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Heidegger and Aquinas

Caputo: esse-ens e ser-ente

An Essay On Overcoming Metaphysics

quarta-feira 15 de janeiro de 2020, por Cardoso de Castro

CAPUTO  , John. Heidegger and Aquinas : An Essay On Overcoming Metaphysics. New York: Fordham University Press, 1998, p. 2-4

nossa tradução

Do ponto de vista de São Tomás, o trabalho de Gilson é especialmente pertinente, pois ele defende a tese tomista sobre o ser historicamente. Com uma rara combinação de erudição histórica e insight filosófico (FS2 194), Gilson interpreta a história da metafísica como uma série de concepções mais ou menos distorcidas do que o ser significa, de várias tentativas de substituir algo diferente do ser por ser. Repetidamente, Gilson pensa, os metafísicos sucumbem à inclinação de reduzir o ser às proporções da razão conceitual. A história da metafísica é uma tentativa sustentada de tornar o ser algo concebível e definível. No platonismo, o ser é reduzido à unidade e, no aristotelismo, à substância; e na longa tradição de Avicena a Hegel  , o ser se torna essência. É apenas em Tomás que o ser é tomado precisamente como ser, em toda a sua primordialidade como ser. Somente Tomás tem a tenacidade de permanecer puramente no "elemento do ser", como Heidegger disse uma vez (Weg  . 316/196), e de pensar o ser em termos do ato existencial que é esse, a actualitas omnium rerum, o perfectissimum omnium (ST, I, 4, l, ad 3).

No entanto, é exatamente isso que Heidegger mantém sobre o "pensamento do ser". O que significa ser, diz Heidegger, caiu em negligência ou esquecimento (Seinsvergessenheit), precisamente porque a diferença entre ser e entes foi ocultada. O ser é em toda parte reduzido às proporções de algo sedutor, de um ente ou outro. Na metafísica, o ser é considerado como ουσία, Gegenstand, Begriff, Wille e também como actus, actualitas. Em todo caso, o próprio ser é caracterizado em termos de uma região de seres. Somente o pensamento do ser (Seinsdenken) praticado por Heidegger resiste a essa tendência e medita o ser tão simples quanto a pura emergência na presença pela qual o ser se mostra de si mesmo.

Mas como se pode incluir a metafísica de esse na história de um esquecimento do ser? Que sentido possível pode haver ao se falar de uma filosofia cujo foco é todo o ato-de-ser existencial, o próprio ato em virtude do qual uma coisa é ao invés de não ser, como algo esquecido do ser? É difícil imaginar o esquecimento aqui, onde tudo se volta para a doutrina do esse. De fato, no cume desta doutrina está a noção de Deus, não como "um" ser, mas como um Ser subsistente, ipsum esse subsistens. Longe de esquecer o ser, tudo na metafísica existencial está focado nele.

Agora, é minha opinião que uma metafísica "existencial" no sentido tomístico, no sentido de uma filosofia que dá primazia ao ato da existência, não fica fora do escopo do que Heidegger quer dizer com o esquecimento do ser, que o "essencialismo" criticado por Gilson e o "esquecimento do ser" não são os mesmos. Não importa qual princípio ganhe a primazia, a compreensão do ser em termos de essência e existência pertence ao esquecimento no sentido heideggeriano. Não se pode extrair a metafísica de São Tomás dessa acusação, na minha opinião não se alguém domina o significado totalmente radical da crítica de Heidegger, não se alguém vai fundo no entendimento do que ele quer dizer. A resposta usual à crítica de Heidegger, feita pelos seguidores de São Tomás, me parece muito fácil; subestima a radicalidade das críticas de Heidegger.

Pois, à medida que seu pensamento se desenvolvia, Heidegger deixou de dizer que o problema da metafísica é que ela se preocupa com os entes, negligenciando o ser. Essa é uma maneira enganosa de colocar isso, que não chega ao cerne da questão. Pois Heidegger finalmente chegou à conclusão de que a palavra "ser" pertence aos metafísicos e que não podia mais servir ao que ele queria pensar, para que o assunto genuíno fosse pensado. "Ser" tem sido objeto de todo relato metafísico ou, como ele diz, "ontológico" de entes, de Platão   a Nietzsche  . A verdadeira preocupação do pensamento não é o ser dos metafísicos, mas o que concede o ser como objeto da metafísica. Não é a distinção entre ser e entes que diz respeito a Heidegger, mas a que abre essa distinção em toda e qualquer época metafísica. Toda metafísica se move dentro da distinção entre ser e entes, e em cada caso o ser é pensado como algum tipo de fundamento ou causa dos entes. Isto é claramente verdadeiro para a metafísica de São Tomás, centrada na distinção entre puro ser subsistente, esse subsistens e entes finitos, ens participatum. Os entes finitos participam e dependem do próprio ser, enquanto o ser, como ser subsistente que é Deus, se comunica com os entes.

Portanto, se não há esquecimento do "ser" aqui, há um esquecimento da di-ferença que abre a diferença entre ser e entes, entre esse e ens, dentro do qual Santo Tomás pensa. O assunto real a ser pensado, na visão de Heidegger, é essa diferença, que ele chama em alemão Unter-Schied (literalmente: a inter-seção), que concede a Tomás a possibilidade de pensar em termos de esse e ens. A questão a ser pensada também é chamada por Heidegger Ereignis, o Evento de Apropriação, o evento que envia o ser ao pensamento e torna possível a história da metafísica. Ereignis não significa ser, mas aquilo que concede o ser. Não dizemos que o ser "é’’, mas que "há / es gibt" ser, e o Ereignis é o "Isso" que dá o ser ao pensamento. A história da metafísica é a história das várias maneiras pelas quais os metafísicos nomearam o ser, deixando o "Isso", que dá ser, impensado. É a história de diversas dispensações do ser (Seinsgeschick), nas quais o ser é enviado enquanto o próprio Isso fica para trás.

O ponto essencial do ponto de vista de Heidegger não deve ser absorvido por nenhuma dessas dispensações épicas do ser, não deve ser submetido ao quadro metafísico que domina uma determinada época. O essencial é pensar no em se remetendo e não ser tomado pelo que é remetido, pensar no em se dando e não se perder no dado. Toda metafísica faz uso da diferença entre ser e entes, mas a metafísica nunca tematiza o diferenciação na diferença, aquele que abre a diferença. A metafísica pensa nos diferentes ser e entes, mas não n diferença enquanto tal. Platão   pensa na diferença entre ειδος e indivíduo; Aristóteles  , entre a primeira e a segunda ουσία; Tomás, entre esse subsistens e ens participatum. Mas nenhum desses pensadores que estão na luz dentro da qual a metafísica ocorre pensa a concessão desta luz, pensa a clareira, o próprio processo luminoso por meio do qual a diferença ontológica entre ser e entes é iluminada.

Original

From the standpoint of St. Thomas the work of Gilson is especially pertinent, for Gilson defends the Thomistic thesis on Being historically. With a rare combination of historical erudition and philosophical insight (FS2 194), Gilson interprets the history of metaphysics as a series of more or less distorted conceptions of what Being means, of various attempts to substitute something other than Being for Being itself. Time and again, Gilson thinks, metaphysicians succumb to the inclination to reduce Being to the proportions of conceptual reason. The history of metaphysics is a sustained attempt to make Being something conceivable and definable. In Platonism Being is reduced to unity, and in Aristotelianism to substance; and in the long tradition from Avicenna to Hegel  , Being becomes essence. It is only in St. Thomas that Being is taken precisely as Being, in all of its primordiality as Being. Thomas alone has the tenacity to stay purely in "the element of Being," as Heidegger once put it (Weg  .2 316/196) and to think Being in terms of the existential act which is esse, the actualitas omnium rerum, the perfectissimum omnium (ST, I, 4, l, ad 3).

Yet this is precisely what Heidegger holds about the "thought of Being." What Being means, Heidegger says, has fallen into neglect or oblivion (Seinsvergessenheit), precisely because the difference between Being and beings has been concealed. Being is everywhere reduced to the proportions of something entitative, of some being or other. In metaphysics Being is taken as ουσία, Gegenstand, Begriff, Wille and also as actus, actualitas. In every case Being itself is characterized in terms of a region of beings. Only the thought of Being (Seinsdenken) practiced by Heidegger resists this tendency and meditates Being as simple as the sheer emergence into presence by which the being shows itself from itself.

But how can one conceivably include the metaphysics of esse in the history of an oblivion of Being? What possible sense can there be in speaking of a philosophy whose whole focus is on the existential act-of-being, the very act in virtue of which a thing is rather than is not, as somehow forgetful of Being? It is hard to imagine forgetfulness here, where everything turns on the doctrine of esse. Indeed, at the summit of this doctrine stands the notion of God, not as "a" being, but as subsistent Being itself, ipsum esse subsistens. Far from forgetting Being, everything in an existential metaphysics is focused on it.

Now, it is my opinion that an "existential" metaphysics in the Thomistic sense, in the sense of a philosophy which gives primacy to the act of existence, does not stand outside the scope of what Heidegger means by the oblivion of Being, that the "essentialism" criticized by Gilson and the "oblivion of Being" are not the same. No matter which principle gains the primacy, the understanding of Being in terms of essence and existence belongs to the oblivion in the Heideggerian sense. One cannot extricate the metaphysics of St. Thomas from this charge, in my opinion not if one comes to grips with the fully radical meaning of Heidegger’s critique, not if one really gets to the bottom of what he means. The usual response to Heidegger’s critique which is made by the followers of St. Thomas seems to me too facile; it underestimates the radicality of Heidegger’s criticisms.

For as his thought developed, Heidegger ceased to say that the problem with metaphysics is that it is preoccupied with beings to the neglect of Being. That is a misleading way to put it, one which does not get to the core of the issue. For Heidegger eventually came to the conclusion that the word "Being" belongs to the metaphysicians and that it could no longer do service for what he wanted to think, for the genuine matter to be thought. "Being" has been the subject of every metaphysical or, as he says, "onto-theo-logical" account of beings from Plato   to Nietzsche  . The real concern of thought is, not the Being of the metaphysicians, but that which grants Being as the subject matter of metaphysics. It is not the distinction between Being and beings which concerns Heidegger, but that which opens up this distinction in each and every metaphysical epoch. All metaphysics moves within the distinction between Being and beings, and in each case Being is thought as some kind of ground or cause of beings. This is clearly true of St. Thomas’ metaphysics, which is centered on the distinction between pure subsistent Being, esse subsistens, and finite beings, ens participatum. Finite beings participate in and depend on Being itself, while Being, as the subsistent Being which is God, communicates itself to beings.

Hence, if there is no oblivion of "Being" here, there is an oblivion of the dif-ference which opens up the difference between Being and beings, between esse and ens, within which St. Thomas thinks. The real matter to be thought, in Heidegger’s view, is that difference, which he calls in German Unter-Schied (literally: the inter-scission), which grants to Thomas the possibility of thinking in terms of esse and ens. The matter to be thought is also called by Heidegger Ereignis, the Event of Appropriation, the event which sends Being to thought and makes the history of metaphysics possible. Ereignis does not mean Being but that which grants Being. We do not say that Being is’’ but that "there is/es gibt" Being, and the Ereignis is the "It" which gives Being to thought. The history of metaphysics is the history of the various ways in which metaphysicians have named Being while leaving the "It" which gives Being unthought. It is the history of diverse dispensations of Being (Seinsgeschick) in which Being is sent while the It itself remains behind.

The essential thing from Heidegger’s standpoint is not to be taken in by any of these epochal dispensations of Being, not to submit to the metaphysical picture which dominates a given age. The essential thing is to think the sending and not to be taken in by what is sent, to think the giving and not to lose oneself in the gift. All metaphysics makes use of the difference between Being and beings, but metaphysics never thematizes the differing in the difference, that which opens up the difference. Metaphysics thinks the different Being and beings but not the difference as such. Plato   thinks the difference between ειδος and individual; Aristotle  , between first and second ουσία; Thomas, between esse subsistens and ens participatum. But none of these thinkers who stand in the light within which metaphysics occurs thinks the granting of that light, thinks the clearing, the very light process by means of which the ontological difference between Being and beings is illuminated.


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