Na engenhosa interpretação agostiniana do “Gênesis” reconhecemos um prenúncio daquela interpretação especulativa da linguagem que desenvolvemos na análise estrutural da experiência hermenêutica do mundo, segundo a qual a multiplicidade do que é pensado surge somente a partir da unidade da palavra. Ao mesmo tempo podemos reconhecer que a [488] metafísica da luz faz valer um aspecto do conceito antigo do belo, que pode afirmar seu direito inclusive à margem de sua relação com a metafísica da substância e da referência metafísica do espírito divino infinito. O resultado da nossa análise da posição do belo na filosofia grega clássica é, pois, que, também para nós, esse aspecto da metafísica pode, todavia, adquirir um significado produtivo. O fato de que o ser seja um representar-se, e de que todo compreender seja um acontecer, essa primeira e essa última perspectiva superam o horizonte da metafísica da substância do mesmo modo que o experimentou o conceito da substância ao converter-se nos conceitos da subjetividade e da objetividade científicas. Desse modo, a metafísica do belo não carece de conseqüências para o nosso próprio questionamento. Já não se trata, como se mostrou na tarefa da discussão do século XIX, de justificar pela teoria da ciência a pretensão de verdade da arte e do artístico — ou também a da história e a da metodologia das ciências do espírito. A tarefa que nos é colocada agora é muito mais geral: consiste em fazer valer o pano de fundo ontológico da experiência hermenêutica do mundo. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 3.
Sem dúvida não é fácil para a autoconsciência metodológica da investigação histórica firmar e manter esse aspecto do tema em questão, pois as ciências humanas já estão marcadas pela idéia moderna de ciência. Não obstante a crítica romântica ao racionalismo inerente ao Iluminismo tenha rompido com o predomínio do direito natural, os caminhos da investigação histórica concebem-se como passos rumo a um esclarecimento histórico total do homem a respeito de si próprio, tendo como conseqüência a dissolução dos últimos restos dogmáticos da tradição greco-cristã. O objetivismo histórico que corresponde a esse ideal tira sua força de uma idéia de ciência sustentada no subjetivismo filosófico da modernidade. A preocupação de Droysen foi defender-se contra esse subjetivismo. Todavia, foi somente com a crítica radical ao subjetivismo filosófico iniciada com o Ser e tempo, de Heidegger, que se pôde fundamentar filosoficamente a posição histórico-teológica de Droysen e apresentar no lugar de Dilthey, que se acha bem mais dependente do conceito moderno de ciência, o Conde York von Wartenburg como o verdadeiro interlocutor na herança do luteranismo. A partir do momento em que Heidegger deixa de considerar a historicidade da pre-sença como uma limitação de suas possibilidades de conhecimento e como uma ameaça ao ideal da objetividade científica para enquadrá-la de modo positivo na problemática ontológica, o conceito de compreensão, que a escola histórica havia elevado como método, transformou-se em conceito filosófico universal. Segundo Ser e tempo, a compreensão é o modo de realização da historicidade da própria pre-sença. O seu caráter de porvir, o caráter fundamental de projeto, conveniente à temporalidade da pre-sença, delimita-se pela outra determinação do estar-lançado, pela qual [125] não se designam apenas os limites de uma posse soberana de si mesmo mas abrem-se e determinam-se também as possibilidades positivas que são as nossas. O conceito de autocompreensão, legado em certo sentido pelo idealismo transcendental e ampliado em nossa época por Husserl, em Heidegger adquire pela primeira vez sua verdadeira historicidade, contribuindo assim também para os interesses teológicos na formulação da autocompreensão da fé. Pois o que pode liberar a autocompreensão da fé da falsa pretensão de uma certeza gnóstica de si mesma não é o soberano ser mediado por si mesmo da autoconsciência mas sim a experiência de si mesmo que acontece com cada um, e, do ponto de vista teológico, acontece particularmente no anúncio da pregação. VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 9.
O que é factível não é simplesmente o possível ou, dentro do que é possível, simplesmente o mais vantajoso. Mas toda possível vantagem ou preferência de um sobre o outro mede-se por um determinado critério, que alguém se impõe ou que lhe é imposto. Trata-se do cerne do que na sociedade é válido, das normas que, cristalizadas em convicções políticas e morais, orientam toda educação e [164] autoformação, e mesmo a educação para a objetividade científica. VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 12.
O acirramento da tensão entre verdade e método guiava-se em meus trabalhos por um sentido polêmico. Como reconhece o próprio Descartes, isso acaba fazendo parte de um processo especial de endireitar uma coisa que estava torta, a qual deve ser dobrada na direção contrária. E a coisa estava realmente torta, não tanto a metodologia das ciências, mas sua autoconsciência reflexiva. Parece-me que a historiografia e a hermenêutica pós-hegelianas que tematizei demonstram isso suficientemente. Quando, segundo as pressuposições de E. Betti, se teme que a minha reflexão hermenêutica pudesse representar um desvio da objetividade científica, isso não passa de um mal-entendido ingênuo. Nessa questão tanto [454] Apel, quanto Habermas e os representantes da “racionalidade crítica” parecem acometidos da mesma cegueira. Todos eles desconhecem a intenção reflexiva de minhas análises e conseqüentemente o sentido da aplicação, que tentei apresentar como um momento estrutural de todo compreender. Eles estão tão obcecados e presos pelo metodologismo da teoria da ciência que só conseguem ver regras e sua aplicação. Não percebem que a reflexão sobre a práxis não é técnica. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 29.