Na minha opinião, foi isso que marcou a orientação do debate hermenêutico mais recente. A própria fé nessa história deve ser compreendida como um acontecimento histórico, como um apelo (406) da palavra de Deus. Isso vale já para a relação do Antigo com o Novo Testamento. Também pode ser compreendido (segundo Hofmann, por exemplo) como a relação existente entre a profecia e sua realização, de modo que a própria profecia que fracassa historicamente só pode ser determinada em seu sentido a partir de sua realização. A compreensão histórica das profecias vétero-testamentárias não prejudica em nada o sentido do anúncio que elas recebem a partir do Novo Testamento. Ao contrário, o acontecimento salvífico anunciado no Novo Testamento só pode ser compreendido como um acontecimento verdadeiro quando sua profecia não é uma mera “reprodução do fato futuro”. É importante salientar sobretudo que o conceito de autocompreensão da fé, o conceito fundamental da teologia bultmanniana, possui um sentido histórico (e não idealístico). VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 27.
Tampouco a fundamentação do conceito de consciência em uma rigorosa fenomenologia da temporalidade, como a que persegue Husserl no esforço de toda sua vida, transcende esse conceito grego de presença. Daí, o problema da linguagem não alcançar no pensamento da tradição o lugar central que hoje lhe outorgamos. Nem Hegel nem Husserl abordaram expressamente esse problema, e mesmo as fundamentações modernas do conhecimento com os recursos da semântica e de uma semiótica universal não conferem o lugar central que deve ser atribuído ao acontecimento da linguagem como tal. O debate hermenêutico moderno colocou o fenômeno do diálogo no centro das discussões, porque a linguagem só se dá, se forma, se amplia e atua no diálogo. Em todo caso, o fenômeno da compreensão sustenta-se no caráter de linguagem desse processo, sem implicar por isso a unilateralidade da teoria psicológica da interpretação de Schleiermacher. A dimensão hermenêutica permanece caracterizada, antes, justamente pelo caráter escrito de todo fenômeno de linguagem. Se há um modelo que pode ilustrar realmente as tensões presentes na compreensão, esse é o modelo da tradução. Na tradução apropria-se o estranho enquanto tal, o que não significa deixá-lo estar como estranho nem incorporá-lo na própria língua pela mera reprodução de seu caráter estranho. Nela fundem-se, antes, os horizontes do passado e do presente num constante movimento, como o que constitui a essência da compreensão. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 28.