Anfang

Anfang, principe, começo, comienzo, princípio, inception, origem, Beginn, início, Frühe, primeiro, primordial

Com respeito (20) ao pensar primordial no Ocidente, entre os gregos, diferenciamos entre início (Beginn) e origem, princípio ou começo (Anfang). O início pensa o iniciar-se deste pensar num determinado “tempo”. Pensar significa, aqui, não o curso de atos de pensar representados psicologicamente, e sim o historiar-se, no qual um pensador é, diz sua palavra e, assim, funda um lugar para a verdade no interior de uma humanidade histórica. Tempo significa, aqui, não primeiramente o ponto de tempo calculado segundo ano e dias, e sim, antes, a “época”, a situação das coisas humanas e o lugar de referência do ente homem. O “início” tem a ver com o despontar e o surgimento do pensar. Por “origem” ou “princípio” pensamos algo diverso. A “origem” ou o “princípio” é o digno de ser pensado e o pensado neste pensar primordial. Aqui ainda deixamos em segundo plano a questão sobre a essência deste pensado. Suposto que o pensar dos pensadores se diferencia do conhecimento das “ciências” e de toda espécie de conhecimento prático, segundo todas as perspectivas, então, a relação do pensar com o pensado é essencialmente diferente da relação do pensar “técnico-prático” e “moral-prático” usual com o que este pensa. (GA54SMW:20-21)


Agora, porém, o maior acontecimento apropriador (Ereignis) é sempre o início (Anfang), ainda que esse início seja o início do último deus (Anfang des letzten Gottes). Pois o início é o velado (Verborgene), a origem ainda não abusada e funcionalizada (missbrauchte und betriebene Ursprung), que, sempre se subtraindo, mais amplamente antecipa e, assim, conserva em si o mais elevado domínio (Herrschaft). Esse poder não desgastado do fechamento radical (Macht der Verschlossenheit) das mais puras possibilidades da coragem (Moglichkeiten des Mutes) (da vontade afinada e sapiente do acontecimento apropriador (gestimmt-wissenden Willens zum Ereignis)) é a única salvação e comprovação (Rettung und Erprüfung). (…)

O que é, portanto, o início, de tal modo que ele pode se tornar o mais elevado de todo ente? Ele é a essenciação do próprio ser (Wesung des Seins selbst). Mas esse início só é realizável como o outro na confrontação com o primeiro. O início – compreendido inicialmente – é o próprio seer. E, de acordo com ele, o pensar também é mais originário do que um re-presentar e um julgar (Vor-stellen und Urteilen).

O início é o seer mesmo como acontecimento apropriador, o domínio velado da origem da verdade do ente enquanto tal (Ursprungs der Wahrheit des Seienden als solchen). E, enquanto o acontecimento apropriador, o seer é o início. (GA65:§23; GA65MAC:60)


Tudo que é essencial, não apenas a essência da técnica moderna, se mantém, por toda parte, o maior tempo possível, encoberto (verborgen). Todavia, a sua regência antecede tudo, sendo o primordial. Os pensadores gregos já o sabiam, ao dizer: o primeiro, no vigor de sua regência, a nós homens só se manifesta posteriormente. O originário só se mostra ao homem por último. Por isso, um esforço de pensamento (Bereich des Denkens), que visa a pensar mais originariamente o que se pensou na origem (das anfänglich Gedachte noch anfänglicher zu durchdenken), não é a caturrice, sem sentido, de renovar o passado, mas a prontidão serena de espantar-se com o porvir do princípio. (GA7CFS:25)


Note-se que Heidegger usa aqui (e em todo o texto (sobre o dito de Anaximandro)) o adjectivo früh (“inicial”, “primitivo”, “primevo”, mas também “matinal”, “madrugador”) como tendo relação com die Frühe (“a madrugada”). Se em Alemão é perfeitamente natural que se fale de um früher Denker (um pensador “da madrugada”, isto é, “inicial”, “do início do pensar”), em Português seria forçado dizer: “um pensador da madrugada”, “um pensador matinal”, etc.. Daí que se tenha optado por traduzir früh por “inicial” – o que esconde a alusão à “madrugada do pensar”, mas pode ser remediado pela leitura desta nota. (GA5BD:Nota:373)


LÉXICO: (ANFANG E CORRELATOS->http://hyperlexikon.hyperlogos.info/modules/lexikon/search.php?option=1&term=Anfang)

princípio (GA40)
início (Meditação)
amorce, commencement, départ (GA40)
origine (GA8)

NT: PRINCÍPIO = ANFANG: O substantivo, “Anfang”, derivado do verbo “anfangen” (= iniciar, começar, principiar), tem na Filosofia Heideggeriana o sentido técnico de origem, princípio primeiro, que não apenas inicia alguma, coisa mas a conserva e sustenta em seu vigor. Corresponde exatamente ao que os gregos pensavam com a palavra “arche”. Como em português não há um adjetivo derivado de “princípio”, traduzimos o adjetivo alemão, “anfänglich”, por “originário”. (Carneiro Leão, GA40)


Heidegger faz uma distinção entre as palavras alemãs Anfang e Beginn. Enquanto Anfang descreve um momento inicial que permanece vigente no interior da história dos seus desdobramentos e se aproxima do sentido básico do termo grego ἀρχή (arche) (princípio), Beginn não caracteriza senão o começo de um movimento, o primeiro ponto de uma trajetória. Para acompanhar o campo semântico destes termos, portanto, nós optamos por reservar “início” para Anfang e “começo” para Beginn. Essa opção baseia-se em dois pontos: 1) a proximidade entre os termos início e origem em português, o que insere a palavra início no campo semântico de Anfang; e 2) o fato de, tal como o termo Anfang em alemão, “início” ter um correlato adjetivo no termo “inicial” (anfänglich), enquanto a palavra “começo”, tal como Beginn em alemão, só possui um uso nominal. (Casanova)


N.T.: Como Heidegger hifeniza a palavra início em alemão, e como o vocábulo em português possui uma outra origem, vimo-nos diante da necessidade de explicitar o conteúdo etimológico da palavra alemã entre parênteses. Anfang significa literalmente a captura (-fang) inicial (An-). (Casanova; GA6MAC:480)


Fangen é “pegar, agarrar, capturar, apanhar”. Anfangen significa, originalmente, “arrebatar, apossar-se de”. Hoje se diz “começar, iniciar”. Anfang é “começo”; anfänglich, “inicial(mente)”, é próximo de ursprünglich. Anfang(en) também é próximo de Beginn e beginnen, mas Heidegger os diferencia: um Anfang é mais radical e fundamental do que um Beginn, e captura seus profetas — Anaximandro, Parmênides e Heráclito — em seu “domínio” (GA54, 2, 9ss). (DH)


Con esta palabra (ser, es…), el hombre ha recibido ya la garantía de que, antes que todo ente, el Ser es dicho y decible. Pero al mismo tiempo se ha destinado la capciosidad (das Verfängnis) de explicar la palabra sólo a partir del lenguaje y, así, de excluir al pensar del camino que medita en conformidad con el inicio del lenguaje (dem Anfang der Sprache nachdenkt). Heideggeriana: Palavra1944


L´Anfang est ce qui nous a toujours devancés (was uns schon überholt hat), non pas comme un passé révolu qui se tiendra derrière nous, mas comme ce qui tire et attire préalablement à soi tout ce que se déploie, et qui ainsi ne vient à nous qu´en nous précédant (uns worauswesend erst auf uns zukommt). (GA55, apud Zarader, 25)


(Le commencement …) est bien cet enveloppe qui cache l´origine (Anfang), et qui même est en cela indispensable. L´origine (Anfang) se cache (verbirgt sich) sous le commencement. (GA8, 154)


Le commencement est ce avec quoi quelque chose se lève (womit etwas anhebt), l´Anfang est ce d´où quelque chose jaillit (woraus etwas entspringt). La guerre mondiale fing an voici des siècles dans l´histoire spirituelle et politique de l´Occident. Elle commença avec des combats d´avant-postes. Le commencement est aussitôt abandonné, il disparaît dans la suite des événements. L´Anfang, l´origine (Ursprung), ne se fait jour au contraire qu´au cours du processus, et n´est pleinement là qu´à sa fin. Qui commence beaucoup, souvent n´arrive jamais à l´Anfang. A vrai dire, nous autres hommes ne pouvons jamais mit dem Anfang anfangen – cela, un dieu seul le peut -, mais nous devons commencer, c´est-à-dire faire de quelque chose le levier qui seul conduit à l´origine (Ursprung) ou fait signe vers elle. (GA39 3-4; apud Zarader, 25)


Note sur la traduction du terme Anfang : nous le rendons, selon les cas, par « début », « commencement » ou « origine ». C´est que, comme nous l´avons indiqué dès l´introduction (cf. supra, pp. 23-26), le terme occupe un statut ambigu dans la terminologie heideggerienne. Il est parfois explicitement assimilé à l´origine (Ursprung), en nette opposition au commencement, auquel est réservé le seul terme Beginn. Mais il désigne souvent, de manière plus large et plus conforme à son sens habituel, le point de départ (début ou commencement). L´ambiguïté provient de ce que, si Beginn et Ursprung désignent, sans aucune équivoque possible, l´un le commencement, l´autre l´origine, Anfang occupe un champ sémantique moins clair, qui recouvre la région, fort large, de l´initialité – où l´on peut faire prévaloir, selon les cas (et Heidegger ne s´en prive pas), le registre de l´origine ou celui du commencement. (Zarader)