição. A pergunta “O que é Ereignis?” deve permanecer sem resposta porque não deve nem mesmo ser feita. Na verdade, já revela a expectativa de um ser ou essência do Ereignis, enquanto deveríamos estar tentando pensar o ser e a origem de sua essência a partir do Ereignis. Como um olhar sem rosto que faz com que tudo, em todos os sentidos, olhe para nós antes mesmo de ser olhado, o Ereignis é o advento da presença, sua própria apresentação. Ereignis nos revela o ser e o tempo em seu ser próprio. Além disso, nos revela o significado de sua conjunção: a conjunção original e originalmente temporal de um e de outro. Existe o ser, existe o tempo. Ereignis é o “il” do {il y a}, o “es” de {es gibt}, o dom que dá, o gesto do dom. Com a promoção do Ereignis e o pensamento de sua temporalidade latente, vem a virada, o giro ou a reversão do caminho de Sein und Zeit para Zeit und Sein. O Ereignis não é, então, um tipo ou uma determinação do ser, nem é o conceito supremo sob o qual o ser e o tempo repousam. Pelo contrário, no horizonte do tempo, ser desaparece em favor de Ereignis. Uma frase curta da palestra Zeit und Sein diz: “Sein verschwindet im Ereignis — Ser desaparece em Ereignis”.
Idêntico ao “deixar”, no qual toda a virtude do deixar-ser se esgota, o Ereignis nomeia o que costumava ser chamado, de forma mais imaginativa e erudita, de die Lichtung des Seins: o clareamento ou a iluminação do ser. Esse nome é um chamado. Esse chamado é um convite: um convite para conduzir a verdade ou a veracidade do ser de volta ao primeiro florescimento do tempo.