(Levinas1988)
A linguagem condiciona assim o funcionamento do pensamento racional: dá-lhe um começo no ser, uma primeira identidade de significação no rosto de quem fala, isto é, que se apresenta desfazendo sem cessar o equívoco da sua própria imagem, dos seus signos verbais. A linguagem condiciona o pensamento: não a linguagem na sua materialidade física, mas como uma atitude do Mesmo em relação a outrem, irredutível à representação de outrem, irredutível a uma consciência de…, pois se refere ao que nenhuma consciência pode conter, refere-se ao infinito de Outrem. A linguagem não tem lugar no interior de uma consciência, vem-me de outrem e repercute-se na consciência pondo-a em questão, o que constitui um acontecimento irredutível à consciência, onde tudo sobrevém a partir do interior, mesmo a estranheza do sofrimento. Considerar a linguagem como uma atitude do espírito não equivale a desencarná-la, mas precisamente a dar conta da sua essência encarnada, da sua diferença em relação à natureza constituinte, egológica, do pensamento transcendental do idealismo. A originalidade do discurso em relação à intencionalidade constituinte, em relação à consciência pura, destrói o conceito da imanência: a ideia do infinito na consciência é um transbordamento dessa consciência, cuja encarnação oferece poderes novos a uma alma que já não é paralítica, poderes de acolhimento, de dom, de mãos cheias, de hospitalidade. Mas a encarnação tomada como facto primeiro da linguagem, sem indicação da estrutura ontológica que ela realiza, assimilaria a linguagem à actividade, ao prolongamento do pensamento em corporeidade, do eu penso em eu posso, que tinha certamente servido de protótipo à categoria do corpo próprio ou do pensamento encarnado, que domina uma parte da filosofia contemporânea. A tese apresentada aqui consiste em separar radicalmente linguagem e actividade, expressão e trabalho, apesar de tudo o lado prático da linguagem, cuja importância não se poderá subestimar.