CAPITULO VI – PARADOXO – TENSÃO – AMBIGUIDADE
Chegamos à última tríade de categorias: paradoxo, tensão, ambiguidade. Temos já insistido na ideia de paradoxo falando da existência. E, da ideia de paradoxo, chegamos facilmente à ideia de tensão. A dialéctica kierkegaardiana distingue-se da dialéctica hegeliana na medida em que é individual, apaixonada e descontínua, processando-se por saltos repentinos, por crises. Nesta não há síntese; Kierkegaard o que pretende é a tese e a antítese. «O homem», diz ele, «é uma síntese cujas oposições extremas devem ser postas». Ele quer que tese e antítese sejam mantidas sem que transitem numa síntese que, no fundo, as anularia. E a antítese ficará presente na tese, como a incerteza na crença, como aquilo de que triunfo está presente no momento do triunfo.
O existente é um homem que vê defrontarem-se nele tendências contrárias, que unirá nele as diferentes idades da vida por uma contemporaneidade existencial, que unirá o patético, o dialéctico e o cômico num momento indissolúvel.
Mas podemos notar que é menos a ideia de paradoxo e a ideia de tensão e de dialéctica que a ideia de ambiguidade que estão presentes, por exemplo, em Sartre e em Merleau-Ponty. Na Phénoménologie de la Perception, e no que escreve sobre o comportamento, é a ideia de ambiguidade que Merleau-Ponty põe em relevo. E vimos, quando falávamos de liberdade em Sartre, como há sempre ambiguidade entre a interpretação das nossas ações em termos de situação e a interpretação das nossas ações em termos de liberdade. Há diferentes interpretações possíveis da ação humana, e somos livres para escolher, e, ao mesmo tempo, estamos em situação de escolher a interpretação que preferimos dar. Poderíamos representar a história das filosofias da existência como indo da ideia de paradoxo e de tensão à ideia de ambiguidade. O que estava no centro do pensamento existencial era a afirmação de um contato entre termos antitéticos: finito e infinito, temporal e eterno. Hoje, o que nele está presente é a afirmação de uma diversidade de interpretações; a condição humana é tal que os mesmos fenômenos podem ser encarados em contextos diferentes; indo da ideia de paradoxo à ideia de ambiguidade, o pensamento existencial perde, sem dúvida, uma parte da sua acuidade, mas, por outro lado, ganha talvez em amplitude.