Face a isso, Hegel oferece uma possibilidade diferente, isto é, de compensar entre si o ganho e a perda da empresa hermenêutica. Hegel tem a mais clara consciência da importância de qualquer restauração, quando ele, com relação ao ocaso da vida antiga e de sua “religião da arte”, escreve: “As obras da musa são agora, o que são para nós — belos frutos arrancados da árvore; um destino amável nô-los ofereceu, como uma jovem [173] presenteia aqueles frutos; não existe a vida real de sua existência, não existe a árvore que os produziu, não há a terra nem os elementos que perfizeram sua sustância, nem o clima que perfez sua determinação, nem a mudança das estações que dominavam o processo de seu devir. Assim, com as obras daquela arte, o destino não nos dá seu mundo, nem a primavera ou o verão da vida moral em que floresceram e maduraram, mas apenas a lembrança velada daquela realidade”. E, ao comportamento das gerações posteriores com respeito às obras de arte transmitidas, denomina ele de um “labor exterior”, “que talvez retire uma gota de chuva ou um pozinho desses frutos, e que em lugar dos elementos interiores da realidade do ético, que os rodeava, que os produziu e lhes deu alma, erige o aparato prolixo dos elementos mortos de sua existência externa, da linguagem, do histórico etc, não para adentrá-los, experimentando-lhe a vida, mas somente para imaginá-los”. O que Hegel descreve aqui é exatamente o que compreende a exigência de Schleiermacher de uma conservação histórica, mas que em Hegel traz, desde o princípio, um acento negativo. A investigação do ocasional, que complementa o significado das obras de arte, não está em condições de reconstruir a este. Continuam sendo frutos arrancados da árvore. Fazendo-os retornar ao seu contexto histórico, não se adquire nenhuma relação vital com eles, mas apenas uma relação imaginativa. Hegel não contesta, com isso, a legitimidade de adotar um tal comportamento histórico ante a arte do passado. O que faz é expressar o princípio da investigação da história da arte, que, como todo comportamento “histórico”, não é, aos olhos de Hegel, mais que um labor externo. 929 VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Essa exigência fundamental deve ser pensada como a radicalização de um procedimento que, na verdade, estamos constantemente empregando. Aqui não cabe a restrição, segundo a qual ao ouvir alguém ou fazer uma leitura não podemos ter nenhuma opinião prévia em relação ao conteúdo, devendo esquecer todas as opiniões próprias. Ao contrário, quando se abre espaço para a opinião do outro ou do texto, isso sempre já pressupõe a relação dessa opinião com o conjunto das opiniões próprias e vice-versa. É verdade que as opiniões representam a movimentação de uma multiplicidade de possibilidades. Dentro dessa multiplicidade do passível de opinião, isto é, dentro daquilo que um leitor pode encontrar e esperar encontrar de significativo, nem tudo é possível, e todo aquele que não leva em conta o que o outro realmente diz acabará por não poder integrá-lo à própria expectativa múltipla de sentido. Dessa forma, há aqui também um critério. A tarefa hermenêutica transforma-se assim, espontaneamente, num questionamento voltado para as coisas elas mesmas que sempre a codetermina. Com isso, a empresa hermenêutica alcança uma base sólida. Quem quiser compreender não pode de antemão abandonar-se cegamente à casualidade das próprias opiniões, para em consequência e de maneira cada vez mais obstinada não dar ouvidos à opinião do texto, até que esta opinião não mais se deixe ouvir, impedindo a compreensão presumida. Quem quiser compreender um texto está, ao contrário, disposto a deixar que ele diga alguma coisa. Por isso, uma consciência formada hermeneuticamente deve ser de antemão receptiva à alteridade do texto. Essa receptividade não pressupõe, no [61] entanto, uma “neutralidade” quanto à coisa, nem um anulamento de si mesmo, incluindo a apropriação seletiva das próprias opiniões e preconceitos. Há que se ter consciência dos próprios pressupostos a fim de que o texto se apresente a si mesmo em sua alteridade, de modo a possibilitar o exercício de sua verdade objetiva contra a opinião própria. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 5.