Ao mesmo tempo, porém, o artista, que é tão “livre como um pássaro ou peixe”, é onerado com uma profissão que o torna uma figura ambígua. Pois uma sociedade instruída, despojada de suas tradições religiosas, logo espera da arte mais do que corresponde à consciência estética, sob o “critério da arte”. A exigência romântica de uma nova mitologia, como é propalada por F. Schlegel, Schelling, Hölderlin e pelo jovem Hegel, mas, por exemplo e da mesma forma, presente nos ensaios e reflexões artísticas do pintor Philipp Otto Runge, dá ao artista e à sua tarefa no mundo a consciência de uma nova consagração. Torna-se algo como um “salvador secular” (Immermann), cujas criações, no miúdo, devem produzir a reconciliação da ruína, pela qual o mundo que se perdeu espera. Essa reivindicação determina desde então a tragédia do artista no mundo. Porque o resgate que a reivindicação encontra é sempre e apenas algo particular. Isso, porém, significa, na verdade, provar o contrário. A busca experimental por novos símbolos ou por uma nova “saga”, que a tudo vincule, pode, sem dúvida, congregar um público ao seu redor ou criar uma comunidade. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Isso se torna nítido na diferença com relação ao modelo que o pintor venha a usar, por exemplo, para um quadro de gênero ou para uma composição figurativa. No portrait é a individualidade do retrato que sobressai na representação. Se num quadro, ao contrário, o que produz efeito é o modelocomo individualidade, como, por exemplo, um tipo interessante que apareceu diante do pincel do pintor, isso passa a ser uma objeção contra o quadro, pois no quadro já não se vê mais o que o pintor representa, mas algo de matéria inalterável. E assim que destrói o sentido de um quadro figurativo, quando, por exemplo, nele se torna reconhecível a conhecida modelo do pintor. Pois um modelo é um esquema que tende a desaparecer. A relação com o quadro original, que serviu ao pintor, tem de desaparecer no quadro. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Fora disso denominamos de “modelo”: alguma coisa em que um outro, que ele mesmo não seja visível, torne-se visível; como, por exemplo, o modelo do projeto de uma casa ou o modelo do átomo. O modelo do pintor não é pensado enquanto ele próprio. Serve apenas para mostrar o uso de vestuários ou para a exemplificação de atitudes — como se fosse uma boneca vestida. Ao contrário, o representado no portrait é tão ele próprio, que não atua disfarçado, mesmo quando as luxuosas vestes que está usando chamam a atenção para si. Pois o luxo de sua apresentação pertence a ele mesmo. E ele aquele que ele é por outro. A interpretação de uma poesia, alicerçada em experiências ou fontes, usual na pesquisa literária biográfica e na pesquisa da história das fontes, às vezes nada mais faz do que faria uma pesquisa da arte, que examina as obras de um pintor na perspectiva de seus modelos. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.