Com esse conceito neoplatônico, Tomás procura descrever o caráter processual da palavra interior, tão bem como o mistério da trindade. Desse modo, convalida-se algo que não estava contido na filosofia platônica do logos. O conceito da emanação contém, no neoplatonismo, muito mais do que o que seria o fenômeno físico do fluir como processo de movimento. O que se introduz é, sobretudo, a imagem do manancial. No processo da emanação, aquilo de que algo emana, o um, não é nem despojado nem empequeñecido, pelo fato da emanação. Isso vale também para o nascimento do Filho a partir do Pai, o qual não consome com isso nada de si mesmo, mas assume algo de novo em si. Isso vale também para o surgimento (Hervorgehen) espiritual que se realiza no processo do pensar, do dizer-se. Este surgimento é ao mesmo tempo um perfeito permanecer em si. Se a relação divina de palavra e intelecto pode ser descrita de maneira que a palavra tenha sua origem no intelecto, mas não parcialmente e sim por inteiro (totaliter), do mesmo modo vale para nós que aqui uma palavra surge totaliter de outra, o que significa, porém, que tem sua origem no espírito, tal qual a consequência da conclusão, a partir das premissas (ut conclusio ex principiis). O processo e surgimento do pensar não é, pois, um processo de transformação (motus), não é uma transição da potência ao ato, mas um surgir ut actus ex actu: a palavra não se forma quando se vê concluído o conhecimento, falando em termos escolásticos, uma vez que a informação do intelecto é encerrada pela species, mas é a própria realização do conhecimento. Nessa medida a palavra é simultânea com essa formação (formatio) do intelecto. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 2.
É evidente que essa rememoração não nos faz falta, quando se observa a história da filosofia. Já vimos como no pensamento medieval a relevância teológica do problema linguístico aponta, uma ou outra vez, para a unidade de pensar e falar e traz assim ao primeiro plano um momento que a filosofia grega clássica todavia não tinha pensado assim. O fato de que a palavra seja um processo, em que chega à sua plena expressão a unidade do intencionado — como é pensado na especulação sobre o verbo — é, face à dialética platônica do uno e do múltiplo, algo verdadeiramente novo. Para Platão o logos se movia, ele mesmo, no interior dessa dialética, e não era nada além do que o padecer a dialética das ideias. Nisso não há um verdadeiro “problema da interpretação”, na medida em que os meios da mesma, a palavra e o discurso, estão sendo constantemente superados pelo espírito que pensa. Diferentemente disso, encontramos que na especulação trinitaria o processo das pessoas divinas encerra em si o questionamento neoplatônico sobre o desenvolvimento, isto é, o surgir a partir do uno, com o que se faz justiça, pela primeira vez, ao caráter processual da palavra. Não obstante, o problema da linguagem somente poderia irromper com toda a sua força, quando a mediação escolástica de pensamento cristão e filosofia aristotélica se completasse com um novo momento, que daria uma mudança de rumo positiva à distinção entre o pensamento divino e humano, mudança que alcançaria na idade moderna a maior significação. É o comum do criacional. E, na minha opinião, é esse o conceito que caracteriza mais adequadamente a posição de Nicolau de Cusa, que nos últimos tempos está sendo estudada tão intensamente. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 2.
Trata-se pois da metafísica platônico-neoplatônica da luz, com a qual se vincula a doutrina cristã da palavra, do verbum creans, a que antes nos dedicamos detidamente. E se designamos a estrutura ontológica do belo como o aparecer, em virtude do qual as coisas se mostram em sua medida e em seu contorno, isso vale na mesma medida para o âmbito inteligível. A luz que faz com que tudo apareça de maneira que seja luminoso e compreensível em si mesmo, é a luz da palavra. Em consequência, a metafísica da luz é o fundamento da estreita relação entre o aparecer do belo e a evidência do compreensível . Foi justamente essa relação que orientou nosso questionamento hermenêutico. Gostaria de recordar, nesse ponto, como a análise do ser da obra de arte nos tinha conduzido ao questionamento da hermenêutica, e como esta tinha se ampliado até converter-se num questionamento universal. Isso tudo deu-se sem qualquer consideração paralela da metafísica da luz. Se considerarmos agora o parentesco desta, com nosso questionamento, ajudar-nos-á o fato de que a estrutura da luz pode ser separada, evidentemente, da representação metafísica de uma fonte luminosa sensório-espiritual, ao estilo do pensamento neoplatônico cristão. Isso já pode ser apreciado na interpretação dogmática do relato da criação, em Santo Agostinho. Este observa que a luz foi criada antes da distinção das coisas e da criação dos corpos celestes que a emitem. Ele põe uma ênfase especial no fato de que a criação inicial do céu e da terra tem lugar ainda sem a palavra divina. Deus só fala pela primeira vez ao criar a luz. E esse falar, pelo qual se nomeia e se cria a luz, é interpretado por ele como um vir à luz espiritual, que tornará possível a diferença entre as coisas formadas. Só pela luz a massa informe e primeira do céu e da terra adquire a capacidade de configurar-se em muitas formas diferentes. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 3.
Jaeger afirma que Dannhauer adere desse modo à teoria mais recente sobre a Analítica que dominava o aristotelismo da época e que se conhece como methodus resolutiva (51s). Sobre isso, teremos algo mais para aprender quando apresentar sua anunciada obra maior. Pelo que me parece, esse método é uma continuação livre do sincretismo da Antiguidade tardia da lógica aristotélica e da dialética platônica sobre a qual Aristóteles apresenta apenas algumas amostras escassas: Aristóteles refere-se sempre ao conceito geométrico de analyein, tanto ao transformar o procedimento dedutivo e demonstrativo num tema da lógica como ao aplicá-lo à estrutura da reflexão prática (busca dos meios para o fim). Isso não deveria ser obscurecido pela referência de Jaeger ao uso neoplatônico da Analítica como via de acesso aos princípios (52). O recurso a essa analítica torna-se determinante para o programa hermenêutico de Dannhauer. Na verdade, esse considerou o escrito aristotélico Peri hermeneias como um procedimento de síntese (reunião das partes do discurso). A essa lógica sintética do enunciado justapõe a hermenêutica como um trabalho analítico. Pois bem, essa ampliação da analítica aristotélica tem uma importante consequência. Como a doutrina do raciocínio formal garante unicamente a dedução imanente e não a retidão objetiva, também a hermenêutica, em Dannhauer, pretende descobrir o reto sentido de um enunciado e não o sentido de um enunciado correto. Não busca uma derivação do enunciado partindo de princípios. Dannhauer é muito radical nisso, e Jaeger mostra que desse modo segue uma antiga doutrina medieval sobre a distinção entre sensus e sententia (56). Outros, ao contrário, reconheceram na hermenêutica um caminho próprio, embora indireto e subordinado, para o conhecimento da verdade. Tal foi ainda a concepção de Kerckermann (1614), que [294] fala por isso de uma clavis intelligentiae (71s). VERDADE E MÉTODO II OUTROS 21.
Na segunda metade do século XVIII, a subjetivação do conceito de expressão já se encontra bem adiantada. Quando polemiza, por exemplo, com o jovem Riccoboni, que considera que a arte do ator está na representação e não na sensação, Sulzer já supõe que a autenticidade do sentir é obrigatória na representação estética. Desse modo complementa também a expressio da música através de uma cimentação psicológica do sentir do compositor. Encontramo-nos aqui no ponto de passagem da tradição retórica para a psicologia da vivência. Nesse sentido, o aprofundamento na essência da expressão e em especial da expressão estética, mantém, em última instância, uma referência sempre nova com o contexto metafísico de cunho neoplatônico. Isso porque a expressão nunca é um mero signo que nos remete a um outro, a algo interior; na expressão, ao contrário, está presente aquilo mesmo que é expresso, por exemplo, a raiva está no semblante raivoso. O moderno diagnóstico expressivo sabe disto muito bem, mas o próprio Aristóteles já sabia disso. Faz parte, evidentemente, do modo de ser do vivente, que um esteja presente no outro. Isso foi reconhecido de modo especial também pelo uso que a filosofia faz da linguagem, quando Spinoza reconhece um conceito ontológico fundamental nos termos exprimere e expressio, e quando, apoiando-se nele, Hegel vê a realidade própria do espírito no sentido objetivo da expressão como representação, exteriorização. Hegel apoia sua crítica ao subjetivismo da reflexão sobre esse fato. De modo semelhante pensam também Hölderlin e seu amigo Sinclair, em quem o conceito de expressão ocupa uma posição central. A linguagem como produto da reflexão criadora, que confere seu ser à poesia, é “expressão de um todo vivo, porém específico”. O significado dessa teoria da expressão foi evidentemente deslocado pela subjetivação e psicologização do século XIX. Na verdade, tanto em Hölderlin como em Hegel a tradição retórica é muito mais determinante. No século XVIII, expressão (Ausdruck) assume o lugar de cunhagem (Ausdrückung), e refere-se àquela forma que permanece quando se estampa um selo ou algo do gênero. O contexto dessa imagem fica claro a partir da citação de uma passagem de Géllert , que diz: “nossa língua não é capaz de exprimir certas belezas, assemelhando-se a uma cera quebradiça, que muitas vezes estala e se quebra quando se quer imprimir-lhe as imagens do espírito”. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS EXCURSO VI