Arendt (CH:§2) – três modos de vida (bioi)

Lafer

Aristóteles distinguia três modos de vida (bioi) que os homens podiam escolher livremente, isto é, em inteira independência das necessidades da vida e das relações delas decorrentes. Esta condição prévia de liberdade eliminava qualquer modo de vida dedicado basicamente à sobrevivência do indivíduo — não apenas o labor, que era o modo de vida do escravo, coagido pela necessidade de permanecer vivo e pela tirania do senhor, mas também a vida de trabalho dos artesãos livres e a vida aquisitiva do mercador. Em uma palavra, excluía todos aqueles que, involuntária ou voluntariamente, permanente ou temporariamente, já não podiam dispor em liberdade dos seus movimentos e ações.1 Os três modos de vida restantes têm em comum o fato de se ocuparem do «belo», isto é, de coisas que não eram necessárias nem meramente úteis: a vida voltada para os prazeres do corpo, na qual o belo é consumido tal como é dado; a vida dedicada aos assuntos da polis, na qual a excelência produz belos feitos; e a vida do filósofo, dedicada à investigação e à contemplação das coisas eternas, cuja beleza perene não pode ser causada pela interferência produtiva do homem nem alterada através do consumo humano.2 (ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tr. Celso Lafer. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 20-21)

Original

  1. William L. Westermann («Between Slavery and Freedom», American Historical Review. Vol. L (1945)) afirma que o «enunciado de Aristóteles… de que os artífices vivem numa condição de escravidão limitada, significa que o artífice, ao fazer um contrato de trabalho, dispunha de dois dos quatro elementos de seu status de homem livre (viz., liberdade de atividade econômica e direito de ir e vir), mas por vontade própria e temporariamente»; fatos citados por Westermann demonstram que a liberdade, na época, era concebida como consistindo em «status, inviolabilidade pessoal, liberdade de atividade econômica e direito de ir e vir» e que, consequentemente, a escravidão «era a ausência destes quatro atributos». Aristóteles, ao enumerar os «modos de vida» na Ética a Nicomaco (i.5) e na Ética a Eudemo (1215a35 ff.), nem chega a mencionar o modo de vida do artífice; para ele, é óbvio que um banausos não é livre (cf. Política 1337b5). Menciona, porém, o modo de vida do «ganhador de dinheiro» para rejeitá-lo, uma vez que também é «adotado sob compulsão» (Ét. a Nic. 1096a5). Na Ética a Eudemo, fica salientado que o critério é a liberdade: ele enumera somente aqueles modos de vida escolhidos ep’ exousian.[↩]
  2. Para a oposição entre o belo e o necessário e útil, veja-se Política 1333a30 ff., 1332b32.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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