Aqui vem à tona o mais próprio de Kant. Não é, de forma alguma, como seria de esperar, a arte, devido à qual Kant vai além “do prazer desinteressado” e indaga do interesse pelo belo. Tínhamos, a partir da doutrina do ideal da beleza, descoberto apenas uma vantagem da arte com relação ao belo natural: a vantagem de ser linguagem imediata da expressão do ético. Kant, ao contrário, acentua de início (no parágrafo 42) a vantagem do belo natural com relação ao belo artístico. A beleza natural não possui uma vantagem somente para o juízo estético puro, ou seja, o de tornar claro que o belo repousa, afinal, na finalidade da coisa imaginada para nossa capacidade de compreensão como tal. Isso se torna tão nítido no belo natural, porque não possui nenhum significado, quanto ao conteúdo, que mostre o juízo de gosto em sua pureza não-intelectualizada. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Nosso tema é a hermenêutica, e a relação com a retórica é primordial para ela. Embora não soubéssemos que a hermenêutica moderna se desenvolveu como uma espécie de construção paralela à retórica, junto com a recuperação do aristotelismo por Melanchton, o problema da retórica no âmbito de uma teoria da ciência deveria constituir-se no ponto de orientação concreto. A capacidade de linguagem e a capacidade de compreensão possuem obviamente a mesma amplitude e universalidade. Podemos falar sobre tudo, e o que alguém diz deve, de princípio, poder ser compreendido. A retórica e a hermenêutica têm aqui uma relação muito estreita. O domínio técnico dessa capacidade de falar e de compreender se manifesta plenamente no uso da escrita, na redação de “discursos” e na compreensão do escrito. A hermenêutica pode ser definida justamente como a arte de trazer novamente à fala o dito ou o escrito. A retórica pode nos ensinar de que “arte” se trata aqui. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 22.
[330] Os problemas da hermenêutica tiveram sua origem primeira em certas ciências individuais, especialmente a teologia e a jurisprudência, e por fim ganharam impulso também através das ciências históricas. Mas o próprio romantismo alemão já vira com profundidade que a compreensão e a interpretação não aparecem apenas em manifestações da vida fixadas por escrito, como dissera Dilthey, mas atingem o relacionamento geral dos seres humanos entre si e com o mundo. É o que podemos constatar inclusive em certas palavras derivadas, como a palavra compreensão (Verständnis). Em língua alemã, Compreender (Verstehen) significa também “entender algo”. A capacidade de compreensão é a faculdade fundamental da pessoa, que caracteriza sua convivência com os demais, atuando sobretudo pela via da linguagem e do diálogo. Nesse sentido, a pretensão de universalidade da hermenêutica está garantida. Por outro lado, o caráter de linguagem do processo de entendimento que se produz entre as pessoas representa uma barreira intransponível que o romantismo alemão valorizou em princípio positivamente em seu significado metafísico. A barreira aparece formulada na frase individuum est ineffabile. A frase expressa uma limitação da ontologia antiga (e não somente do período medieval). Mas para a consciência romântica isso significa que a linguagem nunca alcança o mistério último e indecifrável da pessoa individual. Essa ideia foi muito bem expressa pelo sentimento vital da época romântica, sugerindo uma autonomia da expressão de linguagem que não constitui somente seu limite, mas também sua relevância para a formação do common sense que une os seres humanos. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 24.