Gadamer (VM): problema

A lógica de pergunta e resposta, desenvolvida por Collingwood, põe fim ao tema do problema permanente, que subjaz à relação dos “realistas de Oxford” com os clássicos da filosofia, assim como ao conceito da história dos problemas, desenvolvida pelo neokantismo. A história dos problemas somente seria história de verdade se reconhecesse a identidade do problema como uma abstração vazia e admitisse a mudança dos questionamentos. Pois na realidade não existe um ponto exterior à história, a partir do qual se pudesse pensar a identidade de um problema na mudança de suas tentativas históricas de solução. É verdade que toda compreensão de textos filosóficos requer que se reconheça o que neles se conheceu. Sem este reconhecimento nunca entenderíamos nada. Não obstante, nem por isso nos subtraímos ao condicionamento histórico no qual nos encontramos e a partir do qual compreendemos. O problema que reconhecemos não é, de fato, simplesmente o mesmo, se é que se quer entendê-lo em sua realização que contenha uma autêntica pergunta. Somente nossa miopia histórica nos permite tê-lo como o mesmo. O ponto de vista, a partir de um posicionamento superior, a partir do qual se poderia pensar sua verdadeira identidade, é uma pura ilusão.

Poderemos ver agora a razão disso. O conceito do problema formula evidentemente uma abstração, ou seja, a eliminação do conteúdo de uma pergunta, da pergunta que o abre pela (382) primeira vez. Refere-se ao esquema abstrato a que se deixam reduzir, e sob o qual se deixam subordinar as perguntas reais e realmente motivadas. Um “problema” nesse sentido já caiu fora do nexo motivado das perguntas, donde ele recebe a univocidade de seu sentido. Mas isso é tão insolúvel como toda pergunta que não tem um sentido unívoco, porque não está nem realmente motivada nem realmente colocada.

Isso confirma também a origem do conceito do “problema”. Este não pertence ao âmbito daquelas “refutações bem-intencionadas”, nas quais se exige a verdade das coisas, mas sim, ao âmbito da dialética como um instrumento de luta para aturdir ou desconcertar o adversário. Em Aristóteles, “problema” diz respeito ao gênero de perguntas que se mostram como alternativas abertas, porque tudo fala a favor de ambos os lados, e porque não cremos poder resolvê-las com fundamentos, já que são perguntas demasiadamente grandes. Os problemas não são, pois, verdadeiras perguntas que sejam colocadas e que recebam com isso o prelineamento de sua resposta a partir de sua gênese de sentido, já que são alternativas da opinião que não podemos mais que deixar de lado, e que por isso somente admitem um tratamento dialético. Este sentido dialético de “problema” não tem seu lugar na filosofia, mas na retórica. Faz parte de seu conceito que não seja possível uma decisão unívoca fundamental. Esta é a razão pela qual, para Kant, o uso do conceito de problema se restringe à dialética da razão pura. Os problemas são “tarefas que surgem por inteiro do seu seio”, portanto, produtos da própria razão, cuja completa solução, esta não pode esperar. É significativo que no século XIX, com a quebra da tradição imediata do perguntar filosófico e com o surgimento do historicismo, o conceito de problema ascenda a uma validez universal. E um indício de que já não existe uma relação imediata com as perguntas da filosofia, pautadas na coisa. Desse modo, caracteriza-se o desconcerto da consciência filosófica, face ao historicismo, no fato de que buscou refúgio na abstração do conceito de problema e não viu problema algum na questão de saber como os problemas realmente “são”. A história dos problemas, tal qual a cultiva o neokantismo, é um filho bastardo do historicismo. A crítica ao conceito de problema, realizada com os meios de uma lógica de pergunta e resposta, tem que destruir a ilusão de que os problemas estão aí como as estrelas no céu. A reflexão sobre a experiência hermenêutica reconduz os problemas a perguntas que se colocam e que têm seu sentido na sua motivação. (Gadamer, Verdade e Método I)