- Abranches, Almeida e Martins
- Original
Abranches, Almeida e Martins
Pensar, querer e julgar são as três atividades espirituais básicas. Não podem ser derivadas umas das outras, e embora tenham certas características comuns, não podem ser reduzidas a um denominador comum. Para a pergunta “O que nos faz pensar?” não há, em última instância, outra resposta senão a que Kant chamava de “a necessidade da razão”, o impulso interno dessa faculdade para se realizar na especulação. Algo semelhante pode ser dito da vontade, que não pode ser movida nem pela razão nem pelo desejo. “Nada além da vontade é a causa total da volição” (“nihil aliud a voluntate est causa totalis volitionis in voluntate”), na notável fórmula de Duns Scotus; ou “voluntas vult se velle” (“o querer quer querer-se”), como até mesmo São Tomás, o menos voluntarista dentre aqueles que refletiram sobre esta faculdade, teve que admitir.1 Por fim, o juízo, a misteriosa capacidade do espírito pela qual são reunidos, o geral, sempre uma construção espiritual, e o particular, sempre dado à experiência sensível, é uma “faculdade peculiar” e de modo algum inerente ao intelecto, nem mesmo no caso dos “juízos determinantes” — em que os particulares são subordinados a regras gerais sob a forma de um silogismo —, porque não dispomos de nenhuma regra para as aplicações da regra. Saber como aplicar o geral ao particular é um “dom natural” suplementar, cuja ausência é “comumente chamada de estupidez, e para tal falha não há remédio”.2 A natureza autônoma do juízo é ainda mais óbvia no caso do “juízo reflexivo”, que não desce do geral para o particular, mas vai “do particular… até o universal”, quando determina, sem qualquer regra geral, que “isto é belo”, “isto é feio”, “isto é certo”, “isto é errado”; e, aqui, por um princípio direto, o julgar “só pode adaptar (se) como uma lei de si mesmo e para si mesmo.”3
Original
ARENDT, H. The Life of the Mind: the Groundbreaking Investigation on How We Think. Boston: Houghton Mifflin Harcourt, 1981 (LM)