O pensamento originário é o eco do favor do ser pelo qual se ilumina e pode ser apropriado o único acontecimento: que o ente é. Este eco é a resposta humana à palavra da voz silenciosa do ser. A resposta do pensamento é a origem da palavra humana; palavra que primeiramente faz surgir a linguagem como manifestação da palavra nas palavras. MHeidegger: QUE É METAFÍSICA?
Perdem-se no vazio considerações sobre o modo como se poderia levar a agir sobre a vida cotidiana e pública de modo efetivo e útil, o pensamento ainda e apenas metafísico. Pois, quanto mais o pensamento é pensamento, quanto mais se realiza a partir da relação do ser consigo, tanto mais puramente encontra-se, por si mesmo, engajado no único agir que lhe é apropriado: na ação de pensar aquilo que lhe foi destinado e que por isso já foi pensado. MHeidegger: O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA
O comum-pertencer de homem e ser ao modo da recíproca provocação nos faz ver, de uma proximidade desconcertante, o fato e a maneira como o homem está entregue como propriedade ao ser e como o ser é apropriado ao homem. Trata-se de simplesmente experimentar este ser próprio de, no qual homem e ser estão reciprocamente a-propriados, experimentar que quer dizer penetrar naquilo que digamos acontecimento-apropriação [NT: O filósofo procura delimitar aquele âmbito em que homem e ser acontecem e se apropriam reciprocamente (no caso da relação homem-técnica, chamado arrazoamento) pela palavra Ereignis. Traduzo-a por acontecimento-apropriação, como os franceses por evénément-appropriation. Na palavra alemã se escondem ambos os pólos expressos pelo termo composto, usado pelas duas línguas românticas em questão. Em seu livro Unterwegs zur Sprache Heidegger comenta seu uso da palavra Ereignis: “Hoje, quando aquilo que ainda quase não foi pensado ou pensado pela metade é logo entregue apressadamente a toda forma de publicidade, parecerá a muitos inacreditável o fato de o autor ter utilizado já, em seus manuscritos, há mais de vinte e cinco anos, a palavra acontecimento-apropriação para a coisa que aqui pensa. Esta coisa, ainda que simples em si mesma, permanece, em primeiro lugar, difícil de ser pensada porque o pensamento deve desacostumar-se a cair no engano de que aqui se pensa ‘o ser’ como acontecimento-apropriação. O acontecimento-apropriação é essencialmente outra coisa, porque muito mais rico que qualquer possível determinação metafísica do ser. Pelo contrário, o ser pode ser pensado, no que respeita a sua origem essencial, a partir do acontecimento-apropriação” (p. 260).] A palavra acontecimento-apropriação é tomada da linguagem natural. “Er-eignen” (acontecer) significa originariamente: “er-äugnen”, quer dizer, descobrir com o olhar, despertar com o olhar, apropriar. A palavra acontecimento-apropriação deve, agora, pensada a partir da coisa apontada, falar como palavra-guia a serviço do pensamento. Como palavra-guia assim pensada, ela se deixa traduzir tão pouco quanto a palavra-guia grega lógos ou a chinesa Tao. A palavra acontecimento-apropriação não significa mais aqui aquilo que em geral chamamos qualquer acontecimento, uma ocorrência. A palavra é empregada agora como singulare tantum. Aquilo que designa só se dá no singular, no número da unidade, ou nem mesmo num número, mas unicamente. O que no arrazoamento, como constelação de ser e homem, experimentamos através do moderno universo da técnica, é um prelúdio daquilo que se chama acontecimento-apropriação. Este, contudo, não permanece necessariamente em seu prelúdio. Pois no acontecimento-apropriação fala a possibilidade de ele poder superar e realizar em profundidade o simples imperar do arrazoamento num acontecer mais originário. Uma tal superação e aprofundamento do arrazoamento, partindo do acontecimento-apropriação e nele penetrando, traria a redenção historial – portanto, jamais unicamente factível pelo homem – do universo técnico, de sua ditadura, para pô-lo a serviço no âmbito através do qual o homem encontra mais.autenticamente o caminho para o acontecimento-apropriação. MHeidegger: IDENTIDADE E DIFERENÇA
Para podermos progredir da expressão verbal superando-a, em direção à questão, precisamos demonstrar como experimentamos e vemos este “dá-se”. O caminho apropriado nesta direção consiste em examinarmos o que é dado no “dá-se”, que significa “ser”, que – dá-se; que significa “tempo”, que – dá-se. De acordo com isto, procuramos investigar o “se”, que dá – ser e tempo. Procedendo desta maneira, tornamo-nos previdentes em um outro sentido. Procuramos tornar visível o “se” e o “dar” e grafamos o “Se” maiúsculo. MHeidegger: TEMPO E SER
Na medida em que ser e tempo só se dão no acontecer apropriados, deste faz parte o elemento característico que consiste em levar o homem, como aquele que percebe ser, in-sistindo no tempo autêntico, ao interior do que lhe é próprio. Assim apropriado, o homem pertence ao Ereignis. MHeidegger: TEMPO E SER
Com referência ao segundo item: Com o que há pouco foi dito mantém estreitos laços a segunda questão, a saber qual a tarefa que fica reservada para o pensamento que penetrou no Ereignis e qual será o modo de dizer correspondente e adequado. Não se pergunta apenas pela forma do dizer – o fato de que um falar em proposições enunciativas permanece inadequado para o que deve ser dito -, mas, dito de maneira um tanto simplista, pergunta-se pelo conteúdo. Na conferência diz-se: “Que resta a dizer? Apenas isto: o Ereignis acontece-apropria”. Com isto diz-se, primeiro apenas de maneira defensiva, como o Ereignis não deve ser pensado. Expressando positivamente põe-se, porém, a questão: O que acontece-apropria o Ereignis? O que é acontecido e apropriado pelo Ereignis? E: E o pensamento que pensa o Ereignis, a meditação daquilo que é acontecido e apropriado pelo Ereignis? MHeidegger: PROTOCOLO DO SEMINÁRIO SOBRE A CONFERÊNCIA “TEMPO E SER”
Assim diz-se na conferência sobre a identidade, caso for pensada partindo de seu final, o que o Ereignis acontece e apropria, isto é, o que conduz para o interior do que é próprio e mantém no Ereignis: a saber, o comum-pertencer de ser e homem. Neste comum-pertencer não são mais então ser e homem os que pertencem a uma comum-unidade, mas – enquanto acontecidos e apropriados – os mortais na quaternidade do mundo. Do acontecido e apropriado, da quaternidade, falam, cada uma a seu modo, a conferência Terra e Céu de Hölderlin (Anuário de Höderlin, 1960, pp. 17 ss.) e a conferência A Coisa. Também tudo que foi dito sobre a linguagem como dizer, como “saga”, refere-se a isto (A Caminho da Linguagem, 1959). MHeidegger: PROTOCOLO DO SEMINÁRIO SOBRE A CONFERÊNCIA “TEMPO E SER”
A diferença no ponto de partida da determinação do ser foi resumida nos dois pontos seguintes: 1. Aquilo a partir de onde se determina para Hegel o ser em sua verdade está fora de qualquer cogitação para esta filosofia e, na verdade, porque para Hegel a identidade de ser e pensar é realmente uma equiparação. Portanto, em Hegel não se chega a levantar a questão do ser, e nunca se poderá chegar a isso. 2. Partindo da conferência em que se mostra que o ser é acontecido e apropriado no Ereignis, poder-se-ia ser tentado a comparar o Ereignis, enquanto o último e o mais alto, como o absoluto de Hegel. Mas atrás desta aparência de identidade dever-se-ia, então, levantar a seguinte questão: Como se relaciona em Hegel o homem com o absoluto? E: Qual a relação do homem com o Ereignis? Nisto se mostraria, então, uma diferença intransponível. Na medida em que, para Hegel, o homem é o lugar do vir-a-si-mesmo do absoluto, isto conduz à supressão da finitude do homem. Em Heidegger, pelo contrário, a finitude é justamente tornada visível – e, na verdade, não apenas a do homem, mas a do próprio Ereignis. MHeidegger: PROTOCOLO DO SEMINÁRIO SOBRE A CONFERÊNCIA “TEMPO E SER”