Spengler Simbolismo – MACROCOSMO: O SIMBOLISMO DA IMAGEM CÓSMICA E O PROBLEMA DO ESPAÇO
O ESPAÇO E A MORTE
Os símbolos, uma vez realizados, pertencem à esfera da extensão. Todos eles — também os que designam um processo de evolução — são algo que se produziu e não algo que se produz. Por essa razão, têm limites rígidos e obedecem às leis do espaço. Não há símbolos que não sejam sensíveis e espaciais. A própria palavra “forma” significa algo que se estenda na extensão. Esta, porém, é a nota que caracteriza o fato de “estar alerta”; fato que constitui apenas um aspecto da existência individual e se acha intimamente ligado aos destinos da mesma. Segue-se disso que todos os traços da vigilância ativa — quer sintamos, quer compreendamos — já pertencem ao pretérito no mesmo instante em que nos demos conta deles. Sobre impressões somente podemos refletir, como dizemos, servindo-nos de um termo significativo Mas o que para a vida sensível dos animais é apenas “passado”, é “passageiro” para o intelecto humano, dependente de palavras. O que penetrou no reino da extensão tem não somente um começo como também um fim. Entre o espaço e a morte existe uma profunda conexão, que já se fêz sentir em épocas muito remotas. O homem é o único ser que conhece a morte.
Nós somos o tempo, mas também possuímos uma imagem da História, e nela surge, com respeito à morte, o nascimento como o segundo enigma. Freqüentemente, o despertar da vida íntima de uma criança é provocado, com profunda e muito significativa identidade, pela morte de um parente. De súbito, a criança compreende o cadáver inanimado, que se converteu em mera matéria e espaço, e ao mesmo tempo sente que ela própria é um ente isolado num mundo estranho e extenso. Tolstoi disse certa vez: “Do menino de cinco anos até a mim há apenas um passo. Mas o recém–nascido fica separado do mesmo menino por uma distância formidável.” Ora, naquele momento decisivo da existência, quando o homem se torna homem e chega a conhecer a sua imensa solidão no Universo, revela-se o pavor cósmico sob a forma puramente humana do medo à morte, ao limite do mundo luminoso, ao espaço rígido. Nessa região encontra-se a raiz de qualquer pensamento superior, que é, antes de mais nada, uma reflexão acerca da morte. Toda religião, toda ciência natural, toda filosofia, partem dali. A linguagem formal de qualquer simbolismo elevado prende-se ao culto dos defuntos, ao cerimonial dos funerais, ao adorno das sepulturas. As culturas novas despertam sempre com uma “concepção do mundo” inédita, isto é, com uma súbita visão da morte, como o mistério do Universo avistado. Quando, por volta de 1000 d. C, espalhava-se pelo Ocidente a idéia do fim do mundo, nascia a alma faustiana dessas paragens. Nos próprios homens primitivos começam a atuar o sentimento do Eu e o sentimento do mundo, e qualquer cultura, a interna tanto como a exterior, a atitude como a produção, é somente a sublimação do “ser homem”. A partir desse instante, o que resiste às nossas sensações já não se limita a ser resistência, coisa, impressão, como no caso dos animais e também das crianças, mas também expressão. A essência de todo simbolismo genuíno — inconsciente e intimamente necessário — tem sua origem no conhecimento da morte, na qual se desvenda o mistério do espaço. Todo simbolismo é uma defesa. Exprime um profundo temor, no tradicional sentido duplo da palavra: sua linguagem formal fala-nos, ao mesmo tempo, de hostilidade e de reverência.
Tudo quanto deveio é transitório. Transitórios são quaisquer pensamentos, credos, ciências, depois de terem-se extinguido os espíritos em cujos mundos as suas “verdades eternas” pareciam necessariamente verdadeiras. Transitórios são, até mesmo, os mundos siderais que se apresentavam aos astrônomos do Nilo e do Eufrates. Eram mundos para aqueles olhos, e os nossos olhos — igualmente efêmeros — são diferentes.