Ludwig Wittgenstein [1] utiliza uma expressão da obra Fausto de Goethe , “No princípio era o acto”, por ser ilustradora de uma das suas ideias mais caras, a importância da acção. Este mote inspirou-nos à consideração do papel da acção no pensamento de Michel Henry . Pode, à primeira vista, parecer desconcertante que uma fenomenologia da imanência se preocupe com questões aparentemente objectivas, porque a praxis é vista, na generalidade dos casos, como uma objectivação. Ora, é justamente por ligar a praxis ou produção à subjetividade viva que esta se toma numa fenomenalidade do real, porque a realidade são os sujeitos vivos e não outra coisa. A idealidade teórica e objectivadora, uma constante da tradição ocidental que, na óptica deste autor, é constratura de mundos virtuais e alienadores, como leitor e intérprete de Marx , considerou que este pensamento propõe «inverter o sentido da relação fundadora que se instituiu entre o real e o ideal», [2] porque a realidade deve ser compreendida como «acção e produção». [3]
Artigo bicéfalo propõe-se a analisar a acção sob duas vertentes, numa primeira parte pondo o enfoque na praxis social e cultural através do Marx , numa segunda procurando a gênese transcendental da acção através de uma fenomenologia da carne.
Como o Homem produz, desde sempre, tudo aquilo que faz parte da sua vida, tudo aquilo de que necessita, o trabalho transforma-se em revelação do sujeito, materializando-o e dando-lhe simultaneamente um sentido, a par de uma consciência de si próprio. É pelo trabalho que nos conhecemos como sujeitos e como Povo. [4] Assim, o Homem real e carnal é subjetividade auto-impressional que se revela e se desvela na acção. A praxis como acção real não é somente a do artesão, a do operário ou a de outra qualquer profissão, mas encontra-se presente em todo o tipo de actividade humana, desde o cuidar dos filhos, até ao cultivo da amizade, porque o Homem não está, em momento algum, destituído da afetividade que é a sua essência, porque o Homem é sempre um ser de relação. Convém sublinhar que a praxis não é um processo que deriva de uma interioridade “cega” que precisa de grandes representações teóricas que a orientem ou dirijam. É um processo que é subjetivo e deriva da experiência interior, é «tensão viva de uma existência que se prova no seu acto e que com ele coincide». [5] Mais do que uma atividade que deriva de uma necessidade, a praxis ou produção encontra as suas determinações nas estruturas internas do indivíduo atualizando-as permanentemente. Portanto, não devemos fazer corresponder o trabalho que é praxis subjetiva a algo que é objetivo “porque a essência do trabalho é subjetiva, subjetivas também devem ser as suas leis.” [6]
Toda a praxis radica no sujeito individual e a ideia de praxis social como um todo só adquire sentido se reportar ao indivíduo, ao sujeito encarnado e impressivo. A ideia de que possa existir uma praxis social desligada dos sujeitos é perigosa, pois corre o risco de se transformar numa hipóstase esmagadora dos mesmos. [7]