GA24:222-224 – sujeito-objeto

Rickert talvez conceba de maneira mais formal a relação sujeito-objeto (Subjekt-Objekt-Beziehung). Ele diz: “Os conceitos do sujeito e do objeto se requisitam mutuamente, tal como também o fazem outros conceitos, por exemplo, o conceito de forma e de conteúdo ou o de identidade e de diversidade (Andersheit)”1. No entanto, é preciso perguntar aqui: Por que é que esses conceitos, sujeito e objeto, se requisitam mutuamente? Ora, evidentemente apenas porque o que é com isto visado se requisita. Mas um objeto requisita um sujeito? Manifestamente, pois algo que se encontra contraposto (Entgegenstehendes) é sempre um contraposto para aquele que o apreende. Com certeza. Ora, mas todo ente é (230) necessariamente objeto? Os processos naturais precisam ser objetos para um sujeito, a fim de que eles possam ser o que eles são? Evidentemente não. O ente é considerado desde o princípio como objeto. Assim, pode ser deduzido daí o fato de pertencer a isto um sujeito, pois com a caracterização do ente como objeto já coposicionei tacitamente o sujeito. Com essa caracterização do ente como objeto (Objekt) e do ente como aquilo que se encontra contraposto (Gegenstand)2, contudo, já não tenho mais o ente nele mesmo com vistas ao seu modo de ser próprio e a ele pertinente, mas o ente como algo que se encontra estabelecido em uma posição contraposta, como algo que se encontra contraposto (como objeto). Nesta interpretação puramente kantiana, então, ser significa o mesmo que o caráter daquilo que se encontra contraposto (objetividade).

Assim, fica claro: se ao sujeito se contrapõe um objeto, a questão ainda não se inscreve de maneira alguma na dimensão capaz de perguntar sobre o modo de ser específico do ente que se tornou objeto em sua relação com o modo de ser de um sujeito. Inversamente, a um sujeito, considerado como aquele que apreende, pertence um apreendido. Mas será que o sujeito precisa necessariamente apreender? A possibilidade ontológica de um sujeito é dependente do fato de algo ser dado como objeto para a sua apreensão? De maneira alguma. Em todo caso, contudo, a questão não pode ser simplesmente decidida. Parece à primeira vista que, em meio à relação sujeito-objeto, ter-se-ia conquistado um ponto de partida materialmente consistente para o questionamento e uma concepção isenta de preconceitos do problema com o ponto de partida unilateral pelo sujeito. Considerado mais detidamente, porém, esse ponto de partida de uma relação sujeito-objeto obstrui o acesso à questão ontológica (231) propriamente dita acerca do modo de ser do ente, que possivelmente se torna objeto, mas que não precisa necessariamente se tornar.

No entanto, mesmo que não se admita a correção do ponto de partida junto a um sujeito isolado, mas se procure antes partir da relação sujeito-objeto, é preciso perguntar: Por que um sujeito “exige” um objeto e vice-versa? Pois algo presente à vista não se torna por si um objeto, para em seguida requisitar um sujeito, mas ele só se torna objeto na objetivação (Objektivierung) por meio de um sujeito. Um ente é sem sujeito, mas só há objetos para um sujeito que o objetifica. Portanto, a existência da relação sujeito-objeto depende do modo de existência do sujeito. Mas por quê? Com a existência do ser-aí já está sempre a cada vez posicionada tal relação? O sujeito poderia de qualquer modo se privar da relação com objetos. Ou será que ele não poderia? Se não, então não é o objeto o responsável pelo fato de haver uma relação subjetiva (Subjektbeziehung) com ele, mas articular-se pertence à constituição ontológica do próprio sujeito. Reside no conceito do sujeito se relacionar. O sujeito é nele mesmo algo que se relaciona. Nesse sentido, é necessário formular a questão acerca do ser do sujeito de tal modo que essa determinação essencial (Wesensbestimmung) do relacionar-se-com (Sich-beziehens-auf), isto é, a intencionalidade (Intentionalität), seja copensada no conceito do sujeito, ou seja, de tal modo que a relação com o objeto não seja algo que se ache articulado ocasionalmente com o sujeito com base no estar casualmente presente à vista de um objeto. À existência do ser-aí pertence a intencionalidade. Com a existência do ser-aí, já sempre se desvelou a cada vez de algum modo para esse ser-aí um ente e um nexo com o ente, sem que ele tenha sido expressamente objetivado. Existir significa, então, entre outras coisas: ser se comportando junto ao ente. Pertence à essência do ser-aí existir de tal modo que ele já sempre se encontra junto a um outro ente.

  1. RICKERT, H. Der Gegenstand der Erkenntnis (O objeto do conhecimento). 3. ed., p. 3.[]
  2. Heidegger joga nesta passagem com a diferença entre o vocábulo latino para designar o objeto e o vocábulo germânico para a sua designação. Em alemão, um objeto é um Gegenstand, literalmente algo que se encontra contraposto.[]