O cumprimento dissolve dialogicamente aquela tensão interpessoal que leva à luta e à submissão. A dialética que atenua o desafiador gruozen, transformando-o em um cumprimento, é um processo de mediação dialógica. O diálogo é uma relação binária entre pessoas. A tensão antagônica não é superada por meio de uma negação da alteridade. Afinal, o cumprimento se baseia em uma alteridade. A mediação dialógica, que leva à reconciliação e ao reconhecimento, retira da alteridade sua agudeza antagônica.
Heidegger também pensa o cumprimento a partir da dialogicidade do reconhecimento. Em sua preleção sobre Hölderlin, Andenken, há um pequeno trecho no qual Heidegger se volta brevemente ao fenômeno do cumprimento. O “cumprimento genuíno”, segundo Heidegger, é um “apelo” que confere ao cumprimentado sua própria essência e, desse modo, reconhece o cumprimentado em sua essência, deixando-o ser o que é através desse reconhecimento (GA52:50). Sua amabilidade reside nesse “deixar ser”, nessa serenidade em relação ao outro. O cumprimento é, acima de tudo, um acontecimento da essência. Nesse ponto, Heidegger fala excessivamente da essência: “o que é devido a cada ente de antemão é a essência a partir da qual ele é o que é” (Ibid.). No cumprimento mútuo, a essência das pessoas envolvidas se delineia dialogicamente. É um dia-legein. Cumprimentar-se mutuamente significa ajudar-se mutuamente a alcançar sua essência. O cumprimento é um acontecimento de reconhecimento. Cumprimentar o outro significa reconhecê-lo em sua essência, isto é, naquilo que ele é, em sua pessoa. A essência do cumprimentado, sua pessoa, lhe são concedidas, ou mesmo saudadas. Também poderíamos dizer que o cumprimento deixa que o cumprimentado seja presente propriamente. O cumprimento é um acontecimento de distinção, na medida em que os cumprimentadores se retiram para suas respectivas essências. Assim, o cumprimento não institui uma proximidade de fusão. Ao contrário, o cumprimentador cumprimenta o cumprimentado na distância, na alteridade de sua essência:
No cumprimento genuíno, oculta-se até mesmo aquela misteriosa severidade pela qual a cada vez os cumprimentadores são apontados para a distância de sua própria essência e de sua preservação; pois tudo que é essencial, por aquilo que lhe é próprio, está sempre incondicionalmente distante do outro (GA52:50-51).
O diálogo não busca uma fusão. Ele ocorre sempre em um entre que distingue e media. A fusão faz justamente que esse entre dialógico desapareça. O “cumprimento genuíno” sempre mantém uma “distância” que está inscrita nesse entre. O entre garante o vai e vem dialógico, ou seja, a “transição” entre as essências separadas que o habitam como pessoas: “no entanto, é só essa distância que garante os momentos de transição de um para o outro. O cumprimento genuíno é um modo de tal transição” (GA52:51-52). A distância, o entre, não desaparece apenas pela fusão, mas também pela apropriação unilateral do outro. O “cumprimento genuíno” de Heidegger é um cumprimento amigável, na medida em que deixa o outro ser na distância ou na alteridade de sua essência e renuncia à apropriação do outro. A amabilidade dialógica baseia-se precisamente nessa renúncia: “Cumprimentar é alcançar o cumprimentado, tocar em… sem realmente tocar, pegar sem nunca precisar de uma “captura”, porque é ao mesmo tempo um deixar ir”. A amabilidade é serenidade.
Aquele que gruozt o outro e o desafia para a luta quer se pôr como uma totalidade exclusiva. Ele reivindica tudo para si. E o outro tem que ser nada. Por isso essa totalidade é exclusiva. Nela, o outro só tem lugar como servo que cumpre minha vontade e que, assim, me estende. O “cumprimento genuíno” de Heidegger representa uma total inversão desse desafiador gruozen. Não é raro que a genealogia seja uma história de inversão. Heidegger não está totalmente consciente daquela dialética, daquela longa história de reconhecimento que levou da hostilidade arcaica à amabilidade do cumprimento dialógico. Ele não pensa nem dialética nem genealogicamente. O “genuíno”, que genealogicamente seria o posterior, o derivado, o mediado, é apostrofado como o “originário”. O cumprimento “genuíno” se afastou muito de sua origem genealógica. Ao contrário do gruozen originário, no qual um busca tomar tudo para si, quem cumprimenta amigavelmente não reivindica “nada para si”. Ele só se ocupa do outro. Ele concede ao cumprimentado o que lhe é devido, ou seja, sua essência:
Na medida em que o cumprimentador, de alguma forma e em certo aspecto, necessariamente fala de si, ele diz exatamente que não quer nada para si, mas dedica tudo ao cumprimentado, tudo aquilo que é prometido ao cumprimentado no ato de cumprimentar. Isso é tudo o que é devido ao cumprimentado enquanto aquele que ele é.
A amabilidade do cumprimento baseia-se na dialogicidade do reconhecimento, do deixar-ser acentuado, do deixar-o-outro-ser-presente. O espaço onde o cumprimento ocorre carrega-se com uma tensão dialógica, condensa-se em um espaço interior dialógico. O espaço dialógico está, por assim dizer, cheio. Ele é preenchido com a essência. Surge uma aglomeração de interioridades, uma aglomeração do olhares, uma aglomeração de pessoas, uma aglomeração de palavras. No diálogo, convidamo-nos mutuamente a estar propriamente presentes, a preencher o espaço com nossa presença. Estar propriamente presente é a condição do diálogo.