Barbuy: Progresso (9) – Paraíso Perdido

9. Em quase todos os povos antigos a legendária reminiscência de um Paraíso Perdido se associou a uma inconsciente noção regressiva da história. Esta noção é implícita ao culto dos antepassados, à crença de que o fundador da cidade era um herói semi-divino, do qual se descendia, declinando. As virtudes do passado assomavam como valores perdidos pelo presente e a tradição, em vez da revolução, adquiria um sentido social predominante. A reminiscência de um passado feliz e distante se encontra sob a forma das idades declinantes em inúmeros documentos históricos. O Código de Manu se refere à sucessão das idades, até os tempos presentes, que são a idade do ferro — Kali-Yuga — do sofrimento e da miséria. Hesíodo descreve as sucessivas idades que igualmente se encontram nas Metamorphoses de Ovídio. A referência à idade de ouro era tão constante em Atenas, que Aristófanes fez dela grosseira paródia numa de suas comédias. Platão descreve um tempo remoto, que ele imagina ter vindo logo após o dilúvio, em que não havia nem pobres, nem ricos, nem violência, nem injustiça, nem inveja, reinando apenas a simplicidade (Leis, livro III, 679 bc). E neste sentido mesmo se entende o dito romano: Viemos muito tarde a um mundo muito velho!

Sim, não eram jovens os que vinham depois, mas os que vinham antes. Não os tempos futuros e sim as idades passadas surgiram como épocas estelares, em que os homens falavam com Deus e viam os anjos, por se verem mais perto das fontes da Criação e da Sabedoria. Os grandes espíritos da Idade Média apresentaram a miséria do homem, desde a expulsão do paraíso, da maneira mais veemente, assinalando a persistência de uma intuição fundamental da origem da condição humana: L’homme est un ange déchu qui se souvient des cieux, disse Pascal. Esta intuição invertida sobre si mesma, produziu a ideia do progresso indefinido, transpondo para o futuro o paraíso terrestre perdido no passado. [116]