Marion (2020) – o dado

Assim, aproximadamente definida, a dação provoca uma inevitável dupla reticência. - A primeiro se deve ao seu caráter factual, imposto de fato e sempre alcançado: o dado, o que quer que possa ser, não admite nenhuma exceção; o dado de fato já é sempre aí, ou melhor, já é sempre aqui, tão próximo quanto possível, somos diretamente pegos nele, nossos pés nele, enredados a náuseas no horror do solo que nos apega a ele. Até a nossa própria experiência do nada, supondo, além disso, que alguma vez tenhamos realmente uma, já supõe um dado, por menor que se imagine que seja, que antecipadamente nos retém e nos contém. O dado, portanto, abre toda a experiência, mas enquanto a abre antecipadamente e de fato, neste sentido a fecha porque decidiu antes e sem nós, a impõe sobre nós, nos faz atrasados desde o início, a orienta para nós, a condiciona para nós e a raciocina para nós sem nos dar qualquer razão para isso. O início pertence ao dado, e esse início decide o fim. Com o dado, desde o início, vemos o fim, estamos terminados [somos finitos], em todos os sentidos do termo. De onde o inevitável, mesmo automático, reflexo da racionalidade: pensamento e compreensão consistirão em recusar a autoridade de fato do dado, desconstruindo-o e pondo-o em suspensão a fim de recuperar a iniciativa da dedução e restabelecer outro início, aquele do um a priori  , conquistado após o fato como uma inauguração em reverso: tanto menos dado, quanto mais pensado. O dever da negatividade exige desfazer esta simples autoridade de facto do dado para substituí-la pela autoridade de jure de um a priori, qualquer que seja, desde que consiga recuperar o dado na legitimidade voluntária do conceito.

Thus approximately defined, givenness at once elicits an inevitable double reticence. —The first is due to its factual character, imposed de facto and always already achieved: the given, whatever it may be, indeed admits of no exception; the de facto given is always already there, or rather always already here, as close as possible, we are straightaway caught in it, our feet in it, enmeshed unto nausea in the horror of the ground that glues us to it. Even our very experience of nothingness, supposing, besides, that we have ever really had one, already supposes a given, however small one imagines it to be, which in advance retains and contains us. The given therefore opens all experience, but as it opens it in advance and in fact, in that sense it closes it because it decided it before and without us, imposes it on us, makes us late from the beginning, orients it for us, conditions it for us and rations it for us without giving us any reason why. The beginning belongs to the given, and that beginning decides the end. With the given, from the beginning, we see the end, we are finished, in every sense of the term. Whence the inevitable, even automatic, reflex of rationality: thinking and understanding will consist in recusing the de facto authority of the given, deconstructing it and suspending it in order to regain the initiative of deduction and reestablish another beginning, that of the a priori, conquered after the fact like an inauguration in reverse: all the less given, all the more thought. The duty of negativity requires undoing that simple de facto authority of the given to substitute for it the de jure authority of an a priori, whatever it may be, provided that it manages to regain the given within the voluntary legitimacy of the concept.