Essas considerações ampliam sem dúvida o significado da experiência da distância. No entanto, permanecem sempre ainda no contexto argumentativo de uma teoria das ciências do espírito. A verdadeira motivação de minha filosofia hermenêutica foi, ao contrário, uma outra. Estava familiarizado com a crise do idealismo subjetivo, que irrompeu na minha juventude com a retomada da crítica de Kierkegaard a Hegel. Essa imprimiu uma direção totalmente diversa ao sentido do que é compreender. Ali está o outro que rompe com a centralidade do meu eu, à medida que me dá a entender algo. Esta motivação orientou-me desde o princípio. Aflorou plenamente no meu trabalho de 1943, que apresento de novo neste volume. Quando Heidegger tomou conhecimento desse meu pequeno trabalho, mostrou-se logo favorável, embora o tenha imediatamente questionado: “E o que houve com o estar-lançado (Ge-worfenheit)?” O sentido da réplica de Heidegger foi certamente o fato de que no conceito reunitivo “estar-lançado” se estabelece uma instância contraposta ao ideal de uma posse de si e de uma autoconsciência plenas. Tinha em mente, no entanto, o fenômeno específico do outro e buscava consequentemente no diálogo a fundamentação de nossa orientação no mundo pelo elemento da linguagem. Com isso abriu-se para mim um âmbito de questões que já eram do meu interesse desde os primórdios, desde Kierkegaard, Gogarten, Theodor Haecker, Friedrich Ebner, Franz Rosenzweig, Martin Buber e Viktor von Weizsäcker. VERDADE E MÉTODO II Introdução 1.
Assim, os aspectos retórico e hermenêutico da estrutura da linguagem humana encontram-se perfeitamente compenetrados. Não haveria oradores nem retórica se o entendimento e o consenso não sustentassem as relações humanas; não haveria nenhuma tarefa hermenêutica se não fosse rompido o consenso daqueles que “são um diálogo” e não se precisasse buscar o entendimento. A combinação com a retórica, portanto, possibilita dissolver a aparência de que a hermenêutica estaria restrita à tradição estético-humanista, como se a filosofia hermenêutica estivesse às voltas com um mundo do “sentido” contraposto ao mundo do “real”, que está se ampliando na “tradição cultural”. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 18.
No âmbito dessa tensão, produzem-se as mais peculiares mudanças de acento. Segundo a filosofia hermenêutica, a teoria de Heidegger sobre a superação da metafísica que desemboca do esquecimento total do ser durante a era tecnológica, passa ao largo da permanente resistência e tenacidade das unidades da vida, que continuam existindo nos pequenos e grandes grupos de coexistência inter-humana. Segundo o desconstrutivismo, ao contrário, quando Heidegger pergunta pelo sentido do ser falta-lhe radicalidade extrema. Com isso, ele se atém a um sentido interrogativo que, de certo modo, não pode obter nenhuma resposta razoável. À pergunta pelo sentido do ser, Derrida opõe a diferença primária. Ele considera Nietzsche como uma figura muito mais radical frente à pretensão metafisicamente mediana do pensamento heideggeriano. Heidegger estaria ainda situado na linha do logocentrismo, ao que ele contrapõe o lema do sentido que está em constante desconexão e deslocamento que desfaz toda reunião em unidade, e que ele chama de écriture. Fica claro que Nietzsche representa aqui o ponto crítico. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 25.
Ora, a objeção mais grave que se fez contra o meu esboço de uma filosofia hermenêutica foi a de que eu extraio o significado fundamental do entendimento presumivelmente a partir da vinculação que a linguagem tem com toda compreensão e todo acordo, legitimando assim um preconceito social em favor das relações vigentes. Pois bem, creio que está realmente correto e continua sendo uma ideia real o fato de que só se pode alcançar o acordo sobre a base de um entendimento originário e que a tarefa da compreensão e da interpretação não pode ser descrita como se a hermenêutica tivesse de superar a rasa incompreensibilidade de um texto herdado da tradição, ou que sua tarefa primeira fosse superar o engano produzido pelo mal-entendido. Isso não me parece correto nem no sentido da hermenêutica ocasional dos tempos primitivos, que não refletia sobre suas outras pressuposições, nem tampouco no sentido de Schleiermacher e da ruptura romântica com a tradição, para a qual o primeiro elemento de todo compreender é o mal-entendido. Todo acordo na linguagem não apenas pressupõe um entendimento sobre os significados da palavra e sobre as regras da língua falada. Em tudo que se pode discutir com sentido há, ao contrário, muitos elementos que permanecem incontestados, também com referência a “coisas”. A minha insistência nesse ponto pareceria testemunhar uma tendência conservadora, desautorizando assim a tarefa crítico-emancipatória da reflexão hermenêutica. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 29.
Não é supérfluo, infelizmente, formular essa pergunta. Isso porque muitos viram e continuam vendo nessa filosofia hermenêutica uma negação da racionalidade metodológica. Sobretudo desde que a hermenêutica tornou-se uma palavra de moda e passou a chamar-se de “hermenêutica” a qualquer interpretação, muitos outros abusam do termo e da questão em causa ali, invertendo o sentido em que utilizei o termo. Vêem na hermenêutica uma nova metodologia, na qual buscam legitimar sua própria falta de clareza (495) metodológica ou algum disfarce ideológico. Muitos outros, pertencentes ao grupo da crítica da ideologia, reconhecem sua verdade, mas apenas em parte. É belo e bonito — pensam — que se valorize a tradição em sua significação antecipadora, mas falta o decisivo: a reflexão crítica e emancipatória que liberta da tradição. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 30.