- Roberto Raposo
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Roberto Raposo
Contudo, a enorme superioridade da contemplação sobre qualquer outro tipo de atividade, inclusive a ação, não é de origem cristã. Encontramo-la na filosofia política de Platão, em que toda a reorganização utópica da vida na pólis é não apenas dirigida pelo superior discernimento do filósofo, mas não tem outra finalidade senão tornar possível o modo de vida filosófico. A articulação aristotélica dos diferentes modos de vida, em cuja ordem a vida de prazer tem papel secundário, é orientada claramente pelo ideal da contemplação (theoria). À antiga liberdade em relação às necessidades da vida e à coerção de outros, os filósofos acrescentaram a liberdade e a cessação de toda atividade política (skhole),1 de sorte que a posterior pretensão dos cristãos de serem livres de envolvimento em assuntos mundanos, de todos os negócios deste mundo, foi precedida pela apolitia filosófica da Antiguidade tardia, e dela se originou. O que até então havia sido exigido somente por alguns poucos era agora visto como direito de todos.
Original
- A palavra grega skhole, como a latina otium, significa basicamente isenção de atividade política e não simplesmente lazer, embora ambas sejam também usadas para indicar isenção do trabalho e das necessidades da vida. De qualquer modo, indicam sempre uma condição de liberação de preocupações e cuidados. Uma excelente descrição da vida cotidiana de um cidadão ateniense comum, que goza de completa isenção de trabalho e de obra, pode ser encontrada em Fustel de Coulanges, A cidade antiga (Archor, 1956), p. 334-336; qualquer um se convencerá de como a atividade política era absorvente nas condições da cidade-Estado. Pode-se facilmente imaginar como essa vida política comum era cheia de preocupações quando se recorda que a lei ateniense não permitia que se permanecesse neutro, e punia com perda de cidadania aqueles que não quisessem tomar partido em disputas faccionárias.[
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- The Greek word skhole, like the Latin otium, means primarily freedom from political activity and not simply leisure time, although both words are also used to indicate freedom from labor and life’s necessities. In any event, they always indicate a condition free from worries and cares. An excellent description of the everyday life of an ordinary Athenian citizen, who enjoys full freedom from labor and work, can be found in Fustel de Coulanges, The Ancient City (Anchor ed.; 1956), pp. 334—36; it will convince everybody how time-consuming political activity was under the conditions of the city-state. One can easily guess how full of worry this ordinary political life was if one remembers that Athenian law did not permit remaining neutral and punished those who did not want to take sides in factional strife with loss of citizenship.[
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