Arendt (RJ:162-164) – conhecer e pensar

tradução

Essas “mortes” modernas de Deus, da metafísica, da filosofia e, por implicação, do positivismo podem ser eventos de grande importância, mas são afinal de contas eventos de pensamento e, embora preocupem mais intimamente nossos modos de pensar, eles não dizem respeito à nossa capacidade de pensar, ao simples fato de que o homem é um ser pensante. Com isso, quero dizer que o homem tem uma inclinação e, a menos que seja pressionado por necessidades de vida mais urgentes, até mesmo uma necessidade (a “necessidade da razão” de Kant) de pensar além das limitações do conhecimento, de fazer mais com suas habilidades intelectuais, seu poder cerebral, do que usá-los como um instrumento para conhecer e fazer. Nosso desejo de saber se, decorrente de necessidades práticas, perplexidades teóricas ou pura curiosidade, pode ser realizado alcançando o objetivo pretendido; e embora nossa sede por conhecimento possa ser inesgotável por causa da imensidão do desconhecido, de modo que toda região do conhecimento abra mais horizontes de conhecimento, a atividade em si deixa para trás um tesouro crescente de conhecimento que é retido e guardado por toda civilização como parte integrante do seu mundo. A atividade de conhecer não é menos uma atividade de construção do mundo do que a construção de casas. A inclinação ou a necessidade de pensar, pelo contrário, mesmo se desperta por nenhuma das “questões supremas”, metafísicas e irrespondíveis, consagradas pelo tempo, não deixa nada tão tangível para trás, nem pode ser silenciada por ideias supostamente definidas de “homens sábios”. A necessidade de pensar só pode ser satisfeita através do pensamento, e os pensamentos que tive ontem satisfarão essa necessidade hoje apenas na medida em que eu possa pensar de novo.

Devemos a Kant a distinção entre pensamento e conhecimento, entre razão, a premência de pensar e entender, e o intelecto, que deseja e é capaz de certo conhecimento verificável. O próprio Kant acreditava que a necessidade de pensar além das limitações do conhecimento era despertada apenas pelas velhas questões metafísicas de Deus, liberdade e imortalidade, e que ele “achava necessário negar o conhecimento para dar espaço à fé”; ao fazer isso, ele lançou as bases de uma futura “metafísica sistemática” como um “legado à posteridade”. Mas isso mostra apenas que Kant, ainda vinculado à tradição da metafísica, nunca se tornou plenamente consciente do que havia feito, e seu “legado à posteridade” acabou sendo a destruição de todos os fundamentos possíveis dos sistemas metafísicos. Pois a capacidade e a necessidade de pensar não estão restritas a nenhum assunto específico, como as perguntas que a razão suscita e sabe que nunca será capaz de responder. Kant não “negou o conhecimento”, mas separou conhecer de pensar, e abriu espaço não para a fé, mas para o pensar. Ele, de fato, como sugeriu uma vez, “eliminou os obstáculos pelos quais a razão se impede.”

original

THINKING AND MORAL CONSIDERATIONS, in ARENDT, Hannah. Responsability and Judgement. New York: Schocken, 2003 (ebook) (RJ)

  1. Critique of Pure Reason B30.[↩]
  2. AkademieAusgabe, vol. 18-0.4849.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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