De fato, na obra de Heidegger, há um afeto que goza de um status absolutamente privilegiado, na medida em que nos coloca diante do próprio mundo, de certa forma acima dos entes, ou melhor, a favor de seus deslizes ou abalos, a saber, a angústia. Esta parece estar situada, por assim dizer, no mesmo nível de nosso sentimento, de modo que a angústia seria para os outros afetos o que, para nós, o sentimento é para o desejo: enquanto o desejo, como os outros afetos, permite que nos relacionemos com o que se opõe no mundo, o sentimento, como a angústia, me colocaria na presença do próprio mundo. Mas primeiro precisamos apontar uma surpresa e um desequilíbrio inicial dentro desse paralelismo: ainda é um afeto que tem a possibilidade de transcender o plano dos entes e, portanto, dos outros afetos nos quais e por meio dos quais eles são encontrados. Isso é realmente coerente na medida em que a angústia, ao contrário do sentimento, não pode me colocar diretamente em contato com o mundo em si, com o mundo além dos entes, porque, simplesmente, esse mundo não existe para Heidegger. Por ser um conceito fenomenológico e não cosmológico, o mundo só pode ser alcançado, por assim dizer, indiretamente, ou seja, ainda no nível dos entes, em favor de uma certa tonalidade que envolve o deslize desses entes para uma forma de nada. É necessário, portanto, que o acesso ao mundo, como nadificação do que é, ou seja, ainda como uma certa relação com o que é, seja homogêneo com os outros modos de acesso a esse mundo, em suma, seja da ordem do afeto. Para antecipar, poderíamos dizer que a angústia revela um nada de ser, enquanto o sentimento revela algo como um excesso de ser, que deve ser entendido, é claro, como excesso de poder. O importante é que o sentimento não é um afeto, e seu próprio conteúdo tem pouco a ver com o da angústia. Lembremos que a angústia aparece já em Sein und Zeit como a abertura privilegiada do Dasein, ou seja, como o afeto que coloca o Dasein diante do mundo como tal e, portanto, diante de si mesmo como ser-no-mundo. Nesse sentido, desempenha o papel da epoche fenomenológica, uma vez que nos permite voltar da existência no mundo para o próprio mundo e, consequentemente, para o que constitui sua condição, por assim dizer, a saber, a existência como tal. A angústia, ao contrário do medo, é angústia diante do nada; é opressiva na medida em que aquilo que angustia não pode ser atribuído. Assim, a angústia é uma relação com o nada que é determinado e, da mesma forma, abre-se para esse nada de ser que é o próprio mundo. Como Heidegger mostra ainda mais claramente em Was ist Metaphysik? (GA9:OQM) na angústia, o existente como um todo se torna instável (hinfällig), “nos escapa e desliza como um todo”, embora, é claro, não desapareça, não deixe de ser o que é. Tomada novamente do ponto de vista do Dasein, a angústia significa um recuo diante do ser que é o outro lado de seu deslize: o vínculo de familiaridade é rompido, a evidência da existência do ser é suspensa. Daí a dimensão opressiva da angústia, que basicamente decorre de uma espécie de repulsa diante do ser. Mas, graças a essa nadificação afetiva muito singular, ou seja, o acesso ao que Heidegger chama de nada no texto mencionado, o mundo aparece como tal. Assim:
no “o que antes” da angústia torna-se manifesto o “nada e lugar nenhum”. A saturação (Aufsässigkeit) do nada intramundano e do lugar nenhum significa fenomenicamente isso: o antes do quê da angústia é o mundo como tal (GA9:OQM).
Correlativamente, essa revelação do mundo como tal é, ipso facto, a revelação do Dasein para si mesmo em seu modo primário de ser, ou seja, como ser-no-mundo. Como escreve Heidegger
Mas o mundo pertence ontologicamente de modo essencial ao ser do Dasein como ser-no-mundo. Se, portanto, é o nada, ou seja, o mundo como tal, que surge como o antes-do-quê da angústia, isso significa que aquilo diante do quê a angústia se angustia é o ser-no-mundo como tal (GA9:OQM).
Daí o famoso solipsismo existencial ao qual a angústia conduz, o que significa apenas que a angústia transporta o Dasein diante de si mesmo como solus ipse, para uma solidão que remete à sua ipseidade como ser-no-mundo. Na medida em que a angústia coloca o Dasein diante de seu mundo como mundo, ela o coloca diante de si mesmo como ser-no-mundo e, da mesma forma, o isola, já que ele está, por assim dizer, lidando apenas consigo mesmo. E é verdade que a angústia me isola e me encerra em mim mesmo, porque me coloca frente a frente comigo mesmo e no comando de mim mesmo, porque me impede de me esquecer de mim mesmo no comércio familiar com o mundo, que agora se esvaiu.
Observe que em Was ist Metaphysik? a formulação é ligeiramente diferente, a ênfase é colocada no Nada e, portanto, no Ser, em vez de no próprio mundo:
Na noite clara do Vazio da angústia, a manifestação original do existente como tal finalmente se mostra: a saber, que existe o existente — e não o Nada. Esse “não Nada” que nos damos ao trabalho de acrescentar não é uma explicação adicional, mas a pré-condição que torna possível a manifestação de um existente em geral (GA9:OQM).
Essa especificação exige duas observações, uma interna e outra externa. Por um lado, podemos ver claramente como a angústia definida dessa maneira toma o lugar da epoche fenomenológica. Ao descobrir o Vazio, a angústia traz à tona o pano de fundo contra o qual o existente se remove e, assim, a possibilidade de que ele não seja, e, como resultado, ganha acesso à estranheza de seu ser, em outras palavras, a sua aparição como tal. Assim, o nada nos permite passar do ser aparente para a sua aparição, ou do ser para a sua fenomenalidade, que é a própria definição de epoche. Em suma, a angústia, na medida em que abre a porta para o Ser, torna possível fazer com que a aparição apareça, e é por isso que ela é o ponto de partida da abordagem fenomenológica. Heidegger afirma isso muito claramente algumas linhas adiante:
O nada é a condição que torna possível a revelação do existir como tal para a realidade humana (Dasein) (GA9:OQM).
Por outro lado (segunda observação), essa análise da angústia e da transcendência que ela possibilita visa circunscrever o espaço da metafísica, o que nos permite esclarecer melhor nossa diferença. A metafísica refere-se a um questionamento possibilitado pelo Nada aberto pela angústia: por que existe o ente ao invés do nada? O espaço da metafísica, conforme definido aqui, é, portanto, o do nada de ente que está no centro da revelação do ser. Concordamos com Heidegger apenas nesse ponto: na metafísica, como a entendemos, um certo Nada está em jogo, e é assim que, muito mais claramente do que em Heidegger, deve ser distinguida da ontologia. Pois, a nosso ver, a metafísica não se refere a um questionamento, exceto de forma derivada, mas a um acontecimento, precisamente àquela pura negatividade, que nem mesmo tem a positividade de um puro nada, que é a cisão arque-evidencial. Portanto, não é no lado do mundo como tal (ou do Ser, em textos posteriores) que devemos procurar o nada, mas no lado do que nos separa desse mundo, ou melhor, da separação da qual surgimos como sujeitos, uma separação que ocorre sem causa ou razão. Nesse sentido, a metafísica é a metafísica do sujeito, na medida em que é nesse e por meio desse acontecimento que o sujeito passa a existir, compreendendo-se que ele é, portanto, sem causa ou razão. Mais precisamente, a metafísica de que estamos falando é, ao contrário de Heidegger, a metafísica da finitude, no sentido de que o acontecimento que ela registra é o próprio acontecimento da finitude, o acontecimento a partir do qual um sujeito pode se constituir como uma realidade finita. Em suma, o nada de que estamos falando não é sinônimo de mundo, mas é, ao contrário, o que nos separa do mundo, o que estabelece a distância — que é tão infinitesimal quanto radical — entre o sujeito e o mundo, rompendo o mundo com uma fraqueza fundamental. Dessa forma, a metafísica não conduz do ser ao nada que é o mundo, mas sim da plenitude ou superpotência desse mundo ao nada do qual procede o ente que aparece. Esse nada é, portanto, a fonte da única fenomenalidade secundária, do aparecimento destinado, na medida em que rompe a plenitude do mundo como fenomenalidade primária. Agora, ao relembrar isso, descobrimos a base da diferença radical entre nosso sentimento e a angústia heideggeriana.