A ideia de uma ética formal em si

(Scheler11973)

A meu ver, seria um grande erro sustentar que qualquer das versões pós-kantianas de ética não formal tenha refutado a doutrina kantiana. De fato, estou tão convencido disso que acredito que todas essas versões que tomam os valores não formais de “vida,” “bem-estar,” etc., como ponto de partida para argumentos éticos, só podem servir como exemplos do tipo de pressuposição cuja rejeição definitiva é precisamente o único mérito da filosofia prática de Kant. Pois, com poucas exceções, tais versões são, ao mesmo tempo, formas de ética baseadas em bens e propósitos. Na minha opinião, Kant refutou, de uma vez por todas, todas as éticas que começam com a pergunta: Qual é o bem supremo ou qual é o propósito final de todas as volições? Todas as éticas pós-kantianas, por mais que tenham servido para lançar nova luz sobre valores morais específicos e os detalhes das situações concretas da vida, conseguem, em seus aspectos principais, apenas destacar ainda mais a grandiosidade, força e concisão do trabalho de Kant.

Por outro lado, acredito que este colosso kantiano de aço e bronze obstrui o caminho da filosofia para uma teoria concreta e evidencial dos valores morais que, ao mesmo tempo, seja independente de experiências psicológicas e históricas positivas, bem como para a ordenação desses valores e as normas baseadas neles. O trabalho de Kant, portanto, nos impede de obter uma verdadeira compreensão do lugar dos valores morais na vida humana. Enquanto a fórmula terrivelmente sublime de Kant, com sua vacuidade, permanecer válida como o único resultado evidencial de toda ética filosófica, ficamos privados da visão clara da plenitude do mundo moral e suas qualidades, assim como da convicção de que este mundo é algo vinculante.

Todas as chamadas críticas internas relacionadas apenas à consistência do sistema de Kant não teriam valor nesse aspecto. O interesse aqui é, antes, detectar os pressupostos kantianos, parte dos quais ele formulou, mas grande parte dos quais ele simplesmente ignorou—provavelmente por considerá-los óbvios demais para requerer um tratamento explícito. Estes últimos pressupostos são, na maioria, aqueles que ele compartilhava com a filosofia de sua época ou que assumiu de maneira acrítica do empirismo inglês e da psicologia associacionista. Enfrentaremos ambos os tipos no decorrer de nossa investigação. A pesquisa sobre Kant parece-me ter prestado pouca atenção a eles. Além disso, rejeito a tarefa de “crítica interna” porque meu interesse não é cada pequeno detalhe da obra do “Kant histórico,” mas sim a ideia de uma ética formal em si, da qual a ética de Kant é apenas um exemplo—embora o maior, mais convincente e mais rigoroso de todos.

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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