O que significa filosofar, com o olhar fixo na exceção? Essencialmente, significa unir a profundidade radical das intuições de Kierkegaard e Nietzsche com a clareza intelectual que é a própria vocação da filosofia. Em poucas palavras: a ambição da filosofia da existência é unir razão e existência,1 entendendo por razão a busca por precisão conceitual, sequência sistemática e clareza, conforme moldada pela tradição filosófica do Ocidente, e por existência o senso de intimidade, drama e profundidade, conforme derivado das experiências fundamentais do indivíduo. A tarefa é esmagadora: é uma questão de casar fogo e água. Mas talvez o próprio homem proceda dessa união se ele for toda razão e toda existência, clareza e profundidade, pensamento e decisão. A filosofia da existência, portanto, tira seu rótulo “existencial” de sua fidelidade à “exceção” que lhe deu seu ímpeto inicial; mas merece o nome de filosofia apenas por sua determinação de não ser inferior à exigência de clareza que a tradição proclama. É por isso que a obra de Jaspers, que pode dar aos leitores não familiarizados com Kierkegaard e Nietzsche a impressão de romper com a filosofia clássica, tem sido cada vez mais entendida por seu autor como um esforço para integrar à filosofia clássica a mensagem excêntrica daqueles que pareciam ser seus destruidores.2 Sua ambição é nos devolver as próprias fontes da “philosophia perennis” e libertar a filosofia autêntica das formas vazias de uma razão sem fontes ou raízes.3 Kierkegaard e Nietzsche não tinham ligação com a humanidade, eram a “exceção não comunicativa”; a filosofia é essencialmente comunicativa, preocupa-se com toda a história da filosofia, preocupa-se com uma linguagem capaz de transferir o essencial para os outros.4
A exceção não dá uma tarefa precisa; a philosophia perennis, renovada pela exceção, propõe tarefas imperativas: a filosofia eterna tem o ser como seu fim e o pensamento como seu meio.
[DUFRENNE, M.; RICOEUR, P. Karl Jaspers et la philosophie de l’existence. Paris: Seuil, 1947]- Raison et existence, c’est le titre des conférences de 1935.[↩]
- « Le nom (de philosophie existentielle) est trompeur dans la mesure où il paraît restrictif. La philosophie ne peut jamais vouloir être que l’antique philosophie éternelle », VE 113. « Ce qu’on appelle philosophie de l’existence n’est qu’une figure de l’unique et antique philosophie », ExPh, I.[↩]
- « C’est une nouvelle histoire de la philosophie, de résonance existentielle, qui pour nous est en devenir ; et pourtant, elle ne voudrait que conserver l’antique philosophie plus fidèlement qu’auparavant, parce qu’avec plus d’intériorité », VE 100.[↩]
- VIE 57.[↩]