Apel (2000) – compreender

(Apel2000)

Quanto à tese (2): Neste ponto, faz-se necessário abordar a referência de Gadamer a Heidegger, mais precisamente à tese de que o “Compreender” não é “um dos modos de agir do sujeito, mas sim o modo de ser do próprio ser-aí”. Pode-se perceber com facilidade que essa ideia fundamental da filosofia heideggeriana é essencialmente idêntica à “pré-estrutura” do Compreender, que já expusemos anteriormente; sobre esta última, afirmou-se que ela agiu com sucesso contra o processo de atrofiamento da teoria cognitiva de origem kantiana em direção a uma “lógica científica” ou a uma “metodologia”. Eu gostaria, aqui, antes de mais nada, de destacar novamente essa característica. Há no momento — por razões totalmente extra-filosóficas — uma tendência a emudecer Heidegger, e de se referir apenas à fenomenologia do “mundo vital” de Husserl, quando de fato se está pensando na “análise do ser-aí” [Daseinsanalyse] mais radical proposta, sim, por Heidegger; face a essa tendência, é preciso ter claro, a meu ver, que a possibilidade de refletir sobre estruturas humanas fundamentais (o atrelamento ao corpo, o trabalho, a linguagem, p. ex.) em sua função semi-transcendental deve-se em essência a Heidegger: trata-se de uma maneira de ver que repercutiu no neomarxismo (p. ex., na interpretação semi-transcendental-filosófica que faz do conceito de trabalho no jovem Marx), passando pela antropologia filosófica. Tome-se a figura de pensamento da reflexão voltada a um “perfeito apriorístico” [apriorisches Perfekt] do “ser-que-se-antecipa já de antemão” [je schon Sich-vorweg-Sein] próprio ao ser-aí como ser-no-mundo compreendente e sensível [befindlich-verstehendes Inder-Welt-Sein]: ora, essa figura heurístico-sugestiva, característica de Ser e tempo [Sein und Zeit, 1927], fez vir à tona um novo estilo de reflexão transcendental; e a partir de tal maneira de ver não se pôde mais explicar o problema da “constituição” transcendental proposto por Husserl como um problema de “conquistas” subjetivas de uma “consciência pura”. É efetivamente falso, do ponto de vista transcendental-fenomenológico, falar da “constituição” como um ato subjetivo: os fenômenos constituem-se, ou então já estão constituídos desde sempre para nós. Em nossos atos subjetivos, respondemos desde sempre ao mundo constituído — é a clareação [Lichtung] do “aí” (referindo-nos ao “ser-aí”). Essa situação fundamental do ser-que-se-antecipa — em que se podem inscrever os fatores semi-transcendentais da “pré-estrutura” do Compreender, como o a priori linguístico, p. ex. — é, na verdade, iniludível [nichthinterhergehbar]. E ela deixaria, por isso, de ser também reconstituível como algo a que devemos ligar-nos de maneira responsável? — O “desde sempre” [immer schon] do perfeito apriorístico não acaba igualmente por afirmar que há aqui condições de possibilidade do Compreender que ainda carecem de justificação enquanto condições de validação do Compreender, de modo que elas, como momentos fundamentais da “finitude” ou ainda do “estar-lançado” do ser-aí, possam ser atribuídas não apenas a uma “ocorrência do ser”, ou então a uma “sina do ser”?

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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