visão de mundo

Weltanschauung

O enraizamento cada vez mais exclusivo da interpretação do mundo na antropologia, que se inicia nos finais do século XVIII, encontra sua expressão no fato de que a posição fundamental do homem frente ao ente em sua totalidade se determina como VISÃO DE MUNDO (Weltanschauung). Foi a partir desta época que esta palavra se introduziu no uso linguístico. Enquanto o mundo se converte em imagem, a posição do homem se compreende como VISÃO DE MUNDO. Certamente o termo VISÃO DE MUNDO se presta facilmente ao mal-entendido de que se refere a uma mera contemplação passiva do mundo. Por isso, já desde o século XIX se tem insistido que a VISÃO DE MUNDO significa também e inclusive principalmente uma visão da vida. O fato de que, de todas as maneiras, o termo VISÃO DE MUNDO se tenha mantido como nome para a posição do homem em meio ao ente, é a prova do quão decididamente o mundo se tenha convertido em imagem enquanto o homem tenha levado sua vida como subjectum à posição principal no centro de toda relação. Isto significa que o ente vale somente como algo que é, à medida que se encontra integrado nesta vida e posto em relação com ela, isto é, desde o momento em que é vivido e se torna vivência. Do mesmo modo que qualquer tipo de humanismo resultaria inadequado para os gregos e que na Idade Média seria impossível uma VISÃO DE MUNDO, do mesmo modo também resulta absurda uma visão católica do mundo. Na mesma medida em que o necessário e normal é que tudo tenha que se converter em vivência para o homem moderno, quanto mais ilimitadamente se apropria da configuração de sua essência, do mesmo modo, é absolutamente certo que os gregos não sofriam vivências quando celebravam suas festas olímpicas.

O fenômeno fundamental da Idade Moderna é a conquista do mundo como imagem. A palavra imagem significa agora a configuração da produção representadora. Nela o homem luta por alcançar a posição na qual possa chegar a ser aquele ente que dá a medida a todo ente e põe todas as normas. Pelo fato de que essa posição se assegura, estrutura e expressa como VISÃO DE MUNDO, a moderna relação com o ente se converte, em seu desdobramento decisivo, em uma confrontação de diferentes visões do mundo muito concretas, isto é, somente daquelas que já ocuparam as posições fundamentais extremas do homem com suprema decisão. Para esta luta entre visões do mundo e conforme o sentido da luta, o homem põe em jogo o poder ilimitado do cálculo, da planificação e da correção de todas as coisas. A ciência como investigação é uma forma imprescindível deste instalar-se a si mesmo no mundo, é uma das vias pelas quais a Idade Moderna corre em direção ao cumprimento de sua essência em uma velocidade insuspeita pelos envolvidos nela. É com esta luta, entre as visões do mundo, que a Idade Moderna se introduz na fase mais decisiva e, presumivelmente, a mais duradoura de toda a sua história. [DZW]


O significado existencial de conceito de mundo que por último foi extraído de Kant é, então, atestado pela expressão que surgiu na época posterior “VISÃO DE MUNDO“. [As questões: 1. Em que medida faz parte da essência do ser-aí, como ser-no-mundo, algo tal como “VISÃO DE MUNDO“? 2. De que modo deve, tendo presente a transcendência do ser-aí, ser delimitada a essência da VISÃO DE MUNDO em geral e fundamentada em sua possibilidade interna? 3. Como se relaciona, de acordo com seu caráter transcendental, a VISÃO DE MUNDO com a filosofia? — não podem ser aqui elaboradas, nem mesmo respondidas. (N. do A.)] Mas também fórmulas como “homem do mundo”, “mundo elegante”, mostram uma significação semelhante de conceito de mundo. “Mundo” não é também simplesmente uma expressão para uma região (ontológica) que designa a comunidade de homens à diferença da totalidade das coisas da natureza, mas mundo significa justamente os homens em suas relações com o ente em sua totalidade, isto é, do “mundo elegante” fazem também parte, por exemplo, os hotéis e os studs. MHeidegger: SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO


O aceno já frequentemente reiterado, segundo o qual o “cuidado” só pode ser pensado na região inicial da questão do ser e não como uma visão qualquer, pessoalmente casual, marcada pela “VISÃO DE MUNDO” e por uma determinação “antropológica”, também permanecerá no futuro ineficaz, enquanto aqueles que só “escrevem” uma “crítica” da questão do ser não experimentarem e não queiram experimentar nada da necessidade do abandono do ser. Pois na era de um “otimismo” muito mal exposto, já o teor do termo “cuidado” e do “abandono do ser” soa por si só como “pessimista”. O fato, então, de precisamente as tonalidades afetivas indicadas por esse nome, juntamente com seu oposto, terem se tornado fundamentalmente impossíveis na região do questionamento inicial, porque elas têm por pressuposto a ideia de valor (agathon ) e as interpretações até aqui do ente tanto quanto a concepção corrente do homem, quem é que poderia levar sua meditação a tal ponto que isso pudesse se tornar ao menos uma questão? [tr. Casanova; GA65: 5]

Se falamos de deus e de deuses, pensamos segundo um longo hábito da representação sob a forma que é indicada pelo nome que, naturalmente, já diz nele mesmo muitas coisas, o nome de “transcendência”. Tem-se em vista com a “transcendência” algo tal que ultrapassa o ente presente à vista e, entre esse ente, sobretudo o homem. Mesmo lá, onde modos particulares do que ultrapassa e do que é ultrapassado são negados, esse modo de pensar ele mesmo não se deixa de qualquer modo negar. De acordo com ele, é possível até mesmo conquistar uma visão panorâmica sobre as “visões de mundo” atuais: 1) O transcendente (de maneira inexata também chamado de “a transcendência”) é o Deus do Cristianismo. 2) Essa “transcendência” é negada e o próprio “povo” – bastante indeterminado em sua essência – é estabelecido como meta e finalidade de toda a história. Essa “VISÃO DE MUNDO” anticristã é apenas aparentemente não cristã; pois ela concorda, de qualquer forma, no essencial com aquele modo de pensar, que caracteriza o “liberalismo”. 3) O transcendente é aqui uma “ideia” ou “valores” ou um “sentido”, algo pelo que nem se vive, nem se morre, mas que deve se realizar por meio da “cultura”. 4) A cada vez duas dessas transcendências – ideias populistas e Cristianismo, ou ideias populistas e política cultural, ou Cristianismo e cultura – ou, contudo, todas as três encontram-se misturadas em diversos graus de determinação. E esse construto misto é a “VISÃO DE MUNDO” hoje mediana e predominante, na qual tudo é também visado e nada mais pode chegar a uma decisão. [tr. Casanova; GA65: 7]

A “VISÃO DE MUNDO” dirige a experiência para uma via determinada e para a sua esfera, até o ponto sempre em que a VISÃO DE MUNDO nunca é colocada em questão; a VISÃO DE MUNDO estreita e impede, por isto, a experiência propriamente dita. Esta é a sua força, visto a partir dela. A filosofia abre a experiência. Por isto, contudo, ela não consegue fundar precisamente de maneira imediata a história. VISÃO DE MUNDO é sempre um fim, na maioria das vezes um fim longamente estendido e nunca sabido. Filosofia é sempre um início e exige a superação de si mesma. VISÃO DE MUNDO precisa recusar para si novas possibilidades, a fim de manter a si mesma. A filosofia pode durante muito tempo ficar de fora e aparentemente desaparecer. As duas têm os seus tempos diferentes e se mantêm no interior da história em níveis totalmente diversos do ser-aí. A diferenciação entre “filosofia científica” e “filosofia da VISÃO DE MUNDO” é a última ramificação da perplexidade filosófica do século 19, em cujo transcurso a “ciência” conquistou um significado popular técnico peculiar e, por outro lado, a “VISÃO DE MUNDO” do particular, como um substitutivo do solo desaparecido, de maneira bastante fraca, deveria manter coesos ainda os “ideais” e “valores”. [tr. Casanova; GA65: 14]

O que se esconde como um resíduo autêntico verdadeiro no pensamento da filosofia “científica” (cf a concepção profunda em Fichte e Hegel) é o seguinte: com base e em consequência da ideia do saber como certeza (certeza de si), fundamentar e construir o sabível de maneira uniformemente sistemática (matemática). Ainda vive nesse intuito da filosofia “científica” um ímpeto da própria filosofia, para salvar a sua coisa mais própria em face da arbitrariedade da opinião estruturada em termos de VISÃO DE MUNDO que vem a ser de modo arbitrário e em face do tipo necessariamente restritivo e imperioso da VISÃO DE MUNDO em geral. Pois mesmo na VISÃO DE MUNDO “liberal” encontra-se ainda esse elemento presunçoso no sentido de que ela exige que deixemos cada um ter sua opinião. A arbitrariedade, contudo, é a escravidão do “contingente”. Mas a coisa mais própria à filosofia é esquecida, mal interpretada por meio da “teoria do conhecimento”; e onde a “ontologia” ainda é compreendida (Lotze), ela permanece uma disciplina entre outras. O fato de e o modo como aqui a antiga questão diretriz (ti to ón) se salvou através da filosofia moderna, ainda que ela tenha aí se transmutado, não alcança um claro saber, porque falta à filosofia já a necessidade e ela deve o seu “cultivo” agora ao seu caráter enquanto “bem cultural”. [tr. Casanova; GA65: 14]

VISÃO DE MUNDO”, exatamente como o domínio de “imagens de mundo”, é uma planta da Modernidade, uma consequência da metafísica moderna. Neste ponto se encontra também fundamentado o por quê de a “VISÃO DE MUNDO”, então, tentar se estabelecer acima da filosofia. Pois com a emergência das “visões de mundo” desaparece a possibilidade de uma vontade de filosofia; e isto até o grau em que a VISÃO DE MUNDO precisa se defender, por fim, da filosofia. Isto acontece com ela tanto mais cedo, quanto mais a filosofia se vê entrementes diante da necessidade de decair e quanto mais ela só consegue se mostrar ainda como erudição. Este fenômeno peculiar do domínio de “ visões de mundo” – e, em verdade, não casualmente – também tentou se utilizar da última grande filosofia: da filosofia de Nietzsche. Isto acontece tanto mais facilmente, uma vez que o próprio Nietzsche negou a filosofia como “erudição” e, com isto, se colocou aparentemente do lado da “VISÃO DE MUNDO” (como “filósofo poeta”!). [tr. Casanova; GA65: 14]

VISÃO DE MUNDO” é sempre “maquinação” em face do que é legado pela tradição para a sua superação e controle com os meios que lhe são próprios e que são por ela preparados, mas que não chegaram a alcançar um equilíbrio – tudo levado para o cerne da “vivência”. Filosofia tem como fundação da verdade do seer a origem nela mesma; ela precisa retornar a si mesma naquilo que ela funda e e-dificar unicamente a partir daí. Filosofia e VISÃO DE MUNDO são tão incomparáveis, que não há para a concretização plástica dessa diversidade nenhuma imagem possível. Toda imagem continuaria trazendo as duas para muito próximo uma da outra. [tr. Casanova; GA65: 14]

O “domínio” velado, mas vivido até o fim, das igrejas, o caráter corrente e a acessibilidade das “visões de mundo” para as massas (como substitutivo do “espírito” há muito prescindido e da referência às “ideias”), o levar adiante indiferente da filosofia como erudição e ao mesmo tempo de maneira mediada e imediata como escolástica da igreja e da VISÃO DE MUNDO, tudo isto manterá durante muito tempo afastada a filosofia enquanto cofundação criadora do ser-aí a partir da onisciência corrente e ágil da opinião pública. Isto não é naturalmente algo que se precisaria “lastimar”, mas apenas o sinal de que a filosofia vai ao encontro de um envio destinamental autêntico de sua essência. E tudo depende de nós não perturbarmos esse envio, nem o desfigurarmos muito menos por meio de uma “apologética” da filosofia, uma maquinação, que necessariamente permanece sempre abaixo de sua posição hierárquica. Com certeza, porém, é necessária a meditação sobre a aproximação desse envio destinamental da filosofia, o saber sobre aquilo que perturba e desfigura e que gostaria de fazer valer a pseudoessência da filosofia. Esse saber interpretaria com certeza mal a si mesmo, se ele se deixasse atrair pela possibilidade de tornar aquele elemento adverso objeto da refutação e da confrontação. O saber da inessência precisa permanecer aqui constantemente um passar ao largo. [tr. Casanova; GA65: 14]

A essência maquinadora-vivencial da VISÃO DE MUNDO impõe a reconfiguração das respectivas visões de mundo a oscilar de cá para lá nas mais amplas oposições e, por isto, a se cristalizar também respectivamente em equilíbrios. O fato de a “VISÃO DE MUNDO” poder ser precisamente a questão mais própria do particular e de sua respectiva experiência vital, assim como de ela apontar para a formação mais própria de opiniões; o fato de, em contrapartida, a “VISÃO DE MUNDO” poder vir à tona como total, eliminando toda e qualquer opinião própria: tudo isto pertence à mesma essência da VISÃO DE MUNDO em geral. Quanto mais ilimitadamente aquela se apresenta em sua arbitrariedade, tanto mais rigidamente esta se acha em seu caráter derradeiro. Todavia, fácil de apreender é aqui o recíproco e o mesmo: o caráter derradeiro é apenas a unicidade ampliada até o cerne da completude da validade universal, e a arbitrariedade é a arbitrariedade para cada singularização possível de algo só derradeiro para ele. Por toda parte falta a necessidade do que emergiu, mas, com isto, também a abissalidade do elemento criador. A cada vez a suspeita e a desconfiança em relação à filosofia é igualmente grande e diversa. [tr. Casanova; GA65: 14]

Toda e qualquer postura, que requisite para si a determinação e a regulação de todo tipo de agir e de pensar, precisa computar ainda incontornavelmente aquilo que poderia vir à tona para além daí como necessidade como estando entre o que se mostra como opositor e mesmo degradador. Como é que deveria ser possível chegar também a uma VISÃO DE MUNDO “total”, uma vez que algo assim só é possível, para não falar de essencial, algo que ela mesma ultrapassa em profundidade e altitude, vinculando a outras necessidades, que são tão pouco sustentadas de fora, que elas emergem mesmo de seu fundamento velado (por exemplo, da essência do povo). Assim, surge aqui uma dificuldade inultrapassável, que não tem como ser dirimida por nenhum equilíbrio e por nenhum acordo. A VISÃO DE MUNDO total precisa se fechar completamente para a abertura de seu fundamento e para a sondagem do reino de sua ‘‘criação”; ou seja, sua criação nunca pode chegar à essência e se tornar o criar-para-além-de-si, porque a VISÃO DE MUNDO total precisaria, com isto, colocar a si mesma em questão. A consequência é a seguinte: a criação é desde o princípio substituída pelo funcionamento. Os caminhos e os riscos do criar de outrora são erigidos no gigantesco da maquinação, e esse elemento maquinal é a aparência da vitalidade do elemento criador. [tr. Casanova; GA65: 14]

Só o questionamento e a decisão para a questionabilidade podem ser contrapostos à “VISÃO DE MUNDO”. Toda e qualquer tentativa de mediação – de onde quer que essa tentativa possa vir – enfraquece os posicionamentos e afasta a possibilidade do âmbito da luta autêntica. [tr. Casanova; GA65: 14]

Ora, mas mesmo a filosofia e ela antes de tudo não tem a pretensão ao “total”? E isto não se mostra completamente lá onde nós a determinamos como o saber do ente enquanto tal na totalidade? De fato, enquanto pensarmos sob a forma da filosofia até aqui (metafísica) e tomarmos essa metafísica em sua cunhagem cristã (na sistemática do Idealismo Alemão). Mas aqui precisamente a filosofia (em termos modernos) já se encontra a caminho da “VISÃO DE MUNDO” (não há nenhuma dúvida de que a palavra se torna cada vez mais vigente na esfera desse “pensar”). [tr. Casanova; GA65: 14]

Caso aconteça essa segunda opção, então todas as experiências e realizações não serão levadas a termo senão como expressão da “vida” segura de “si mesma” e consideradas, por isso, como organizáveis. Por princípio, não há nenhuma experiência que pudesse colocar o homem algum dia para além de si mesmo em meio a um âmbito inexplorado, a partir do qual o homem de até aqui poderia se tornar questionável. Isto, a saber, aquela segurança de si, é a essência mais íntima do “liberalismo” que, ao que parece, quer se desenvolver livremente precisamente por isto e que pode prescrever para si o progresso por toda a eternidade. Por isto, “VISÃO DE MUNDO”, “personalidade”, “gênio” e “cultura” são as peças desse grande aparato e os “valores”, que de um modo ou de outro precisam ser realizados. [tr. Casanova; GA65: 19]

Será que a decisão é capaz de trazer consigo mais uma vez a fundação dos sítios instantâneos para a fundação da verdade do seer ou será que tudo se desdobrará ainda como “luta” em torno das puras condições do prosseguimento da vida e do esgotamento da vida em dimensões gigantescas, de tal modo que a “VISÃO DE MUNDO” e a “cultura” não se mostrarão mais senão como apoios e como meios de luta desse “combate”? O que se prepara, então, por meio daí? A transição para o animal tecnicizado, que começa a substituir os instintos que já se tornaram mais fracos e mais toscos pelo gigantismo da técnica. Nessa direção de decisão, não é característica a tecnicização da “cultura” e a imposição da “VISÃO DE MUNDO”, mas sim o fato de a “cultura” e de a “VISÃO DE MUNDO” se tornarem meios da técnica de luta para uma vontade, que não quer mais nenhuma meta; pois conservação do povo não é nunca uma meta possível, mas apenas condição do estabelecimento de uma meta. Se a condição, porém, se transforma em algo incondicionado, então ganha o poder o não querer da meta, o seccionamento de toda meditação que venha a emergir da origem. Desaparece, então, completamente a possibilidade do conhecimento de que “cultura” e “VISÃO DE MUNDO” são já estacas de uma ordem do mundo, que deve ser supostamente superada. “Cultura” e “VISÃO DE MUNDO” não perdem o seu caráter por meio do fato de elas serem colocadas a serviço da política; quer elas sejam consideradas como valores “em si” ou como valores “para” o povo, a cada vez a meditação, se é que ela é efetivamente uma tal meditação, está firmemente encravada no não querer as metas originárias, isto é, a verdade do seer, na qual se decide pela primeira vez sobre a possibilidade e a necessidade de “cultura” e “VISÃO DE MUNDO”. [tr. Casanova; GA65: 45]

O fato de ainda se transformar hoje e até mesmo uma vez mais a “antropologia” no ponto central da escolástica da VISÃO DE MUNDO mostra de maneira mais penetrante do que qualquer comprovação histórica as dependências para as quais as pessoas estão se preparando ainda uma vez, na medida em que elas se recolocam sobre o solo de Descartes. Que visual a antropologia porta nesse caso, se um visual iluminista e moral, se um psicológico e científico-natural, se um personalista e ligado às ciências humanas, se um visual cristão ou um politicamente marcado pelo elemento populista, é completamente indiferente: a questão justamente é saber se a Modernidade é aí concebida como um fim e um outro início ou se as pessoas se cristalizaram na eternização de uma decadência que perdura desde Platão, o que só se pode de qualquer modo empreender, caso elas se convençam de sua ignorância enquanto superação da tradição. [tr. Casanova; GA65: 69]

Nisso reside ao mesmo tempo: a meditação assim configurada sobre a ciência ainda é a única meditação filosoficamente possível, contanto que a filosofia já se movimente na transição para o outro início. Todo e qualquer tipo de fundamentação científico-teórica (transcendental) se tornou tão impossível quanto uma “dotação de sentido”, que atribui à ciência presente à vista e, com isso, não alterável em sua consistência essencial, tanto quanto ao seu funcionamento, o estabelecimento de uma meta populista e política ou de alguma outra meta antropológica. Essas “fundamentações” se tornaram impossíveis, porque elas pressupõem necessariamente “a ciência” e, então, só são dotadas com um “fundamento” (que não é fundamento algum) e um sentido (para o qual falta a meditação). Por meio daí, “a ciência” e, com isso, a solidificação do abandono do ser empreendida por ela se tornaram, com maior razão, definitivas. Assim, toda e qualquer questão acerca da verdade do seer (toda filosofia) é alijada do âmbito do agir como desnecessária e como realizada sem necessidade. Mas precisamente esse alijamento da possibilidade (da possibilidade interna) de toda e qualquer meditação sobre o pensar enquanto pensar do seer, porque ele não possui a menor ideia do que ele mesmo faz, é impelido a mexer com maior razão com as formas de pensamento, os meios de pensamento e as regiões de pensamento da metafísica até aqui pegos sem escolha com vistas à produção de uma bebida “ligada à VISÃO DE MUNDO”, e a aprimorar a filosofia passada e a se comportar em tudo isso “de maneira revolvida”; revolvimento esse que (equivalendo a uma instituição de todos os lugares comuns possíveis) merece ser chamado simplesmente de “revolucionário” em comparação com a ausência de veneração insuperável em relação aos grandes pensadores. Veneração é naturalmente algo diferente de elogio e de deixar viger por “seu” tempo, caso alguém quisesse se reportar a algo desse gênero. [tr. Casanova; GA65: 73]

10) Na medida em que “a ciência” tem na investigação integral de sua região a única tarefa que lhe é própria, a ciência mesma porta em si o traço de uma elevação da posição de primado do avanço e do procedimento em face da própria região de objetos. A questão decisiva para a ciência enquanto tal não é que caráter essencial tem o ente mesmo que se acha à base da sua região de objetos, mas se com esse ou com aquele procedimento é possível esperar por um “conhecimento”, isto é, por um resultado para a investigação. Diretriz é o olhar para a instituição dos “resultados” e para a colocação dos “resultados” à disposição. Os resultados e até mesmo o seu caráter imediata e inteiramente próprio para a utilização asseguram a correção da investigação, correção científica essa que é considerada como a verdade de um saber. Ao se reportar aos “resultados” e à sua utilidade, “a” ciência precisa buscar a partir de si a ratificação de sua necessidade (não faz em essência nenhuma diferença se, nesse caso, “a ciência” se justifica como “valor cultural” ou como “serviço ao povo” ou como “ciência política”, razão pela qual, então, todas as justificativas e “dotações de sentido” desse tipo correm umas através das outras e se comprovam cada vez mais, apesar da aparente inimizade, como se copertencendo). Só uma ciência inteiramente moderna (isto é, “liberal”) pode ser uma “ciência popular”. Só a ciência moderna permite, com base na posição de primado do procedimento em face da coisa e da correção do juízo em face da verdade do ente uma comutação regulável sempre e a cada vez de acordo com a necessidade e com vistas a diversas finalidades (levar a termo o materialismo e o tecnicismo decisivos no bolchevismo; entrada em ação no plano quadrienal; utilização para a educação política). “A” ciência é aqui por toda parte a mesma, e ela se torna por meio desses diversos estabelecimentos de finalidades no fundo cada vez mais uniforme, isto é, “internacional”. Como a “ciência” não é nenhum saber, mas a instituição de correções em uma região explicativa, “as ciências” também experimentam necessariamente a partir do estabelecimento de finalidades a cada vez novas ao mesmo tempo novos “impulsos”, com a ajuda dos quais elas podem se convencer ao mesmo tempo da inexistência de toda e qualquer ameaça (a saber, de toda e qualquer ameaça essencial) e continuar investigando com uma “aquietação” renovada. Assim, não foram precisos agora senão poucos anos até que “a ciência” tivesse clareza quanto ao fato de que sua essência “liberal” e seu “ideal de objetividade” não apenas se mostram como bem compatíveis com a “orientação” político-popular, mas são mesmo imprescindíveis para ela. E, por isso, tanto a partir da “ciência”, quanto a partir da “VISÃO DE MUNDO”, é preciso admitir de maneira unânime, que o discurso sobre uma “crise” da ciência de fato não foi senão um falatório. A “organização” “popular” “da” ciência movimenta-se pela mesma via que a organização “americanista”, a questão é apenas de que lado os meios e as forças maiores são colocados para a disposição mais rápida e plena, a fim de sair à caça da essência inalterada e também inalterável por si da ciência moderna, indo ao encontro de seu estado final extremo, uma “tarefa” que pode precisar ainda de séculos e que exclui de maneira cada vez mais definitiva toda e qualquer possibilidade de uma “crise” da ciência, isto é, de uma transformação essencial do saber e da verdade. [tr. Casanova; GA65: 76]

18) A forma oposta moderna em relação à ciência “experimental” é a “historiologia” que cria a partir de “fontes” e sua subespécie, a pré-historiologia, na qual talvez a essência de toda historiologia, o fato de que ela nunca alcança a história, pode ser elucidada da maneira mais penetrante possível. Toda “historiologia” se alimenta da comparação e serve à ampliação das possibilidades de comparação. Apesar de a comparação ter em vista aparentemente as diferenças, as diferenças nunca se tornam de qualquer modo para a historiologia uma diversidade decidida, ou seja, a unicidade do único e do simples, em face do qual a historiologia, caso ela pudesse se colocar algum dia diante de tal elemento único, precisaria reconhecer a si mesma como insuficiente. O pressentimento inconsciente da negação ameaçadora de sua própria essência pelo histórico é o fundamento de todos o mais íntimo, razão pela qual a comparação historiológica só concebe as diferenças, para ordená-las em uma região ulterior e mais enredada da comparabilidade. Toda comparação, no entanto, é em essência uma igualação, a rearticulação com algo igual, que não chega enquanto tal de modo algum ao saber, mas constitui aquele elemento autoevidente, a partir do qual toda explicação e referência possuem a sua clareza. Quanto menos a própria história, quanto mais apenas os feitos, as obras, os produtos e as opiniões são indicados, calculados de maneira exaustiva e apresentados enquanto eventos em sua sequência e diversidade, tanto mais facilmente a historiologia pode satisfazer o rigor que lhe é próprio. O fato de ela sempre se mover nessa região é comprovado da maneira mais evidente possível por meio do modo do “progresso” das ciências historiológicas. Esse progresso consiste na respectiva troca e na troca respectivamente diversa e causada das perspectivas diretrizes da comparação. A descoberta do assim chamado novo “material” é sempre a consequência, não o fundamento da perspectiva escolhida de maneira nova da explicação. Nesse caso, há tempos que se restringem, em meio ao aparente alijamento de todas as “interpretações” e “apresentações”, ao asseguramento das “fontes” que, então, são elas mesmas designadas os “resultados” propriamente ditos. Mas mesmo esse asseguramento dos “resultados” e do que pode ser encontrado passa ao mesmo tempo e necessariamente para o interior de uma explicação e, com isso, para a requisição de uma perspectiva diretriz (a mais tosca subordinação e inserção de um resultado na ordem do já encontrado é uma explicação). No transcurso do desenvolvimento da historiologia, não é apenas o material que cresce. Ele não se torna apenas mais abarcável e, por meio de instituições mais refinadas, mas rápido e confiavelmente acessível, mas ele se torna antes de tudo em si mesmo cada vez mais constante, isto é, mais invariável na mudança das perspectivas, às quais ele é submetido. O trabalho historiológico se torna por meio daí cada vez mais confortável porque só a aplicação de uma nova perspectiva interpretativa no material fixado precisa ainda ser levada a termo. A perspectiva interpretativa, porém, nunca é trazida à tona pela historiologia mesma, mas a historiologia se mostra sempre apenas como o reflexo da história atual, na qual o historiólogo se encontra, mas que ele não conhece precisamente em termos históricos. Ao contrário, a historiologia só consegue explicar as coisas, por fim, historiologicamente. A alternância da perspectiva interpretativa, contudo, garante, então, por um tempo mais longo, uma vez mais uma profusão de novas descobertas, o que, por outro lado, fortalece a historiologia mesma no autoasseguramento de sua progressividade, fixando-a cada vez mais no desvio que lhe é próprio ante a história. No entanto, caso uma determinada perspectiva interpretativa seja alçada ao nível da única perspectiva normativa, então a historiologia encontra nessa univocidade da perspectiva diretriz, além disso, ainda um meio para se elevar a uma posição acima da historiologia até aqui, alternante em suas perspectivas, e levar essa constância de sua “pesquisa” à correspondência há muito desejada com as “ciências exatas”, se tornando propriamente “ciência” – o que se anuncia no fato de que ela se torna capaz de ser funcionalizada e “institucionalizada” (por exemplo, de maneira correspondente às instituições da sociedade do Imperador Guilherme). Essa consumação da historiologia na “ciência” assegurada não é de maneira alguma contradita pelo fato de que sua principal realização é levada a cabo desde então sob a forma da produção de relatos (reportagens) e de que os historiólogos se tornam ávidos por tais apresentações da história do mundo. Pois a “ciência da imprensa” já está, e não por acaso, em curso. Ainda se vê nela uma subespécie, se não até mesmo uma degradação da historiologia, mas, em verdade, ela é apenas a derradeira antecipação da essência da historiologia enquanto ciência moderna. É preciso atentar para a junção inevitável dessa “ciência da imprensa” no sentido amplo com a indústria editorial. As duas, em sua unidade, emergem da essência técnica moderna. (Por isto, logo que a “Faculdade de filosofia” se decidir a se transformar naquilo que ela agora já é, a ciência da imprensa e a geografia se tornarão as suas ciências fundamentais. O definhamento interior dessas “faculdades”, que se estende por toda parte de maneira clara, é apenas a consequência da falta de coragem para alijar de maneira decidida o seu caráter aparente como faculdades filosóficas e abrir ao caráter de funcionamento das “ciências do espírito” (ciências humanas) futuras plenamente o espaço para a sua instituição). Apesar de a teologia continuar sendo determinada de maneira diversa no que concerne à “VISÃO DE MUNDO”, ela se acha, em termos puramente sintõnicos com o funcionamento, a serviço de sua determinação enquanto ciência, muito mais avançada do que as “ciências do espírito” (ciências humanas), razão pela qual não há nenhum problema quando a faculdade de teologia, em verdade, é colocada em uma posição atrás da faculdade de medicina e de direito, mas à frente da faculdade de filosofia. A historiologia, sempre compreendida a partir do caráter requisitado pela ciência moderna, implica um constante desvio diante da história. Mesmo nesse desvio, porém, ela mantém ainda uma ligação com a história, e isso traz a historiologia e o historiólogo para o interior de uma ambiguidade. Se a história não é explicada historiologicamente e computada erroneamente com vistas a uma imagem determinada para finalidades determinadas de uma tomada de posição e da formação de uma mentalidade, se a história mesma é muito mais reconduzida à unicidade de sua inexplicabilidade e, por meio dela, todo o revolvimento historiológico e toda opinião e crença que emergem desse revolvimento são colocados em questão e levados à constante decisão sobre si mesmos, então se leva a cabo aquilo pode ser denominado pensamento histórico. O pensador histórico é tão essencialmente diverso do historiólogo quanto do filósofo. Ele é aquele que menos pode ser confundido com certos pseudoconstrutos, que se costuma chamar de “filosofia da história”. O pensador histórico tem o meio de sua meditação e apresentação a cada vez em um determinado âmbito de criação, de decisões, assim como ele tem o ápice e as precipitações no interior da história (quer se trate da poesia, quer se trate das artes plásticas, quer se trate da fundação de Estado ou da liderança). Na medida em que a era atual e a era futura se desdobram, apesar de o fazerem de uma maneira completamente diversa, como eras históricas – a era atual-moderna, na medida em que ela reprime historiologicamente a história, sem poder se desviar dela; a era futura, na medida em que ela precisa oscilar entre a simplicidade e a agudeza de um ser histórico –, elas apagam para si hoje, visto de fora, necessariamente os limites de configuração do historiólogo e do pensador da história; isso tanto mais, uma vez que a história, de maneira correspondente à cunhagem crescente de seu caráter marcado pela ciência da imprensa e com base em suas exposições conjuntas realizadas em conformidade com as reportagens, difunde a aparência fatídica de uma consideração supracientífica da história e, assim, confunde completamente a meditação histórica. Essa confusão, porém, é intensificada ainda uma vez por meio da apologética da história cristã que chegou ao poder e se exercitou na Civitas dei de Agostinho, a cujo serviço hoje mesmo todos os não cristãos já entraram, para os quais tudo depende de uma mera salvação do que se tinha até aqui, isto é, de que se impeçam decisões essenciais. O autêntico pensamento histórico, por isso, só pode se tornar cognoscível para poucos, e, a partir desses poucos, só os raros salvarão o saber histórico, atravessando a mistura geral de uma opinião historiológica em meio à prontidão para a decisão de uma geração futura. De modo ainda mais distante do que a história, é a natureza que está para aí voltada, e o interdito em relação a ela é tanto mais completo, uma vez que o conhecimento da natureza se desenvolve na direção da perspectiva “orgânica”, sem saber que o “organismo” não representa senão a consumação do “mecanismo”. Por isto, chega-se ao ponto no qual uma era do “tecnicismo” desenfreado pode encontrar ao mesmo tempo a sua autointerpretação em uma “VISÃO DE MUNDO orgânica”. [tr. Casanova; GA65: 76]

A transição para o outro início realiza uma cesura, que há muito não se dá mais entre direções da filosofia (idealismo – realismo etc.) ou mesmo entre posturas da “VISÃO DE MUNDO”. A transição cinde a emergência do seer e a fundação de sua verdade na existência de toda ocorrência e apreensão do ente. [tr. Casanova; GA65: 89]

Para além das forças contrárias, dos impulsos contrários e das instituições contrárias precisa ter início algo completamente diverso. Para a mudança e para a salvação da história ocidentalmente determinada, isso significa: as decisões futuras não são tomadas nos âmbitos até aqui, que ainda são mantidos pelos contramovimentos (“cultura” – “VISÃO DE MUNDO”), mas o lugar da decisão precisa ser primeiro fundado e, em verdade, por meio da abertura da verdade do seer em sua unicidade, que reside antes de todas as oposições à “metafísica” até aqui. [tr. Casanova; GA65: 92]

A filosofia é “ciência”, isto é, não que ela deva fazer o mesmo que as “ciências” que de resto se encontram presentes (ao invés de ser uma “VISÃO DE MUNDO”, uma “arte de viver” e uma “sabedoria”); ao contrário, dizer que ela é “ciência” significa antes de tudo dizer que: o pensar em sua figura suprema é o fio condutor incondicional da interpretação do ente enquanto tal, isto é, da tarefa única da filosofia. Por isto, para Fichte, a “doutrina da ciência” = à metafísica, do mesmo modo que para Hegel: a metafísica = à “ciência da lógica”. [tr. Casanova; GA65: 102]

10) Mas não é apenas o Cristianismo e sua interpretação do “mundo” que encontrou aqui o seu quadro e o prelineamento de sua constituição, mas toda interpretação pós-cristã, anticristã e a-cristã ocidental do ente e do homem no interior dessa interpretação. O epekeina tes ousias como agathon (ou seja: a negação principial do continuar questionando de maneira mais originária acerca do ente enquanto tal, isto é, acerca do ser) é o arquétipo para toda a interpretação do ente e de sua determinação e configuração no quadro de uma “cultura”; a avaliação segundo valores culturais; a interpretação do “real e efetivo” com vistas ao seu “sentido”; segundo “ideias” e a mensuração pelos ideais, a formação de uma idea, intuição do ente na totalidade, “do mundo”, isto é, VISÃO DE MUNDO. Onde a “VISÃO DE MUNDO” impera e determina o ente, o platonismo não se acha em obra de maneira enfraquecida nem desconhecida; e isso de modo tanto mais tenaz lá onde o platonismo é atravessado pela reinterpretação moderna da idea. [tr. Casanova; GA65: 110]

Nada é aqui pressentido da incomparabilidade da posição fundamental no outro início. Que o salto, aqui como pergunta acerca da essência da verdade mesma, traz pela primeira vez o homem para o interior do campo de jogo do acometimento e da permanência de fora da chegada e da fuga dos deuses. O outro início não pode querer senão isso. Computado a partir do que se teve até aqui, isso significa a recusa a uma validade e a um emprego no sentido de uma “VISÃO DE MUNDO”, de uma “doutrina” e de um anúncio. [tr. Casanova; GA65: 119]

O que é previamente pensado com isso no contexto de Ser e tempo e só aí, isto é, o que é previamente pensado em termos de uma “ontologia fundamental”, jamais de modo antropológico e em termos de “VISÃO DE MUNDO”, ninguém pressentiu e ninguém ousou refletir. [tr. Casanova; GA65: 161]

O ser para a morte precisa ser concebido como determinação do ser-aí e apenas assim. Aqui se realiza a mensuração mais extrema da temporalidade e, com isso, a referência do espaço da verdade do seer, a indicação do tempo-espaço. Portanto, não para negar o “seer”, mas sim para instituir o fundamento de sua afirmabilidade plena e essencial. Como é mesquinho e barato, porém, extrair a palavra “ser para a morte”, dispor sobre ela uma “VISÃO DE MUNDO” tosca e, então, colocá-la em Ser e tempo. Aparentemente, esse cálculo irrompe de modo particularmente bom, uma vez que se está falando nesse “livro” de resto do “nada”. Assim, obtemos a conclusão seca: ser para a morte, isto é, ser para o nada e esse ser para o nada como a essência do ser-aí! E isso não deve ser nenhum niilismo. Mas o que importa não é dissolver o ser do homem na morte e declará-lo a mera nulidade, mas, ao contrário: inserir a morte na ligação com o ser-aí, a fim de dominar o ser-aí em sua amplitude abissal e, assim, mensurar completamente o fundamento da possibilidade da verdade do seer. [tr. Casanova; GA65: 162]

Em termos de “VISÃO DE MUNDO”, o ser para a morte permanece inacessível; e, se ele é assim equivocadamente interpretado, como se o sentido de ser em geral e, com isso, a sua “nulidade” no sentido habitual devessem ser ensinados, então tudo é arrancado de seu contexto essencial. O essencial não é levado a termo, a saber, o pensar próprio à suma conceitual do ser-aí, em cuja clareira se desentranha a plenitude da essenciação do seer em se encobrindo. [tr. Casanova; GA65: 163]

Quando cheguei a determinações tais como: o ser-aí é ao mesmo tempo na verdade e na não-verdade, então se compreendeu essa sentença imediatamente de uma maneira moral ligada a uma VISÃO DE MUNDO, sem apreender o decisivo da meditação filosófica, a essenciação do “ao mesmo tempo” como essência fundamental da verdade, e sem uma concepção originária da não-verdade no sentido do encobrimento (e não, por exemplo, da falsidade). [tr. Casanova; GA65: 226]

O desprendimento da filosofia dos enredamentos na fundamentação da ciência, na interpretação cultural, na servidão à VISÃO DE MUNDO, na metafísica como a sua própria essência primeira que se degrada em inessência é apenas a consequência do outro início e só pode ser dominado verdadeiramente como tal consequência. O outro início é a assunção mais originária da essência velada da filosofia, que emerge ela mesma da essência do seer e, de acordo com a respectiva pureza da origem, permanece próximo da essência da decisão do pensar “do” seer. [tr. Casanova; GA65: 259]

A negação do ser aos “deuses” só significa de início que o ser não se encontra “acima” dos deuses; mas também que esses não se encontram “acima” do ser. Com certeza, porém, “os deuses” necessitam do seer, com cuja sentença já é pensada a essência “do” seer. “Os deuses” precisam do seer não como a sua propriedade, na qual eles mesmos encontram um apoio. “Os deuses” precisam do seer, a fim de pertencerem por meio do seer, que não lhes pertence, efetivamente a si mesmos. O seer é o que é usado pelos deuses; ele é sua indigência, e o caráter indigente do seer nomeia a sua essenciação, o que é exigido pelos “deuses”, mas que não é nunca causável e condicionável. O fato de “os deuses” precisarem do seer lança eles mesmos no abismo (a liberdade) e exprime o fracasso de toda e qualquer fundamentação e demonstração. E por mais obscuro que possa permanecer o caráter indigente do seer para o pensar, ele fornece de qualquer modo o primeiro ponto de apoio, para pensar “os deuses” como aqueles que precisam do seer. Nós levamos a termo, com isso, os primeiros passos na história do seer, de tal modo que o pensar da história do seer desponta, assim, pela primeira vez e todo empenho por se dispor a obrigar o dito nesse começo a alcançar uma compreensibilidade habitual se revela como vão e, antes de tudo, contra o modo de ser desse pensamento. Se, porém, o seer é o caráter indigente do deus, por mais que o seer mesmo só encontre no re-pensar a sua verdade e por mais que esse pensar seja a filosofia (no outro início), então “os deuses” precisam do pensar da história do seer, isto é, da filosofia. Todavia, “os deuses” não carecem da filosofia como se eles mesmos precisassem filosofar e o fizessem em virtude de sua deização, mas é preciso que a filosofia se dê, se é que “os deuses” devem ganhar uma vez mais o espaço da decisão e se é que a história deve alcançar o fundamento de sua essência. A partir dos deuses determina-se o pensar da história do seer como aquele pensar do seer que concebe o abismo da indigência do seer como o primeiro e nunca busca no divino mesmo como o supostamente mais essente a essência do seer. O pensar da história do seer encontra-se fora de toda e qualquer teologia e também não conhece, porém, nenhum ateísmo no sentido de uma “VISÃO DE MUNDO” ou de uma doutrina configurada de outro modo qualquer. [tr. Casanova; GA65: 259]

Na medida, porém, em que os deuses e o homem ganham a contra-posição na indigência do seer, o homem é jogado para fora de sua posição até aqui, modernamente ocidental, sendo colocado em uma posição aquém de si mesmo em espaços de determinação completamente diversos, nos quais a animalidade tanto quanto a racionalidade não têm como assumir uma posição essencial, por mais que, no futuro, a constatação dessas propriedades junto ao homem presente à vista tenham a sua correção (ainda que seja sempre preciso perguntar quem são aqueles que acham algo assim correto e até mesmo constroem com vistas a tais correções “ciências” como a biologia e a doutrina das raças e estabelecem ao mesmo tempo com isso supostamente os fundamentos da “VISÃO DE MUNDO”; o que é sempre a ambição de toda e qualquer “VISÃO DE MUNDO”). Com o projeto do seer como acontecimento apropriador também se pressente pela primeira vez o fundamento e, com isso, a essência e o espaço essencial da história. A história não é nenhum privilégio do homem, mas é a essência do próprio seer. A história só se desenrola no entre da contraposição dos deuses e do homem como o fundamento da contenda de mundo e terra; e ela não é outra coisa senão o acontecimento da apropriação desse entre. A historiologia nunca alcança, por isso, a história. A diferenciação entre o seer e o ente é uma de-cisão tomada a partir da essência do próprio seer que se estende muito para além, uma de-cisão que só pode ser pensada assim. [tr. Casanova; GA65: 268]