Gadamer (VM): pathos

É ainda da mesma maneira que a metafísica grega compreende a natureza da theoria e do nous como sendo o puro tomar-parte no ser verdadeiro, e mesmo aos nossos olhos a capacidade de poder se comportar teoricamente, é definida pelo fato de que, ante uma questão, podemos nos esquecer de seus próprios fins. Primariamente, porém, a theoria não deve ser pensada como um comportamento da subjetividade como uma autodeterminação do sujeito, mas a partir daquilo que o sujeito está olhando. A theoria é verdadeira participação, não é atividade, mas um sofrer (pathos), isto é, um ser tornado de modo arrebatador pela visão (Anblick). A partir daí, recentemente tornou-se compreensível o pano de fundo religioso do conceito grego da razão” . VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.

O fato de que a atitude restauradora do romantismo tivesse podido unir-se ao interesse básico do Aufklärung na unidade produtiva das ciências históricas do espírito, expressa tão-somente que o que subjaz a ambas é uma e mesma ruptura com a continuidade de sentido da tradição. Se para o Aufklärung, é coisa certa que toda tradição que se revela ante a razão como impossível ou absurda, só pode ser entendida como histórica, isto é, retrocedendo às formas de representação do passado, a consciência histórica, que aparece com o romantismo, representa uma radicalização do Aufklärung. Pois para a consciência histórica o caso excepcional de uma tradição contrária à razão se converte numa situação comum. Um sentido acessível em geral à razão é tão pouco acreditado que todo o passado, e afinal, igualmente, todo o pensamento dos contemporâneos, só pode ser compreendido ainda como “histórico”. A crítica romântica ao Aufklärung desemboca assim, ela própria, em um Aufklärung, na medida em que se desenvolve como ciência histórica e sateliza a tudo no empuxo do historicismo. O descrédito fundamental de todo preconceito, que vincula o pathos empírico da nova ciência da natureza com o Aufklärung, torna-se, no Aufklärung histórico, universal e radical. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

É o momento de indagarmos até que ponto é correta essa descrição do procedimento espiritual-científico no qual se unem o historiador e o filólogo atual, e se há razão na pretensão universal que a consciência histórica eleva aqui. Do ponto de vista da filologia isso parece, à primeira vista, duvidoso. Quando o filólogo se dobra ao padrão da investigação histórica acaba desconhecendo-se a si mesmo, ele que era o amigo dos belos discursos. Pode ser que se refira de imediato, mais à forma, se o filólogo reconhece que em seus textos há uma exemplaridade. O velho pathos do humanismo consistia em que, na literatura clássica tudo estaria dito de maneira exemplar. Todavia, o que se dizia dessa maneira exemplar é na realidade algo mais que um modelo formal. Os belos discursos não levam esse nome somente porque o que se diz neles está belamente dito, mas também porque é belo o que neles se diz. De fato, não pretende ser somente “formoso palavreado”. Com respeito à tradição poética, dos povos, temos de reconhecer que não admiramos nela somente a força poética, a fantasia e a arte da expressão, mas também e sobretudo a verdade superior que fala a partir dela. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

Não podemos tomar esta questão suficientemente a sério, se pensarmos a concepção histórica do mundo e seu desenvolvimento desde Schleiermacher até Dilthey. O fenômeno é sempre o mesmo. A exigência da hermenêutica somente parece se satisfazer na infinitude do saber, da mediação pensante da totalidade da tradição com o presente. Esta se apresenta baseada no ideal de um Aufklärung total, da ruptura definitiva dos limites de nosso horizonte histórico, da subsunção da finitude própria na infinitude do saber, em uma palavra, na onipresença do espírito que sabe historicamente. Não tem maior importância que no século XIX o historicismo não tenha reconhecido expressamente esta conseqüência. Em última instância o historicismo só encontra sua legitimação na posição de Hegel, ainda que os historiadores, animados pelo pathos da experiência, tenham preferido apelar a Schleiermacher e a Wilhelm von Humboldt. Mas nem um nem outro pensaram realmente até o final sua própria posição. Por muito que acentuassem a individualidade, a barreira da estranheza que a nossa compreensão tem que superar, a compreensão só alcança, em definitivo, sua perfeição, e a idéia da individualidade só encontra sua fundamentação, numa consciência infinita. É a inclusão panteísta de toda individualidade no absoluto o que torna possível o milagre da compreensão. Assim, também aqui o ser e o saber se interpretam [348] mutuamente no absoluto. Nem o kantismo de Schleiermacher nem o de Humboldt representam, pois, uma afirmação autônoma e sistemática face à perfeição especulativa do idealismo na dialética absoluta de Hegel. A crítica à filosofia da reflexão, pela mesma forma que alcança a Hegel, alcança a eles também. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

Finalmente, a mesma problemática obrigou-me a elaborar de modo mais agudo o teor teórico-científico de uma hermenêutica filosófica, na qual a compreensão, a interpretação e o procedimento das ciências hermenêuticas devem encontrar sua legitimação. Isto levou-me a tratar de um problema, com que eu me havia ocupado intensamente desde meus primeiros trabalhos: O que é a filosofia prática? Como podem a teoria e a reflexão dirigir-se para o âmbito da praxis, visto que esta não tolera nenhum distanciamento, mas, pelo contrário, exige o engajamento. Essa questão tocou-me desde cedo através do pathos existencial de Kierkegaard. Ademais, orientei-me pelo modelo da filosofia prática de Aristóteles. Procurei evitar o modelo distorcido de teoria e sua aplicação, que, partindo do conceito moderno de ciência, determinou de modo unilateral também o conceito de práxis. Foi nesse ponto que Kant introduziu a autocrítica da modernidade. Na Fundamentação da metafísica dos costumes, de Kant acreditei e acredito encontrar uma verdade, quiçá parcial, reduzida ao imperativo, que é no entanto inabalável dentro de seus limites: Os impulsos do Iluminismo não podem prender-se a um utilitarismo social, se é que devem sobreviver à crítica de Rousseau, que segundo o próprio Kant, foi decisiva para ele. VERDADE E METODO II Introdução 1.

A utilização de métodos de certo também faz parte do trabalho das ciências do espírito. Esta distingue-se da literatura científica popular também por uma certa possibilidade de verificação. Mas isso tudo se refere mais aos materiais do que às conseqüências que se podem tirar destes. Não é que a ciência possa, através de sua metodologia, garantir a verdade. Às vezes pode haver mais verdade na obra não-científica de um amador do que numa avaliação metodológica do material. Na verdade, poder-se-ia demonstrar que o desenvolvimento das ciências do espírito nos últimos cem anos teve no modelo das ciências da natureza um constante ponto de referência, porém os seus impulsos mais decisivos e essenciais não provieram do pathos dessas ciências experimentais, mas do espírito do romantismo e do idealismo alemão. Elas têm viva consciência dos limites do Iluminismo e do método da ciência. VERDADE E METODO II PRELIMINARES 3.

Mesmo prescindindo da questão sobre o posicionamento do planejador de uma organização racional do mundo e de um administrador racional dentro deste mundo, parece insolúvel a confusão gerada pelo domínio da “ciência” sobre a situação concreta da vida humana e a racionalidade nela atuante. Também nesse caso, o pensamento grego mostra grande atualidade. A distinção aristotélica entre tékhne e phronesis vai clarificar essa confusão. Reconhecendo na situação concreta da vida o que é passível de ser feito, o saber prático não encontra sua perfeição do mesmo modo que o saber objetivo tem sua perfeição na tékhne. A tékhne que pode ser ensinada e aprendida e seu desempenho não depende evidentemente do tipo de homem que se é, já, do ponto de vista moral ou político, ocorre exatamente o contrário com o saber e a razão que iluminam e guiam a situação prática da vida humana. É claro que também aqui se dá, dentro de certos limites, algo como a aplicação de um saber universal sobre um caso particular. O que assumimos como conhecimento humano, experiência política, astúcia nos negócios, contém — mesmo que segundo uma analogia um tanto inexata — um elemento do saber universal e de sua aplicação. Se não fosse assim, não poderia haver nem o seu ensino e aprendizagem e nem o saber filosófico que Aristóteles desenvolveu no projeto de sua ética e de sua política. Mas o problema aqui não é o da relação lógica entre lei e caso particular e nem tampouco de um cálculo e previsão das conseqüências, consoante à idéia moderna de ciência. Mesmo na suposição utópica de uma física da sociedade, não nos livraríamos da confusão indicada por Platão quando estilizou o homem de Estado, isto é, o agente político, como um especialista mais gabaritado. Esse saber do físico da sociedade, se posso chamá-lo assim, bem pode possibilitar a existência de um técnico da sociedade capaz de produzir tudo o que se imagina, mas permaneceria alguém que não sabe o que se deve realmente fazer com o que ele mesmo sabe. Aristóteles refletiu profundamente sobre essa confusão. Chamou, por isso, o saber prático, que trata de situações concretas, de “outro tipo de saber. O que defende não é um irracionalismo opaco, mas a clareza da razão que sabe encontrar o factível, a cada vez, num sentido prático-político. Assim, em toda decisão prática da vida, está em questão um ponderar sobre as possibilidades que levam aos fins estabelecidos. É compreensível que, desde Max Weber, as ciências sociais tenham buscado sua legitimação científica na racionalidade da escolha dos meios e que hoje tendam a objetivar cada vez mais áreas que antes estavam sujeitas à decisão “política”. Mas se até Max Weber relacionou o pathos de sua sociologia avalorativa à confissão não menos patética de um “deus” que cada um deve escolher, poderíamos realmente admitir a abstração de que sempre podemos partir de fins estabelecidos? Em caso afirmativo, bastaria um saber técnico para estarmos a caminho de um futuro esplêndido, uma vez que a perspectiva de entendimento é muito maior entre técnicos do que entre homens de Estado. Somos tentados a responsabilizar as diretivas políticas dos governos pelo fracasso nos acordos das negociações internacionais nos assim chamados congressos de especialistas. É bem provável que isso não seja verdade. É verdade que existem âmbitos particulares onde o modo de proceder constitui uma questão de pura racionalidade das metas. Aqui o consenso entre especialistas parece fácil. Mas que grau de autocontrole já não estará atuando para que, mesmo no caso do consultor jurídico, a opinião do consultor possa restringir-se àquilo por que ele pode responsabilizar-se cientificamente? E bem provável que o consultor ideal, no sentido indicado, esteja nesse contexto forense em vias de tornar-se inútil, porque a necessidade de decidir, própria da justiça, obriga sempre de novo a trabalhar com constatações sem garantia irrevogável. Quanto mais decisivamente intervir o teor dos preconceitos sociais ou políticos dominantes, tanto mais ficcional parecerá o puro especialista e com ele o conceito de uma racionalidade cientificamente segura. Em todo âmbito das ciências sociais modernas deve-se admitir que elas não conseguem dominar o nexo entre meios e fins, sem dar preferência a determinados fins. Se explorássemos a fundo os condicionamentos internos dessas implicações, acabaria se mostrando a contradição entre a verdade atemporal, postulada pela ciência, e a estruturação temporal daqueles que usam a ciência. VERDADE E METODO II COMPLEMENTOS 12.

Não compreendo essas considerações. A diferença entre a linguagem dos especialistas e a linguagem corrente existe desde séculos. Será que a matemática é algo novo? E o que sempre definiu o especialista, o Xamã e o médico não foi o fato de que eles nunca lançaram mão de recursos de entendimento que não fossem compreensíveis para todos? O que podemos ver como um problema moderno extremado é que o especialista já não considera ser tarefa sua traduzir seu saber para a linguagem comum corrente, de modo que essa tarefa de integração hermenêutica seria uma tarefa particular. Mas com isso a tarefa hermenêutica como tal não se modifica em nada. Ou será que com isso Habermas quer dizer apenas que poderíamos “compreender” construções teóricas, como por exemplo no campo da matemática e da ciência natural matemática atual, sem os recursos da linguagem corrente? Isso é indiscutível. Seria absurdo afirmar que toda nossa experiência de mundo não seria nada mais que um processo de linguagem, e que por exemplo o desenvolvimento de nosso senso para as cores consistiria apenas na diferenciação no uso das palavras referidas à cor. E mesmo conhecimentos genéticos, como por exemplo os de Piaget, aos quais se refere Habermas e que tornam provável a existência de um uso de categorias operacionais prévias à linguagem, mas também todas as formas de comunicação desprovidas de linguagem, a cerca das quais chamaram a atenção sobretudo Helmuth Plessner, Michael Polanyi e Hans Kunz, desqualificam qualquer tese que queira negar outras formas de compreensão fora do âmbito da linguagem apelando para uma universalidade da linguagem. Falar é, ao contrário, sua existência comunicada. Mas mesmo na comunicabilidade da compreensão encontra-se embutido o tema da hermenêutica, como reconhece corretamente Habermas (p. 77). Se quisermos evitar uma disputa por palavras, devemos renunciar a muitos rodeios e não supor que os sistemas de signos artificiais devam ser “compreendidos” no mesmo sentido em que nossa interpretação de mundo feita na linguagem é uma interpretação compreensiva. Tampouco se poderá dizer que as ciências naturais formulam seus enunciados sobre “as coisas” sem “observar-se no espelho dos discursos humanos”. Quais são as “coisas” que a ciência natural conhece? A pretensão da hermenêutica é e continua sendo integrar na unidade da interpretação de mundo feita na linguagem o que aparece como incompreensível ou como não “compreensível” para todos, mas apenas para “iniciados”. O fato de a ciência moderna ter desenvolvido suas próprias linguagens, específicas e técnicas, e sistemas artificiais de símbolos, procedendo dentro dos mesmos “monologicamente”, isto é, alcançando a “compreensão” e o “entendimento” à margem de toda comunicação do linguajar corrente, não pode ser levado a sério como uma objeção contra essa pretensão. O próprio Habermas, que faz tal objeção, sabe muito bem que essa “compreensão” e especialização, que constitui também o pathos do engenheiro social moderno e dos especialistas, carece da reflexão que lhe permitiria alcançar responsabilidade social. VERDADE E METODO II OUTROS 19.

Diante disso, a guinada que se deu no século XX e à qual contribuíram decisivamente, a meu ver, Husserl e Heidegger, significou o descobrimento dos limites dessa identidade idealista ou histórico-espiritual entre espírito e história. Nos trabalhos tardios de Husserl aparece a palavra mágica Lebenswelt (mundo da vida), um desses neologismos raros e surpreendentes (a palavra alemã não existia antes de Husserl) que entram na consciência geral sobre a linguagem e trazem à fala alguma verdade ignorada ou esquecida. Assim, a palavra Lebenswelt restabeleceu os laços com certos pressupostos latentes e anteriores a todo conhecimento científico. O programa de uma “hermenêutica da facticidade” de Heidegger, isto é, a confrontação com a incompreensibilidade da própria existência factual, significou sem dúvida uma ruptura com o conceito idealista de hermenêutica. A compreensão e a vontade de compreender são reconhecidas em sua tensão com relação à realidade factual. Tanto a teoria de Husserl sobre o mundo da vida quanto o conceito heideggeriano de hermenêutica da facticidade afirmam a temporalidade e a finitude do ser humano frente à tarefa infinita da compreensão e da verdade. Minha tese propõe que, a partir dessa ótica, o saber não se coloca somente como uma questão de domínio do outro e do estranho. Esse domínio constitui o pathos fundamental da investigação científica da realidade, presente em nossas ciências da natureza (embora quem sabe à base de uma fé na racionalidade da constituição do cosmos). O que afirmo é que o essencial das “ciências do espírito” não é a objetividade, mas a relação prévia com o objeto. E, para essa esfera do saber, eu complementaria o ideal de conhecimento objetivo, implantado pelo ethos da cientificidade, com o ideal de “participação”. Participação nas manifestações essenciais da experiência humana tal como se configuraram na arte e na história. Nas ciências do espírito, esse é o verdadeiro critério para conhecer o conteúdo ou a falta de conteúdo de suas teorias. Procurei demonstrar em meus trabalhos que o modelo do diálogo é decisivo para esclarecer a estrutura dessa forma de participação. Isso porque o diálogo se caracteriza também por não ser o sujeito individual, separado que percebe e afirma, o único a dominar o assunto, mas por alcançarmos participar da verdade e do outro pela partilha. VERDADE E METODO II OUTROS 23.

Mas na verdade não apenas o legado do humanismo estético mas também o legado da antiga scientia practica vem reforçar a problemática da hermenêutica. Essa scientia se destacava como um modo de saber próprio (alio eidos gnoseos) frente ao conceito de ciência da antiga episteme (segundo o que se compreende por ciência hoje, só a matemática pode satisfazer a esse conceito) não só a partir de seu projeto originário na ética e política aristotélicas. Ela possui sua própria legitimidade — esquecida pela consciência geral — também frente ao conceito moderno de ciência e sua versão técnica. É tarefa da hermenêutica refletir inclusive sobre as condições especiais do saber que aqui são decisivas. No conceito de ethos (formado sob a força conformadora dos nomoi, isto é, das instituições sociais e da educação que se dá nessas instituições), Aristóteles resumiu as condições que facilitam o autêntico saber para a vita practica. Isso teve também sua importância no presente, uma vez que os melhores aliados de uma hermenêutica da facticidade foram justamente esses aspectos críticos da filosofia aristotélica contra a teoria platônica das idéias. Mas, além disso, são testemunhos inequívocos de que as condições sociais de nosso saber podem interferir no ideal da ciência sem pressupostos. Assim, também o exame desse ideal da ausência de pressupostos pertence às tarefas de uma reflexão hermenêutica radical. Não se deve esquecer aqui o impulso liberador que expressa o mote de [434] uma ciência sem pressupostos (expressão que tem sua origem na situação de luta cultural, após 1870). Esse impulso anima e sustenta também o movimento do Iluminismo e sua prolongação na ciência moderna. Mas a ingenuidade irresponsável que denota a aplicação desse termo no campo específico das ciências históricas e sociais fica patente não somente no utopismo das conseqüências das ciências sociais e das aplicações concretas derivadas da teoria da ciência do “círculo de Viena”, como também e sobretudo nas graves aporias em que se enredou a teoria neopositivista da ciência com sua doutrina sobre as proposições protocolares. O historicismo ingênuo inspirado na escola de Viena encontrou assim uma resposta adequada na crítica de Karl Popper à teoria da ciência. De modo semelhante, os trabalhos de Horkheimer e Habermas sobre crítica da ideologia puseram a descoberto as implicações ideológicas subjacentes na teoria positivista do conhecimento e sobretudo em seu pathos científico-social. VERDADE E METODO II ANEXOS 28.

Há, porém, um último aspecto que pode servir inclusive para as sciences “verdadeiras”. Muito embora tenhamos que fazer algumas distinções ali. Quando na microfísica moderna não se pode eliminar o observador dos resultados de suas medições e assim ele próprio deve aparecer nos enunciados da mesma, isto tem um sentido muito preciso e que pode ser formulado em expressões matemáticas. Na investigação moderna sobre o comportamento, quando o investigador descobre estruturas que determinam também o seu próprio comportamento a partir da determinação do que herdou historicamente de seus predecessores, isso fará com que [451] aprenda algo também sobre si mesmo. O que só acontece porque está vendo a si mesmo de modo diferente do que via por sua “praxis” e sua autoconsciência, e na medida em que isso não o subjuga a um pathos de glorificação nem de humilhação do homem. Ao contrário, quando, em todos os seus conhecimentos e avaliações, o historiador mantém presente seu próprio ponto de vista, isso não representa uma objeção contra sua cientificidade. Com isso ainda não se decidiu se o historiador, em virtude dessa vinculação com o seu ponto de vista, se enganou ou compreendeu e avaliou mal a tradição, ou se conseguiu trazer à luz o que até então não havia sido observado, justamente porque seu ponto de vista lhe permitiu observar algo análogo na experiência imediata e histórico-tempo-ral. Encontramo-nos aqui em meio a uma problemática hermenêutica. Mas isso ainda não significa que não são meios metodológicos da ciência que servem de referência a alguém para decidir sobre o que é falso ou verdadeiro, para isolar o erro e alcançar o conhecimento. Nas ciências “morais” isso não faz nenhuma diferença em relação às sciences “verdadeiras”. VERDADE E METODO II ANEXOS 29.