Seja qual for o caso, onde Platão supera o nível de discussão do Crátilo, apontando para a sua própria dialética, tampouco encontramos outra relação com a linguagem do que a que já se discutiu a esse nível: ferramenta, cópia e produção, e julgamento da mesma a partir do modelo original, a partir das próprias coisas. Portanto, mesmo quando não reconhece ao âmbito das palavras (onomata) nenhuma função cognitiva autônoma, e precisamente quando exige a superação desse âmbito, retém o horizonte de questionamento em que se coloca a questão da “correctura” dos nomes. Inclusive quando não quer saber de uma correctura natural destes (como no contexto da sétima carta), continua mantendo, como padrão, uma relação de semelhança (omoion): cópia e modelo original continuam sendo para ele o modelo metafísico pelo qual ele pensa toda a relação com o noético. A arte do artesão tão bem quando a do demiurgo divino, a arte do orador tão bem quanto a do dialético filosófico copia no seu médium o verdadeiro ser das ideias. Sempre há uma distância (apexei). ainda que o verdadeiro dialético consiga por si mesmo superar essa distância. O elemento do verdadeiro discurso continua sendo a palavra (onoma e rema), a mesma palavra na qual a verdade se oculta até o irreconhecível e mesmo até sua completa anulação. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 2.
Essa subordinação, que é logos, é pois, muito mais que a mera correspondência de palavras e coisas, tal como, em última análise, estaria correspondendo à teoria eleática do ser e como se pressupõe na teoria da cópia. Precisamente porque a verdade que o logos contém não é a da mera recepção (noein), não é um mero deixar aparecer o ser, mas coloca o ser sempre numa determinada perspectiva, reconhecendo e atribuindo-lhe algo, o portador da verdade, e, consequentemente também de seu contrário, não é a palavra (onoma), mas o logos. Daí segue-se também necessariamente que, a essa estrutura de relações, na qual o logos articula a coisa e precisamente com isso interpreta, lhe é inteiramente secundário seu caráter enunciativo, e, por conseguinte, sua vinculação à linguagem. Compreende-se que o verdadeiro paradigma do noético não é a palavra, mas o número, cuja designação é obviamente pura convenção e cuja “exatidão” consiste em que cada número se define por sua posição na série e é, por consequência, uma pura construção da inteligibilidade, um ens rationes, não no sentido de uma validez ôntica apequenada, mas no de sua perfeita racionalidade. Esse é o verdadeiro resultado a que faz referência o Crátilo, e cujas consequências são tão amplas que determinam, na realidade, todo o pensamento ulterior sobre a linguagem. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 2.
Se o âmbito do logos representa o do noético, na pluralidade de suas subordinações, a palavra se converte, tal como o número, em mero signo de um ser bem definido e, por consequência, conhecido de antemão. Com isso, o questionamento se inverte a partir de seu princípio. Agora já não se pergunta pelo ser ou pelo caráter medial das palavras partindo da coisa, mas sim, partindo do médio da palavra, pergunta-se pelo que e como medeia àquele que a usa. A essência do signo é que tem seu ser na função de seu emprego, e isto de tal modo que sua [417] aptidão consiste unicamente em ser um indicador. Por isso, nessa sua função, tem de se destacar do contexto em que se encontra e em que terá de ser tomado como signo, e justo com isso suspender o seu ser-coisa e embutir-se (desaparecer) no seu significado: é a abstração do próprio indicar. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 2.