Byung-Chul Han (2023) – a passagem da ação para o ser

Alguns anos depois de Ser e tempo, Heidegger realiza a passagem da ação para o ser. O pathos da ação dá lugar ao espanto sobre o ser:

[…] o festejar, enquanto interrupção do trabalho, é já um conter-se, é prestar atenção, é perguntar, é reflexão, é espera, é a passagem para um pressentimento mais desperto do milagre, do milagre de que em geral um mundo munda ao nosso redor, de que haja o ente e não antes o nada, de que haja coisas e nós mesmos em meio a elas (GA52:64).

A ênfase no si-mesmo e a determinação para a ação que dominam Ser e tempo silenciam-se inteiramente. Angústia e tédio não são mais ligados ao chamado à ação. Eles revelam o ser. Nisso, eles se assemelham ao amor:

O tédio profundo […] nivela todas as coisas, os seres humanos e a gente mesmo com elas, em uma estranha indiferença. Esse tédio manifesta o ente na totalidade. Uma outra possibilidade de tal manifestação se revela na alegria pela presença do ser-aí – não da pura pessoa – amado 1.

Depois da “virada”, Heidegger chega à compreensão de que só inatividades como festa e jogo concedem à existência humana um brilho. Ele descobre o festivo. Não se fala mais de “cuidado” ou de “angústia”. O cinza da cotidianidade dá lugar ao brilho festivo:

O brilho faz parte do festivo. Mas o brilho tem sua origem, na verdade, no iluminar e radiar do essencial. À medida que este reluz, tudo nas coisas e no ser humano entra na dispersão de seu brilho, e esse brilho, por sua vez, demanda do ser humano o adorno e o adornar. […] Jogo e dança fazem parte do brilho da festa (GA52:67).

Jogo e dança são inteiramente libertos do para-algo. Também o adorno não adorna nada. Ele não é um “instrumento”. As coisas, libertas do para-algo, tornam-se elas mesmas festivas. Elas deixam de “funcionar” para brilhar e resplandecer. Brota, delas, uma tranquilidade contemplativa que torna possível o demorar-se.

Na festa enquanto forma reluzente da existência humana, desfaz-se toda a espasticidade existencial do ser-aí determinado à ação. A festividade liberta a existência humana da estreiteza do propósito e da ação, das amarras da finalidade e da utilidade. Onde a disposição festiva impera, suprime-se o tempo espasmódico do “cuidado”, a tensão existencial que brota do si-mesmo. A ênfase no si-mesmo dá lugar à serenidade e à alegria. O demorar-se contemplativo desfaz o pathos da ação. (ByungVC)

  1. HEIDEGGER, M. Marcas do caminho (GA9). Petrópolis: Vozes, 2008, p. 120.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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