No final da nossa análise conceitual da “vivência” tornar-se-á claro que afinidade há entre a estrutura da vivência como tal e o modo de ser do estético. A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA não é apenas uma espécie de vivência ao lado de outras, mas representa a forma de ser da própria vivência. Com a obra de arte, como tal, é um mundo para si, assim o vivenciado esteticamente, como vivência, distancia-se de todas as correlações com a realidade. Parece, por assim dizer, que a determinação da obra de arte é a de se tornar uma vivência estética; ou seja, que arranque a um golpe aquele que a vive, do conjunto de sua vida, por força da obra de arte e que, não obstante, volte a referi-lo ao todo de sua existência. Na vivência da arte há presente uma pletora de significados que não somente pertence a este conteúdo específico ou a esse objeto, mas que, antes, representa o todo do sentido da vida. Uma vivência estética contém sempre a experiência de um todo infinito. E seu significado é infinito justamente porque não se conecta com outras coisas para a unidade de um processo aberto de experiência, já que representa o todo imediatamente. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Mas aqui surge a indagação: como é que o conceito do símbolo, assim entendido, nessa forma a nós familiar, se tornou um contra-conceito da alegoria. Sobre isso, e assim de início, nada se encontra em Schiller, mesmo que ele compartilhe da crítica da alegoria fria e artificial, que fizeram Klopstock, Lessing, o jovem Goethe, Karl-Philipp Moritz e outros, que outrora se voltaram contra Winckelmann. Apenas no intercâmbio entre Schiller e Goethe começa a se delinear uma nova cunhagem do conceito do símbolo. Na conhecida carta de 17.08.97, Goethe descreve o estado de ânimo sentimental, a que o levaram as impressões que tivera de Frankfurt, e fala dos objetos que evocam um tal efeito, dizendo: “Na verdade, eles são simbólicos, isto é, como eu quase não preciso dizê-lo, são casos eminentes, que numa variedade característica se apresentam como representantes de muitos outros e englobam uma certa totalidade…” Ele dá importância a essa experiência porque deve ajudá-lo a escapar “à hidra de mil formas do empirismo”. Schiller apoia-o nisso e acha que essa forma de percepção sentimental está inteiramente em concordância com o que “já fixamos entre nós”. No entanto, para Goethe não se trata, tanto, “de uma EXPERIÊNCIA ESTÉTICA, como de uma experiência da realidade”, para a qual ele atrai, ao que parece, segundo o uso linguístico do antigo protestantismo, o conceito do simbólico. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
No fundo, temos de agradecer, antes de mais nada, à crítica fenomenológica aplicada à psicologia e à teoria do conhecimento do século XIX a liberação dos conceitos que impediam uma adequada compreensão do ser estético. Foi isso que demonstrou que nos enganamos em todas as tentativas de se pensar o modo de ser do estético, a partir do ponto de vista da experiência da realidade e de entendê-lo como uma modificação da mesma. Todos esses conceitos, como imitação, aparência, desrealização, ilusão, magia, sonho pressupõem uma relação com um ser verdadeiro, do qual se diferencia o ser estético. No entanto, o retorno fenomenológico à EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ensina que esta não pensa, de forma alguma, com base nessa relação, mas, antes, naquilo que ela experimenta, vê a genuína verdade. A isso corresponde o fato de que a EXPERIÊNCIA ESTÉTICA, por sua natureza, não pode ser enganada por uma experiência genuína da realidade. Ao contrário disso, o que caracteriza todas as modificações da experiência da realidade, citadas acima, é que a estas corresponde, por necessidade de sua natureza, uma experiência de engano. O que era aparente, se desvenda, o que foi desbalizado, torna-se real, o que era magia, perde sua magia, o que era ilusão, abre-se à vista, o que era sonho, disso nós despertamos. Se a estética fosse aparência, nesse sentido, sua validade poderia então — tal como os horrores do sonho — somente exercer seu domínio enquanto não se duvidasse da realidade do fenômeno, já que iria perder sua verdade ao despertarmos. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Não obstante, se se quisesse tentar uma autodeterminação da existência estética, que construísse a mesma coisa fora da continuidade hermenêutica da existência humana, ignorar-se-ia, pelo que acredito, o direito da crítica feita por Kierkegaard. Mesmo que se possa reconhecer que no fenômeno estético são visíveis os limites da auto-evidência histórica da existência (Dasein), limites que correspondem aos apresentados pelo que é [102] natural, o qual, colocado também no espírito como sua condição, penetra no que é espiritual nas mais diversas formas, como mito, como sonho, como pré-formação da vida consciente. Mesmo assim não nos é dado nenhum posto que nos permita ver a partir de si próprio o que assim nos limita e condiciona e, a partir de fora, ver-nos como os assim limitados e condicionados. Inclusive aquilo que está fechado à nossa compreensão é experimentado por nós mesmos como algo que limita e pertence, assim, à continuidade da auto-evidência, na qual a existência humana se movimenta. Com o reconhecimento da “debilidade do belo e da eventualidade do artista” não se caracteriza, na verdade, uma estruturação de ser fora da “fenomenologia hermenêutica” da existência, mas antes, se formula a tarefa de preservar a continuidade hermenêutica que perfaz o nosso ser, em face de tal descontinuidade do ser estético e da EXPERIÊNCIA ESTÉTICA. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
O panteão da arte não é uma atualidade independente do tempo, que se apresenta à pura consciência estética, mas o fato de um espírito histórico que se concentra e se congrega. Também a EXPERIÊNCIA ESTÉTICA é uma forma de compreender-se. Todo compreender-se se completa, porém, em algo diferente do que aí se compreende, e inclui a unidade e a mesmidade desse diferente. Uma vez que encontramos no mundo a obra de arte e em cada obra de arte individual um mundo, este não continua a ser um universo estranho em que, por encantamento, estamos à mercê do tempo e do momento. Nele, mais do que isso, aprendemos a nos compreender, e isso significa que suspendemos a descontinuidade e a pontualidade da vivência na continuidade da nossa existência. O que importa, por isso, é chegar a um ponto de partida, com relação ao belo e à arte que não pretenda a imediaticidade, mas que corresponda à realidade histórica do homem. A invocação à imediaticidade, ao que for genial no momento, ao significado da “vivência”, não poderá resistir à reivindicação da existência humana à continuidade e à unidade do que é auto-evidente. A experiência da arte não poderá ser comprimida no descomprometimento da consciência estética. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Essa visão negativa significa positivamente: a arte é conhecimento e a experiência da obra de arte torna esse conhecimento partilhável. Com isso se coloca a pergunta de como se poderá fazer jus à verdade da EXPERIÊNCIA ESTÉTICA e de como suplantar a radical subjetivação do estético, que teve início com a “Crítica do juízo estético” de Kant. Já mostramos que foi uma abstração metódica, tendo por finalidade um trabalho de fundamentação bem determinado e transcendental, que levou Kant a vincular o juízo estético inteiramente ao estado do sujeito. Se, em seguida, essa abstração estética foi entendida do ponto de vista do conteúdo, e foi transformada na exigência de compreender a arte “meramente do ponto de vista estético”, vemos agora como essa exigência de abstração para a experiência real da arte depara-se com uma contradição insolúvel. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
No início demos apenas um primeiro passo nessa direção ao procurar corrigir a auto-interpretação da consciência estética e ao renovarmos a indagação com respeito à verdade da arte, a favor da qual a EXPERIÊNCIA ESTÉTICA representa um testemunho. O que nos importa, portanto, é ver a experiência da arte de tal maneira que venha a ser entendida como experiência. A experiência da arte não deve ser falsificada como um fragmento da formação estética que está na sua posse e, com isso, não deve ter neutralizada sua reivindicação própria. Veremos que nisso reside uma consequência hermenêutica de longo alcance, na medida em que todo encontro com a linguagem da arte é um encontro com um acontecimento não acabado e, ela mesma, uma parte desse acontecimento. É a isso que se tem de pôr em relevo contra a consciência estética e contra a sua neutralização da questão da verdade. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Também não estou convencido de que a “EXPERIÊNCIA ESTÉTICA“, que Jauss tenta fazer valer, satisfaça à experiência da arte. Este era exatamente o ponto nuclear do meu conceito de “indistinção estética”, segundo a qual a EXPERIÊNCIA ESTÉTICA não pode ser isolada, de tal forma que a arte se torne um mero objeto de fruição. O mesmo ocorre, segundo me parece, com a “recusa” de Jauss da fusão de horizontes. Eu próprio sublinhei em minha análise que a distinção do horizonte representa um momento integral no processo de investigação hermenêutica. A reflexão hermenêutica ensina, no entanto, que jamais se consegue realizar plenamente essa tarefa, por razões essenciais, e que isto não demonstra a debilidade de nossa experiência. A investigação da recepção não pode querer liberar-se das implicações hermenêuticas, contidas em toda interpretação. VERDADE E METODO II Introdução 1.