As “contribuições” perguntam em uma via que é inicialmente aberta pela transição ao outro início, para o interior do qual o pensamento ocidental agora se volta. Essa via lança a transição no espaço aberto da história e a fundamenta como uma estada talvez muito longa, em cuja realização o outro início do pensamento permanece sempre apenas o pressentido, mas já de qualquer modo decidido. Com isto, apesar de já falarem e mesmo de só falarem da essência do seer, isto é, do “acontecimento apropriador”, as “Contribuições” ainda não conseguem juntar a junção livre e fugidia da VERDADE DO SEER a partir dele mesmo. Se isso algum dia tiver lugar, então essa essência do seer determinará em seu estremecimento o conjunto articulado da obra pensante ela mesma. Esse estremecimento se fortalece, então, em nome do poder da ternura liberada característica de uma intimidade daquela deização do deus dos deuses, a partir da qual acontece apropriadoramente a destinação do ser-aí para o seer, como para a fundação da verdade que é concernente ao seer. [tr. Casanova; GA65: 1]
O tempo dos “sistemas” passou. O tempo da construção da figura essencial do ente a partir da VERDADE DO SEER ainda não chegou. Entrementes, a filosofia precisa ter empreendido algo essencial em meio à transição para o outro início: o projeto, isto é, a abertura fundante do campo de jogo tempo-espacial da VERDADE DO SEER. Como podemos realizar essa tarefa única? Permanecemos aqui sem precursores e sem uma base de sustentação. Meras variações do que se teve até aqui, por mais que aconteçam com a ajuda das maiores misturas possíveis de modos de pensar historicamente conhecidos, não nos fazem sair do lugar. E todo e qualquer tipo de escolástica de visões de mundo se encontra completamente fora da filosofia porque só podem persistir sobre a base da negação da dignidade de questão do seer. A filosofia tem a sua própria dignidade não dedutível e incalculável na dignificação do que é digno de questão. Todas as decisões sobre seu agir são tomadas a partir da preservação dessa dignidade e enquanto preservações dessa dignidade. No entanto, no reino do que há de mais digno de questão, o agir só pode ser um questionar único. Se em algum de seus tempos encobertos a filosofia tem de se decidir, com a clareza de seu saber, por sua essência, então isso tem de se dar na transição para o outro início. [tr. Casanova; GA65: 1]
O outro início do pensamento é assim denominado não porque possua uma forma diversa da que possuia qualquer outra filosofia até aqui, mas porque precisa ser o unicamente outro a partir da ligação com o início unicamente uno e primeiro. A partir dessa articulação mútua de um início com o outro já está também determinado o modo da meditação pensante característico da transição. O pensamento inserido na transição empreende o projeto fundante da VERDADE DO SEER como uma meditação histórica. A história não é aí o objeto e a circunscrição de uma consideração, mas aquilo que o questionar pensante primeiramente desperta e obtém como o sítio de suas decisões. O pensamento no interior da transição coloca o primeiro movimento de essenciação do seer da verdade e o porvir mais extremo da VERDADE DO SEER em discussão e dá voz, em meio a essa discussão, à essência até aqui inquestionada do seer. No saber do pensamento inserido na transição, o primeiro início permanece decisivo como primeiro e é, entretanto, superado como início. Para esse pensamento, a reverência mais clara em relação ao primeiro início, que abre, além disso, pela primeira vez, o seu caráter único, precisa caminhar lado a lado com a ausência de um olhar para trás – uma ausência inerente à virada de outro questionar e dizer. [tr. Casanova; GA65: 1]
A questão do ser é a pergunta sobre a VERDADE DO SEER. A pergunta até aqui da filosofia sobre o ente (a questão diretriz), ao ser levada a termo e concebida historicamente, se torna a questão fundamental. [tr. Casanova; GA65: 2]
A pergunta sobre a VERDADE DO SEER aponta certamente para a inserção violenta em algo resguardado; pois a VERDADE DO SEER – como verdade pensante ela é o saber insistente sobre como o seer se essencia – talvez não caiba nem mesmo aos deuses, mas pertença unicamente ao abismal daquela junção destinatória à qual mesmo os deuses estão submetidos. E, no entanto: se o ente é, o seer precisa se essenciar. Mas como se essencia o seer? Mas é um ente? A partir de que outra instância decide aqui o pensar, se não a partir da VERDADE DO SEER. Com isto, o seer não pode mais ser pensado a partir do ente: ele precisa ser descoberto pelo pensamento a partir dele mesmo. [tr. Casanova; GA65: 2]
Por vezes, aqueles fundadores do abismo precisam ser consumidos no fogo do que se guarda, para que o ser-aí venha a ser possível para o homem e, assim, seja salva a constância em meio ao ente, para que o ente mesmo experimente a restauração no aberto da contenda entre terra e mundo. Consequentemente, o ente é voltado para o interior de sua constância por meio do ocaso dos fundadores da VERDADE DO SEER. Tal movimento é exigido pelo próprio seer mesmo. Ele precisa dos que experimentam o ocaso; e, onde quer que um ente apareça, o seer já sempre se a-propriou desses fundadores que perecem em meio ao acontecimento, já sempre os atribuiu a si mesmo. Essa é a essenciação do seer mesmo: nós a denominamos o acontecimento apropriador. A riqueza da ligação volteante do seer com o ser-aí que lhe é entregue apropriadoramente é imensurável. A plenitude do acontecimento da apropriação é incalculável. E somente algo muito diminuto pode ser dito aqui “sobre o acontecimento apropriador” nesse pensar inicial. O que é dito é questionado e pensado em uma “conexão de jogo” do primeiro e do outro início a partir da “ressonância” do seer; ele é questionado e pensado em meio à indigência do abandono do ser para o “salto” em direção ao interior do seer. Esse “salto” tem por fim promover a “fundação” da VERDADE DO SEER como a preparação dos “que estão por vir” e “do último deus”. Esse dizer pensante é uma diretiva. Essa diretiva indica o livre abrigo da VERDADE DO SEER em meio ao ente como algo necessário, sem ser, contudo, uma ordem. Tal pensamento jamais pode ser transformado em uma doutrina: ele se subtrai completamente ao acaso da opinião. Além do mais, ele só dá uma diretiva aos poucos e ao seu saber, quando o que importa é o resgate dos homens da barafunda do não-ente, lançando-os para o interior da maleabilidade à junção característica de uma criação reservada dos sítios que são determinados para o passar ao largo do último deus. Mas se o acontecimento apropriador perfaz a essenciação do seer, o quão perto está, então, o perigo de que ele recuse e precise recusar o acontecimento da apropriação porque o homem perdeu a força para o ser-aí, uma vez que a violência desencadeada do desvario em meio ao gigantesco o dominou sob a aparência da “magnitude”. No entanto, se o acontecimento apropriador se tornar recusa e denegação, isso significa apenas a retração do seer e o abandono do ente ao não-ente? Ou será que a denegação (o caráter de não do seer) pode se tornar no mais extremo o mais distante acontecimento da apropriação, posto que o homem conceba esse acontecimento apropriador e o horror do pudor o recoloque na tonalidade afetiva fundamental da retenção e, com isto, já o exponha para o ser-aí? [tr. Casanova; GA65: 2]
Ninguém compreende o que “eu” penso aqui: deixar o ser-aí eclodir a partir da VERDADE DO SEER (e isso significa a partir da essenciação da verdade), para fundar aí o ente na totalidade e enquanto tal; e, em meio à sua fundação, o homem. [tr. Casanova; GA65: 2]
A partir de um simples toque do pensar essencial, o acontecimento da VERDADE DO SEER precisa ser transposto do primeiro para o outro início, para que, em consonância, ressoe a canção totalmente diversa do seer. E é por isto que a história está aqui realmente por toda parte: a história que se recusa ao historiológico, porque não deixa emergir o passado, mas se mostra em tudo o arrojar-se para além no que está por vir. [tr. Casanova; GA65: 2]
A ressonância do seer como a ressonância da recusa. A conexão de jogo da pergunta sobre o seer. A conexão de jogo é inicialmente conexão de jogo do primeiro início, para que este coloque em jogo o outro início e cresça a partir dessa alternância no jogo a preparação do salto. O salto no seer. O salto projeta o abismo do esfacelamento e assim pela primeira vez a necessidade da fundação do ser-aí destinado a partir do seer. A fundação da verdade como a fundação da VERDADE DO SEER (o ser-aí). [tr. Casanova; GA65: 3]
Tudo se coloca aqui em função da única pergunta acerca VERDADE DO SEER: em função do perguntar. Para que esta tentativa se transforme em um impulso, o espantoso do perguntar precisa ser experimentado em meio à sua realização e se tornar efetivo para o despertar e para o fortalecimento do poder de questão. [tr. Casanova; GA65: 4]
O perguntar sobre a VERDADE DO SEER não se deixa contabilizar a partir do que se deu até aqui. E se ele deve preparar o início de outra história, a execução precisa ser originária. Por mais inacessível que permaneça a confrontação com o primeiro início da história do pensamento, é certo que o perguntar mesmo só precisa considerar a sua indigência e esquecer de tudo à sua volta. A história só emerge no salto imediato por sobre o “historiológico”. [tr. Casanova; GA65: 4]
A pergunta sobre o “sentido”, ou seja, segundo a explicitação presente em Ser e tempo, a pergunta sobre a fundação do âmbito do projeto, em suma, a pergunta sobre a VERDADE DO SEER é e continua sendo minha pergunta e é minha única pergunta, pois ela concerne ao maximamente único. Na era da completa falta de questionamento em relação a todas as coisas é suficiente questionar ao menos uma vez a pergunta de todas as perguntas. [tr. Casanova; GA65: 4]
Na era do carecimento infinito que se origina a partir da indigência velada da falta de penúria, essa pergunta precisa necessariamente parecer como o falatório mais inútil – um falatório para além do qual as pessoas já se lançaram em boa hora. Todavia, resta a tarefa: a restauração do ente a partir da VERDADE DO SEER. [tr. Casanova; GA65: 4]
As recaídas em modos de pensar encalhados e em pretensões da metafísica ainda nos perturbarão por um longo tempo e impedirão a clareza do caminho e a determinação do dizer. Não obstante, o instante histórico da transição precisa ser levado a cabo a partir do saber de que toda metafísica (fundada na pergunta diretriz: “o que é o ente?) permanece sem condições de voltar o homem para as ligações fundamentais com o ente. Como é que ela poderia conseguir alcançar algo assim? Já a vontade para tanto não encontra nenhuma escuta, enquanto a VERDADE DO SEER e sua unicidade não se tornarem necessidade. Como é que o pensamento pode ter sucesso naquilo que anteriormente permaneceu vedado ao poeta (Hölderlin)? Ou será que precisamos apenas arrancar sua via e sua obra do soterramento na direção da VERDADE DO SEER? Estamos equipados para tanto? [tr. Casanova; GA65: 5]
A VERDADE DO SEER só se torna necessidade por meio daqueles que perguntam. Eles são os crentes propriamente ditos, porque eles se mantêm – abrindo a essência da verdade – sobre o solo. Os que perguntam – solitários e sem os artifícios de um encantamento – estabelecem a nova e suprema posição hierárquica da insistência no meio do seer, na essenciação do ser (acontecimento apropriador) como o meio. Os que questionam rejeitaram toda curiosidade, toda avidez pelo novo; sua busca ama o abismo, no qual eles sabem o mais antigo fundamento. [tr. Casanova; GA65: 5]
No conhecimento filosófico, em contrapartida, com o primeiro passo começa uma transformação do homem que compreende, e, em verdade, não no sentido moral-“existenciário”, mas de acordo com o modo de ser do ser-aí. Isto quer dizer: a ligação com o seer e, antes disso sempre, com a VERDADE DO SEER transforma-se ao modo da transposição para o próprio ser-aí. Como no conhecimento filosófico tudo é a cada vez e ao mesmo tempo transposto extasiadamente – o ser humano em seu estar aprumado na verdade, essa verdade mesma e, com isto, a ligação com o seer – e como uma representação imediata de algo presente nunca é possível, o pensar da filosofia permanece estranho. [tr. Casanova; GA65: 5]
Sobretudo no outro início é preciso que – em consequência da pergunta acerca da VERDADE DO SEER – seja logo levado a termo o salto para o interior do “entre”. O “entre” do ser-aí supera o chorismos; não na medida em que ele constrói uma ponte entre o seer (a entidade) e o ente como margens por assim dizer presentes, mas na medida em que ele transforma o seer e o ente ao mesmo tempo em sua coetaneidade. O salto no entre conquista pela primeira vez por meio do salto o ser-aí e não ocupa um suporte já pronto. [tr. Casanova; GA65: 5]
A tonalidade afetiva fundamental do pensar no outro início oscila nas tonalidades afetivas, que à distância só se deixam nomear como o espanto – a retenção – o pressentimento – o pudor. A ligação interna entre elas só é experimentada em meio ao pensar integral das junções particulares, nas quais a fundação da VERDADE DO SEER e da essenciação da verdade precisa juntar. Para a unidade dessas tonalidades afetivas falta a palavra, e, contudo, seria necessário encontrar a palavra, a fim de evitar a fácil incompreensão em jogo em se supor que tudo estivesse colocado aqui em função de uma fraqueza covarde. É assim que o “heroísmo” barulhento deve julgar. [tr. Casanova; GA65: 5]
O pudor é o modo do aproximar-se e do permanecer perto do que há de mais distante enquanto tal, que, contudo, em seu aceno – quando ele é mantido no pudor – se transforma no que há de mais próximo e reúne todas as referências do seer em si. Todavia, quem consegue afinar essa tonalidade afetiva fundamental da retenção espantada e marcada pelo pudor no homem essencial? E quantos ainda mensurarão o fato de essa afinação não fundar nenhum desvio diante do ente, mas o contrário: a abertura de sua simplicidade e grandeza e a necessidade originariamente coagida de abrigar no ente a VERDADE DO SEER, a fim de dar assim ao homem histórico ainda uma vez uma finalidade: tornar-se fundador e o guardião da VERDADE DO SEER, ser o aí como o fundamento usado pela própria essência do seer: o cuidado, não como pequena preocupação em torno de algo qualquer e não como denegação do júbilo e da força, mas mais originário do que tudo isso, porque unicamente “em virtude do seer”, não do seer do homem, mas do seer do ente na totalidade. [tr. Casanova; GA65: 5]
No pensamento inicial sobretudo, regiões da VERDADE DO SEER precisam ser atravessadas, para que, então, quando o ente brilhar, elas possam se retrair uma vez mais no velamento. Essa divergência pertence essencialmente à comunicabilidade do “efeito” de toda filosofia. [tr. Casanova; GA65: 5]
A retenção, o meio afinador do espantar-se e do pudor, o traço fundamental da tonalidade afetiva fundamental, nela afina-se o ser-aí com vistas ao silêncio do passar ao largo do último deus. De maneira criadora nessa tonalidade afetiva fundamental do ser-aí, o homem torna-se o guardião desse silêncio. Assim, a meditação inicial do pensar torna-se necessariamente um pensar autêntico, quer dizer, um pensar que estabelece a meta. Não uma meta qualquer e não a meta em geral, mas a meta única e, assim, particular de nossa história: é essa meta que é estabelecida. Essa meta é a própria busca, a busca do seer. Ele acontece e é mesmo a mais profunda descoberta, quando o homem se torna aquele que vela pela VERDADE DO SEER, o guardião daquele silêncio e é decidido nessa direção. [tr. Casanova; GA65: 5]
As pessoas se reportam às rasas poças d’água das “vivências”, incapazes de mensurar a ampla estrutura do espaço pensante e de pensar em tal abertura a profundidade e a altitude do seer. E onde se acredita superior “à vivência”, isto acontece como um reportar-se a uma perspicácia vazia. De onde, porém, deve chegar a educação para o pensar essencial? A partir de um pensar prévio e de um seguir as sendas decisivas. Quem, por exemplo, acompanha a longa senda da fundação da VERDADE DO SEER? Quem pressente algo da necessidade do pensar e do questionar, daquela necessidade, que não carece das muletas do por quê e nem dos apoios do para quê? Quanto mais necessário o dizer pensante do seer, tanto mais incontornável se torna o silenciamento da VERDADE DO SEER por meio do curso do questionamento. Mais fácil do que outros, o poeta encobre a verdade na imagem e a doa assim à visão para a conservação. Como é, porém, que o pensar abriga a VERDADE DO SEER, se não na pesada lentidão do curso de seu passo questionador e de sua consequência vinculada? Inaparente como em um campo solitário sob o grande céu, com seu passo pesado, hesitante, que para a cada instante, o semeador abre os fulcros na terra e mede e configura ao jogar o braço o espaço velado de todo crescimento e amadurecimento. Quem ainda consegue levar a termo algo assim no pensamento como o que há de mais inicial de sua força e como o seu futuro supremo? [tr. Casanova; GA65: 5]
A questão pensante acerca da VERDADE DO SEER é o instante, que sustenta a transição. Esse instante não é nunca efetivamente fixável, nem tampouco tem como ser contabilizado. Ele estabelece pela primeira vez o tempo do acontecimento apropriador. A simplicidade única dessa transição nunca é concebível historiologicamente, porque a “história” historiológica pública passou há muito tempo ao largo dessa transição, mesmo que ela possa ser mostrada mediatamente para essa “história”. Assim, fica reservado para esse instante um longo caráter de futuro, contanto que deva ser quebrado ainda uma vez o esquecimento do ser do ente. [tr. Casanova; GA65: 5]
A questão é que a tonalidade afetiva fundamental afina o ser-aí e, com isto, o pensar como projeto da VERDADE DO SEER na palavra e no conceito. A tonalidade afetiva é a pulverização do estremecimento do seer como acontecimento apropriador no ser-aí. Pulverização: não como um mero desaparecimento e extinção, mas, ao contrário: como guarda da chama no sentido da clareira do aí de acordo com a plena abertura do fosso abismal do seer. A tonalidade afetiva fundamental do outro início quase não tem como ser jamais nomeada por meio de um nome; e isto se mantém até mesmo na transição para ele. A pluralidade de nomes, porém, não nega a simplicidade dessa tonalidade afetiva fundamental e só mostra em meio ao inconcebível todo o seu caráter simples. A tonalidade afetiva fundamental se chama para nós: o espanto, a retenção, o pudor, o pressentimento, o abrir-se para o pressentimento. [tr. Casanova; GA65: 6]
Toda e qualquer denominação da tonalidade afetiva fundamental por meio de uma única palavra fixa-se sobre uma opiniáo equivocada. Toda e qualquer palavra é sempre retirada do que é legado pela tradição. O fato de a tonalidade afetiva fundamental do outro início precisar ser dotada de muitos nomes não contesta sua simplicidade, mas confirma sua riqueza e sua estranheza. Toda e qualquer meditação sobre essa tonalidade afetiva fundamental é constantemente apenas uma lenta equipagem com vistas ao insight afinador da tonalidade afetiva fundamental, que precisa permanecer fundamentalmente um a-caso. A equipagem com vistas a tal a-caso só consiste naturalmente, de acordo com a essência da tonalidade afetiva, na ação pensante transitória; e essa ação precisa crescer a partir do saber propriamente dito (do resguardo da VERDADE DO SEER). Mas se o seer se essencia como a recusa e se essa recusa mesma deve vigorar em sua clareira e ser conservada como recusa, então a prontidão para a recusa só pode subsistir como abdicação. A abdicação não é aqui, contudo, o mero não querer ter e o deixar de lado, mas ela acontece como a forma mais elevada da posse, cuja elevação encontra a decisão na franqueza do entusiasmo pela doação do insondável pelo pensar, isto é, pela doação da recusa. Nessa decisão, o aberto da transição é retido e fundado – o em-meio-a abissal do entre em relação ao não-mais do primeiro início e de sua história e ao ainda-não do preenchimento do outro início. Nessa decisão, toda guarda do ser-aí precisa fincar pé, na medida em que o homem como fundador do ser-aí precisa se tornar o guardião do silêncio do passar ao largo do último deus. Essa decisão, porém, enquanto pressentindo, é apenas a sobriedade da força de sofrimento do criador, aqui daquele que projeta a VERDADE DO SEER, que abre o silêncio para a violência essencial do ente, a partir da qual o seer (como acontecimento apropriador) torna-se apreensível. [tr. Casanova; GA65: 6]
Até que ponto o deus se encontra afastado de nós, aquele que nos nomeia fundadores e criadores, porque sua essência precisa de tais homens? Ele está tão afastado que nós não conseguimos decidir, se ele se movimenta em nossa direção ou se ele está se distanciando de nós. E repensar plenamente essa distância mesma em sua essenciação como o tempo-espaço da suprema decisão significa questionar acerca da VERDADE DO SEER, acerca do próprio acontecimento apropriador, do qual toda história futura provém, se é que ainda haverá história. Essa distância da indecidibilidade do mais externo e do primeiro é o iluminado para o encobrir-se, é a essenciação da própria verdade como a VERDADE DO SEER. Pois o que se encobre dessa clareira, a distância da indecidibilidade, não é nenhum mero vazio presente à vista e indiferente, mas a essenciação mesma do acontecimento apropriador como essência do acontecimento apropriador, como essência da renúncia hesitante, que se apropria do ser-aí em meio ao acontecimento como já copertinente, o deter-se do instante e dos sítios da primeira decisão. [tr. Casanova; GA65: 7]
Na essência da verdade do acontecimento apropriador decide-se e funda-se ao mesmo tempo todo verdadeiro, o ente se faz ente, o não ente desliza para o interior da aparência do seer. Essa distância é, sobretudo: a mais ampla e para nós primeira proximidade com deus, mas também a indigência do abandono do ser, encoberto pela ausência de indigência, que se atesta por meio do desvio em relação à meditação. Na essenciação da VERDADE DO SEER, no acontecimento apropriador e como acontecimento apropriador, encobre-se o último deus. [tr. Casanova; GA65: 7]
Se o homem, por meio desse tresloucamento, chegar a se aprumar no acontecimento apropriador e se ele continuar insistentemente na VERDADE DO SEER, então ele continuará se encontrando sempre a princípio no salto para a experiência decidida quanto a se, no acontecimento apropriador, se decide em nome dele ou contra ele o ficar de fora ou a entrada em cena do deus. [tr. Casanova; GA65: 7]
O acontecimento apropriador se sobrepõe apropriadoramente ao deus no homem, na medida em que ele se apropria do homem para o deus. Essa apropriação sobre-apropriada em meio ao acontecimento é o acontecimento apropriador, no qual a VERDADE DO SEER é fundada como ser-aí (o homem transformado, voltado para a decisão do ser-aí e ser-se-ausentando) e a história toma o seu outro início a partir do seer. A VERDADE DO SEER, porém, como abertura do encobrir-se é ao mesmo tempo voltada para a decisão quanto à distância e à proximidade dos deuses e, assim, a prontidão para o passar ao largo do último deus. [tr. Casanova; GA65: 7]
O acontecimento apropriador é o entre no que concerne ao passar ao largo do deus e à história do homem. Mas não o campo intermediário indiferente. Ao contrário, a referência ao passar ao largo é a abertura usada por deus do dilaceramento em meio a um fosso abissal; por outro lado, a referência ao homem é o deixar emergir que se apropria em meio ao acontecimento da fundação do ser-aí e, com isto, da necessidade do abrigo da VERDADE DO SEER no ente como de uma restituição do ente. [tr. Casanova; GA65: 7]
A fuga dos deuses precisa ser experimentada e suportada. Essa constância funda a proximidade mais distante possível do acontecimento apropriador. Esse acontecimento apropriador é a VERDADE DO SEER. Nessa verdade abre-se pela primeira vez a indigência do abandono do ser. A partir dessa indigência, a fundação da verdade do ser e a fundação do ser-aí se tornam necessárias. Essa necessidade realiza-se na decisão constante, que atravessa de maneira dominante todo ser humano histórico: quer o homem seja futuramente alguém pertencente à verdade do ser e, assim, alguém que abriga a partir dessa copertinência e para ela a verdade como verdadeiro no ente, ou quer o começo do último homem expulse o homem para o interior da animalidade dissimulada e permaneça recusado para o homem histórico o último deus. O que acontecerá se a luta pelos critérios de medida tiver se extinguido, se o mesmo querer não quiser mais nenhuma grandeza, isto é, não apresentar mais nenhuma vontade da maior diversidade dos caminhos? [tr. Casanova; GA65: 8]
O seer como acontecimento apropriador – renúncia hesitante como (recusa). Maturidade: fruto e doação. O elemento nulo no seer e o impulso contrário; querelante (seer ou não-ser). O seer se essencia na verdade; clareira para o encobrir-se. A verdade como essência do fundamento: fundamento – o em que fundado (não o de onde enquanto causa). O fundamento funda como a-bismo: a indigência como o aberto do encobrir-se (não o “vazio”, mas inesgotabilidade a-bissal). O a-bismo como o tempo-espaço. O tempo-espaço é o sítio instantâneo da contenda (seer ou não-ser). A contenda como a contenda de terra e mundo, porque a VERDADE DO SEER só é no abrigo e essa como o “entre” fundante no ente. Um contra o outro de terra e mundo. As vias e os modos do abrigo – o ente. [tr. Casanova; GA65: 9]
O seer se essencia como acontecimento apropriador. A essenciação tem o meio e a amplitude na viragem. A exportação resolutora de contenda e réplica. A essenciação é garantida e abrigada na verdade. A verdade acontece como o encobrimento clareador. A estrutura fundamental desse acontecimento é o tempo-espaço que emerge dele. O tempo-espaço é o que desponta para as mensurações da abertura do fosso abissal do seer. O tempo-espaço é, enquanto junção da verdade, originariamente o sítio instantâneo do acontecimento apropriador. O sítio instantâneo essencia-se a partir desse acontecimento como a contenda de terra e mundo. A contestação da contenda é o ser-aí. O ser-aí acontece nos modos do abrigo da verdade a partir da garantia do acontecimento apropriador clareado e velado. O abrigo da verdade deixa que o verdadeiro se abra e se dissimule como o ente. O ente se encontra pela primeira vez assim no seer. O ente é. O seer se essencia. O seer (como acontecimento apropriador) precisa do ente, para que ele, o seer, se essencie. O ente pode “ser” ainda no abandono do ser, sob cujo domínio a tangibilidade e a utilidade imediata, assim como a funcionalidade de todo e qualquer tipo (tudo precisa servir ao povo, por exemplo) constituem obviamente o que é sendo e o que não é. A autonomia aparente do ente em face do seer, como se este fosse apenas um suplemento do pensamento “abstrato” representacional, porém, não é nenhum primado, mas apenas o sinal do privilégio em relação à decadência que cega. Esse ente “real e efetivo” é concebido a partir da VERDADE DO SEER como o não-ente sob o domínio da inessência da aparência, cuja origem permanece aí encoberta. O ser-aí como a fundação da contestação da contenda em meio ao que é aberto por ela é cristalizado humanamente e sustentado na insistência que suporta o aí e que pertence ao acontecimento apropriador. O pensar do seer como acontecimento apropriador é o pensar inicial, que prepara como confrontação com o primeiro início o outro início. O primeiro início pensa o seer como presentidade a partir da presentação, que apresenta o primeiro reluzir de uma essenciação do seer. [tr. Casanova; GA65: 10]
1) Acontecimento apropriador: a luz segura da essenciação do seer no campo de visão extremo da mais íntima indigência do homem histórico. 2) O ser-aí: o entre aberto no meio e, assim, velador, entre a chegada e a fuga dos deuses e o homem nele enraizado. 3) O ser-aí tem a origem no acontecimento apropriador e em sua viragem. 4) Por isto, ele só pode ser fundado como a verdade e na VERDADE DO SEER. 5) A fundação – não recriação – é um deixar-ser-fundamento por parte do homem, que chega, com isto, pela primeira vez, uma vez mais a si e reconquista o ser-si-mesmo. 6) O fundamento fundado é ao mesmo tempo abismo para a abertura do fosso abissal do seer e não fundamento para o abandono do ser do ente. 7) A tonalidade afetiva fundamental da fundação é a retenção. 8) A retenção é a referência insigne, instantânea ao acontecimento apropriador no ser chamado por meio de seu conclamar. 9) O ser-aí é o acontecimento fundamental da história por vir. Esse acontecimento emerge do acontecimento apropriador e se torna um sítio instantâneo possível para a decisão sobre o homem – sua história ou não história como sua transição para o ocaso. 10) O acontecimento apropriador e o ser-aí estão em sua essência, isto é, em sua pertinência enquanto fundamento da história, ainda completamente velados e permanecerão por um longo tempo causando estranhamento. Faltam as pontes; os saltos ainda não foram levados a termo. Ainda permanece de fora a profundidade da experiência da verdade que lhes satisfazem e a meditação sobre o seu sentido: a força da decisão elevada. Em contrapartida, numerosas no caminho são apenas as ocasiões e os meios da má interpretação, porque falta mesmo o saber daquilo que aconteceu no primeiro início. [tr. Casanova; GA65: 11]
Será que está determinada para nós futuramente uma história totalmente diversa daquilo que parece ser hoje considerado como história: a turva caçada às ocorrências que devoram a si mesmas e que só se deixam fixar ainda por meio do mais estridente barulho? Se é que uma história, ou seja, um estilo do ser-aí, ainda nos deve ser doado, então isto só pode ser a história velada da grande tranquilidade, na qual e como a qual o domínio do último deus abre e configura o ente. Portanto, a grande tranquilidade precisa primeiramente se abater sobre o mundo para a terra. Essa tranquilidade emerge apenas do silêncio. E esse silenciamento só desponta da retenção. Ela atravessa de maneira afinadora enquanto tonalidade afetiva fundamental a intimidade da contenda entre mundo e terra e, com isto, a contestação do ataque da apropriação em meio ao acontecimento. O ser-aí como contestação dessa contenda tem sua essência no abrigo da VERDADE DO SEER, isto é, do último deus em meio ao ente. [tr. Casanova; GA65: 13]
Filosofia é o saber inútil, apesar de dominante. Filosofia é o questionamento terrível, mas raro acerca da VERDADE DO SEER. Filosofia é a fundação da verdade sob a privação coetânea do verdadeiro. Filosofia é o querer de volta que se lança em direção ao início da história e, assim, o querer para além de si. Por isto, considerada de fora, a filosofia é apenas um adorno, talvez uma peça doutrinária e uma peça de exposição da cultura, talvez ainda uma peça hereditária, cujo fundamento se perdeu. É assim que os muitos precisam considerar a filosofia precisamente lá onde e no momento em que ela se mostra para os poucos como uma necessidade. [tr. Casanova; GA65: 14]
“Visão de mundo” é sempre “maquinação” em face do que é legado pela tradição para a sua superação e controle com os meios que lhe são próprios e que são por ela preparados, mas que não chegaram a alcançar um equilíbrio – tudo levado para o cerne da “vivência”. Filosofia tem como fundação da VERDADE DO SEER a origem nela mesma; ela precisa retornar a si mesma naquilo que ela funda e e-dificar unicamente a partir daí. Filosofia e visão de mundo são tão incomparáveis, que não há para a concretização plástica dessa diversidade nenhuma imagem possível. Toda imagem continuaria trazendo as duas para muito próximo uma da outra. [tr. Casanova; GA65: 14]
A questão é que, na medida em que e logo que a filosofia se reencontra em sua essência inicial (no outro início) e a questão acerca da VERDADE DO SEER se torna o meio fundante, desentranha-se o elemento abissal da filosofia, que precisa retornar ao inicial, para trazer ao espaço livre de sua meditação a abertura do fosso abismai e o para-além-de-si, o estranho e constantemente inabitual. [tr. Casanova; GA65: 14]
O povo só se torna povo, quando os seus elementos mais únicos surgem e quando esses começam a pressentir. Assim, o povo só se torna livre para a lei a ser conquistada por meio da luta como a última necessidade de seu instante extremo. A filosofia de um povo é aquilo que torna povo o povo de uma filosofia, que funda o povo historicamente em seu ser-aí e determina para a guarda da VERDADE DO SEER. [tr. Casanova; GA65: 15]
A filosofia “de” um povo não se deixa, por isto, computar e receber prescrições a partir de disposições e de capacidades quaisquer, mas, ao contrário, popular é aqui o pensar sobre a filosofia apenas, quando ele concebe que a filosofia tem de saltar por sobre sua origem mesma mais própria e isto nunca pode acontecer senão se a filosofia em geral ainda pertencer ao seu primeiro início essencial. Somente assim ela consegue voltar o “povo” para a VERDADE DO SEER, ao invés de, inversamente, ser cultivada de maneira indigente para a sua inessência por um suposto povo como um povo que é. [tr. Casanova; GA65: 15]
A filosofia é o saber imediatamente inútil, mas, não obstante, um saber dominante a partir da meditação. Meditação é questionamento acerca do sentido, isto é, acerca da VERDADE DO SEER. O questionamento acerca da verdade é o salto para o interior de sua essência e, com isto, para o interior do seer mesmo. A questão é: se, quando e como somos pertencentes ao ser (como acontecimento apropriador). Essa questão precisa ser questionada por causa da essência do ser, que precisa de nós, e, em verdade, não como aqueles que se encontram precisamente ainda presentes, mas de nós, na medida em que nós ratificamos insistentemente suportando o ser-aí e o fundamos como a VERDADE DO SEER. Por isto, a meditação – salto para o interior da verdade do ser – é necessariamente auto-meditação. Isto não significa consideração voltada para trás de nós como “dados”, mas fundação da verdade do ser si mesmo a partir da propriedade do ser-aí. [tr. Casanova; GA65: 16]
Toda necessidade enraíza-se em uma uma indigência. A filosofia como a primeira e mais extrema meditação sobre a VERDADE DO SEER e o seer da verdade tem sua necessidade na indigência primeira e mais extrema. Essa indigência é aquilo que impulsiona o homem de um lado para o outro no ente e que o traz pela primeira vez para diante do ente na totalidade e para o meio do ente, levando-o, assim, a si mesmo, e, com isto, deixando iniciar ou perecer respectivamente a história. Esse elemento impulsionador é o caráter de jogado do homem no ente, que o determina como o que joga o ser (a VERDADE DO SEER). [tr. Casanova; GA65: 17]
A indigência como aquele elemento que impele de um lado para o outro aquilo que impõe pela primeira vez a decisão e a cisão do homem como um ente com ente e em meio a si e, uma vez mais, de volta a ele. Essa indigência pertence à VERDADE DO SEER mesmo. Da maneira mais originária, ela é indigência na coerção para a necessidade das possibilidades extremas, por cujos caminhos o homem criando – fundando para além de si, retorna ao fundamento do ente. Onde essa indigência se eleva ao extremo, ela impõe o ser-aí e sua fundação. [tr. Casanova; GA65: 17]
A indigência, aquele elemento que impele de um lado para o outro, essenciante – o que aconteceria se a VERDADE DO SEER mesmo fosse, o que aconteceria se, com a fundação originária da verdade, se tornasse ao mesmo tempo mais essenciante o seer – como acontecimento apropriador? E se as coisas se derem assim e a indigência for mais compelidora, se ela impelir mais de um lado para o outro, mas o impulso for nessa violência apenas aquela contenda, que teria na desmedida da intimidade do ente e do seer seu fundamento que se recusa? [tr. Casanova; GA65: 17]
A impotência do pensar compreendida no sentido habitual tem muitas razões: 1) O fato de, por agora, não ser levado a termo, nem poder ser levado a termo nenhum pensar essencial. 2) O fato de maquinação e vivência pretenderem ser a única coisa efetiva e, com isto, poderosa, não havendo nenhum espaço para o poder autêntico. 3) O fato de nós, supondo que tenha sucesso um pensar essencial, não termos ainda a força para nos abrirmos para a sua verdade, porque pertence a tal força uma posição hierárquica própria da existência. 4) O fato de, em meio ao embotamento crescente em relação à simplicidade de uma meditação essencial e em meio à falta de persistência no questionamento, se desconsiderar todo curso e todo caminho, se ele já não traz consigo no primeiro passo um “resultado”, com o que passa a haver algo para “fazer” e algo para “vivenciar”. Por isto, a “impotência” ainda não é imediatamente uma objeção ao “pensar”, mas apenas aos seus desprezadores. E, por outro lado, o poder autêntico do pensar (como um re-pensar da VERDADE DO SEER) não tolera nenhuma constatação e valoração imediatas, sobretudo porque o pensar precisa se transpor para o interior do seer e, por isto, precisa colocar em jogo toda a estranheza do seer. Assim, ele nunca pode se basear no sucesso de um efeito no ente. [tr. Casanova; GA65: 18]
(Sobre a pergunta: quem somos nós?) Como meditação sobre o seer, a filosofia é uma automeditação necessária. A dita fundamentação desse nexo distingue-se essencialmente de todo e qualquer tipo de asseguramento da certeza de “si mesmo” do “eu” justamente em virtude da “certeza”, não da VERDADE DO SEER. Mas ela também remonta ainda a um âmbito mais originário do que aquele que precisou levar a termo na transição o posicionamento “ontológico-fundamental” do ser-aí em Ser e tempo, posicionamento esse que ainda agora não foi desdobrado de maneira suficiente e elevado ao saber daqueles que questionam. [tr. Casanova; GA65: 19]
Abstraindo-se da questão sobre o quem, quem é que temos em vista com o “nós”?. Nós mesmos, que estamos agora presentes à vista, os homens aqui e agora? Onde é que transcorre o círculo demarcador? Ou temos em vista “o” homem enquanto tal? Mas “o” homem só “é” enquanto histórico e a-histórico. Nós visamos a nós mesmos como o próprio povo? Mas mesmo então, não somos os únicos, mas, enquanto povo, somos com outros povos. E por meio do que se determina a essência de um povo? Ao mesmo tempo fica claro: o modo como na questão é estabelecido o questionado, “nós”, já contém uma decisão sobre o quem. Isto quer dizer: nós não podemos, sem sermos tocados pela pergunta sobre o quem, estabelecer o “nós” e o “nos” por assim dizer como algo presente à vista, para o qual apenas falta ainda a determinação do quem. Mesmo nessa questão reside um reflexo da viragem. Ela não pode ser nem formulada, nem respondida. No entanto, enquanto a essência da filosofia não for concebida como meditação sobre a VERDADE DO SEER, e, com isso, a necessidade da auto-meditação daí emergente não tiver se tornado efetiva, a questão já permanecerá exposta enquanto questão a uma pesada reserva. [tr. Casanova; GA65: 19]
O que é, contudo, o início do pensar – no significado da meditação sobre o ente enquanto tal e sobre a VERDADE DO SEER? [tr. Casanova; GA65: 20]
O repensar da VERDADE DO SEER é essencialmente pro-jeto. À essência de tal projeto pertence o fato de, em performance e no desdobramento de si mesmo, ele precisar se recolocar no que é aberto por meio de si. Assim, é possível que desponte a aparência de que: onde impera o projeto, aí haja arbítrio e um divergir em direção ao infundado. Mas o projeto traz a si mesmo precisamente para o fundamento e muda, assim, pela primeira vez a si mesmo para o interior da necessidade, com a qual ele está ligado de modo fundamental, ainda que ainda se encontre velado diante de sua execução. [tr. Casanova; GA65: 21] [O pensar inicial] É o repensar da VERDADE DO SEER e, assim, a sondagem do solo do fundamento. No repousar sobre o fundamento, abre-se pela primeira vez a sua força fundante, reunidora e retentora. Como é, porém, que o re-pensar do seer se mostra como um repousar? Na medida em que ele abre o que há de mais digno de questão, ele leva a termo a dignificação e, com isto, a mais elevada transfiguração daquilo em que repousa o questionamento, isto é, daquilo em que ele não cessa. Pois senão ele, o questionamento, não poderia repousar como o que abre. [tr. Casanova; GA65: 22]
O outro início precisa ser provocado completamente a partir do seer como acontecimento apropriador e a partir da essenciação de sua verdade e de sua história. O pensar inicial desloca seu questionamento acerca da VERDADE DO SEER para um ponto muito lá atrás no primeiro início como a origem da filosofia. Com isto, ele cria para si a garantia para chegar em seu outro início vindo de muito longe e para encontrar na herança dominada a sua mais elevada constância futura e, com isto, para retornar a si mesmo em uma necessidade modificada (em face do primeiro início). [tr. Casanova; GA65: 23]
A meditação do pensar inicial é muito mais tão originária que ela pergunta primeiramente como é que o si mesmo precisaria ser fundamentado, o si mesmo em cujo âmbito “nós”, eu e tu, chegamos sempre a cada vez a nós mesmos. Assim, é questionável se encontramos por meio da reflexão sobre “nós” a nós mesmos, se encontramos o nosso si mesmo, e se, por conseguinte, o projeto do ser-aí em geral tem algo em comum com a clarificação da “auto”-consciência. Pois bem, não está de modo algum definido que o “si mesmo” seria determinável algum dia pela via que passa pela representação do eu. Ao contrário, é preciso reconhecer que a ipseidade só emerge da fundação do ser-aí, mas que essa fundação se realiza como acontecimento da apropriação do que pertence à conclamação. Com isto, emerge a abertura e a fundação do si mesmo a partir da e como a VERDADE DO SEER. Não a decomposição diversamente dirigida da essência do homem, não a indicação de outros modos de ser do homem – tudo considerado por si como antropologia aprimorada – é o que produz aqui a auto-meditação, mas é a questão acerca da verdade do ser que prepara o âmbito da ipseidade, na qual, atuando historicamente e agindo, o homem – nós –, assumindo a figura do povo, chega ao seu si mesmo. [tr. Casanova; GA65: 30]
O caráter transitório do pensar inicial traz incontornavelmente consigo essa ambiguidade, como se se tratasse de uma meditação antropologicamente existenciária no sentido corrente. Em verdade, porém, cada passo é suportado pela pergunta acerca da VERDADE DO SEER. [tr. Casanova; GA65: 30]
Filosofia: encontrar e trazer à tona as faces simples e as figuras autóctones, nas quais a essenciação do seer é abrigada e elevada ao nível do coração. Quem conseguiria as duas coisas: a visão mais distante da essência velada do seer e o sucesso mais imediato da figura brilhante do ente que abriga. Como é que criamos, saltando de antemão para o interior da essenciação do seer, para o seer a afluência de seu ente, para que a VERDADE DO SEER retenha a força histórica duradoura enquanto impulso? Para o pensar resta apenas o dizer maximamente simples da imagem direta em meio ao mais puro silêncio. O primeiro pensador por vir precisa conseguir isso. [tr. Casanova; GA65: 32]
O acontecimento apropriador é o meio que comunica a si mesmo e se intermedeia, o meio de volta ao qual toda essenciação da VERDADE DO SEER precisa ser de antemão pensada. Esse pensar de volta para lá é o re-pensar do seer. E todos os conceitos do seer precisam ser falados a partir daí. [tr. Casanova; GA65: 34] [O repensar do seer e a linguagem] Com a linguagem habitual, que hoje é cada vez mais amplamente abusada e desgastada, a VERDADE DO SEER não tem como ser dita. Será que essa verdade pode ser em geral dita de maneira imediata, uma vez que toda linguagem é de qualquer modo linguagem do ente? Ou será que pode ser inventada uma nova linguagem para o seer? Não. E mesmo se tal tentativa tivesse êxito e mesmo sem uma formação vernácula artificial, essa linguagem não seria nenhuma linguagem que diz. Todo dizer precisa emergir concomitantemente do poder ouvir. Os dois precisam ter a mesma origem. Assim, só uma coisa importa: dizer a linguagem mais nobremente amadurecida em sua simplicidade e força essencial, a linguagem do ente enquanto linguagem do seer. Essa transformação da linguagem penetra em âmbitos que ainda se encontram cerrados para nós, porque não sabemos a VERDADE DO SEER. Assim, fala-se da “recusa do perseguimento”, da “clareira do encobrimento”, do “acontecimento apropriador”, do “ser-aí”, não um escolher verdades e retirar essas verdades das palavras, mas a abertura da VERDADE DO SEER em tal dizer transformado. [tr. Casanova; GA65: 36]
O discurso marcado pelo termo estrangeiro “sigética” na correspondência com a “lógica” (onto-logia) só é visado transitória e retrospectivamente e não aponta de maneira alguma para a busca por substituir a “lógica”. Pois uma vez que a questão acerca do seer e acerca da essenciação do seer se encontra presente, o questionamento mesmo ainda é mais originário e, por isso, não pode senão menos ainda ser enclausurado e sufocado em uma disciplina escolar. Nunca podemos dizer imediatamente o seer (acontecimento apropriador), e, desse modo, também não podemos dizê-lo mediatamente no sentido da “lógica” intensificada da dialética. Todo e qualquer dizer já fala a partir da VERDADE DO SEER e nunca pode saltar por cima de si mesmo imediatamente e aceder ao seer ele mesmo. O silenciamento tem leis mais elevadas do que toda e qualquer lógica. [tr. Casanova; GA65: 38]
O projeto tem por intuito aquilo que só pode ser querido na tentativa do pensar inicial, que sabe algo ínfimo sobre si mesmo: ser uma junção livre e fugidia desse pensar. Isto quer dizer: 1) No rigor da estrutura armada na construção, nada é deixado para trás, como se o importante fosse – e isto é sempre válido na filosofia – o impossível: conceber a VERDADE DO SEER na profusão plenamente desdobrada de sua essência fundamentada. 2) Aqui só é possível a disposição sobre um caminho, que um singular pode abrir para si, prescindindo de vislumbrar a possibilidade de outros caminhos, talvez mesmo mais essenciais. 3) A tentativa precisa ter clareza quanto ao fato de que as duas, estrutura armada conjunta e disposição, permanecem uma junção livre e fugidia do próprio seer, do aceno e da retração de sua verdade, algo não passível de ser imposto. [tr. Casanova; GA65: 39]
Isto condiciona um procedimento que, em certos limites, sempre vai de encontro, em um primeiro momento, ao visar habitual e que precisa seguir durante um certo trecho com ele, a fim de, então, exigir no instante correto a transformação do pensar, ainda que sob o poder da mesma palavra. Por exemplo, “decisão” pode e deve ser visada de início, por mais que não moralmente, de acordo com o movimento de levá-la a cabo, como ato do homem, até que, repentinamente, ela vise à essência do próprio seer, o que não significa agora que o seer seria interpretado “antropologicamente”, mas o contrário: que o homem é recolocado na essência do seer e é arrancado das correntes da “antropologia”. Do mesmo modo: “maquinação” – uma espécie de comportamento do homem e, repentina e propriamente, o inverso: a essência (in-essência) do seer, na qual se enraiza pela primeira vez o fundamento da possibilidade dos “funcionamentos”. Esse “o contrário”, contudo, não é simplesmente um truque “formal” da conversão significativa em meras palavras, mas a transformação do próprio homem. Com certeza, o conceber correto dessa transformação e, antes de tudo, de seu espaço de acontecimento, isto é, o fundar do mesmo, está o mais intimamente possível entrelaçado com o saber da VERDADE DO SEER. [tr. Casanova; GA65: 41]
A transformação do homem visa aqui ao tornar-se outro de sua essência, na medida em que, na interpretação válida até aqui (animal rationale), essa essência permaneceu, em verdade, psicologicamente escondida e mal interpretada. A ligação com o ente chegou a ser até concomitantemente visada, mas não foi fundada e desdobrada como o fundamento da essência. Pois isto inclui formular de maneira questionadora a pergunta acerca da VERDADE DO SEER e “a metafísica”. No pensar da história do ser ganha pela primeira vez o espaço livre o poder essencial da niilidade e da inversão. [tr. Casanova; GA65: 41]
O domínio histórico da história do pensar ocidental se torna cada vez mais essencial, e a difusão de uma emdição filosófica “histórica” ou “sistemática” cada vez mais impossível. Pois o que importa é não trazer ao conhecimento nenhuma nova representação do ente, mas fundar o ser homem na VERDADE DO SEER e preparar essa fundação no repensar do seer e do ser-aí. Essa pre-paração não consiste na criação de conhecimentos provisórios, a partir dos quais, então, mais tarde, deveriam ser descerrados os conhecimentos propriamente ditos. Ao contrário, pre-parar significa aqui: abrir o caminho, impor para o caminho – no sentido essencial: afinar. Por outro lado, porém, não como se o pensado e o a se pensar só fossem uma ocasião indiferente para um movimento de pensamento, mas a VERDADE DO SEER, o saber da meditação, é tudo. Todavia, o caminho desse repensar o seer não tem já a inscrição fixa em um mapa. A terra vem a ser pela primeira vez, sim, através do caminho e é em cada posição do caminho desconhecida e não tem como ser calculada. [tr. Casanova; GA65: 42]
Se a “decisão” contra o “sistema” se apruma, então temos aqui a transição da Modernidade para o outro início. Na medida em que o “sistema” contém a caracterização essencial da entidade moderna do ente (a representidade) e em que a decisão, porém, visa ao ser pelo ente, não apenas à entidade a partir do ente, então de certa maneira a de-cisão é “mais sistemática” do que todo e qualquer sistema, isto é, uma determinação originária do ente enquanto tal a partir da essência do seer. Neste caso, não é apenas a “construção de sistemas”, mas também o pensar “sistemático” que se encontra ainda facilmente fundado sobre uma interpretação assegurada do ente em face da tarefa do questionamento acerca da VERDADE DO SEER, do pensar da de-cisão. De início, porém, pensamos a “decisão” como uma ocorrência no interior de um ou-ou. E é aconselhável preparar a interpretação da decisão nos termos da história do ser por meio de uma referência a “decisões”, que emergem daquela de-cisão como necessidades históricas. [tr. Casanova; GA65: 43] [As decisões] Sobre se o homem quer permanecer “sujeito” ou se ele funda o ser-aí – Sobre se com o sujeito o “animal” enquanto a “substância” e o “racional” enquanto a “cultura” devem permanecer duradouramente ou se a VERDADE DO SEER (ver abaixo) encontra no ser-aí um sítio deveniente – Sobre se o ente toma o ser como o seu “elemento maximamente genérico” e, com isso, o entrega à e soterra na ontologia ou se o seer em sua unicidade ganha voz e atravessa de maneira afinadora o ente enquanto algo singular. Sobre se a verdade como correção se degenera na certeza da re-presentação e na segurança do cálculo e da vivência ou se a essência inicialmente infundada da aletheia encontra um fundamento como a clareira do encobrir-se – Sobre se o ente enquanto o que há de mais óbvio solidifica tudo o que é médio, pequeno e mediano em meio à sua transformação em algo racional ou se o que há de mais questionável constitui a solidez integral do seer – Sobre se a arte é uma instituição vivencial ou se ela é o pôr em obra da verdade. Sobre se a história é degradada e transformada em arsenal das confirmações e das antecipações ou se ela desponta como a cordilheira das montanhas estranhas e inescaláveis – Sobre se a natureza é rebaixada a uma região de espoliação pelo cálculo e pelo erigir e se transforma, assim, em ocasião de “vivência” ou se ela suporta como a terra que se cerra o aberto do mundo sem imagem. Sobre se a desdeização do ente na cristianização da cultura festeja seus triunfos ou se a indigência da indecidibilidade sobre a proximidade e a distância dos deuses prepara um espaço de decisão – Sobre se o homem ousa o seer e, com isso, o ocaso ou se ele se satisfaz com o ente – Sobre se o homem em geral ainda ousa a decisão ou se ele se entrega a ausência de toda decisão, que sugere a época como estado da “mais elevada” “atividade”. Todas essas decisões, que são ao que parece muitas e diversas, se reúnem em uma e única: saber se o seer se retrai definitivamente ou se essa retração se torna enquanto recusa a primeira verdade e o outro início da história. [tr. Casanova; GA65: 44]
O que significa aqui decisão? Ela determina sua essência a partir da essência da transição da Modernidade para o seu outro. Ela determina por meio daí a sua essência ou a transição é apenas o aceno para o interior de sua essência? As “decisões” surgem porque um outro início precisa ser? E esse outro início precisa ser, porque a essência do próprio seer é de-cisão e doa pela primeira vez nesse desdobramento essencial a sua verdade na história do homem? É necessário aqui talvez dizer até mesmo de maneira pormenorizada aquilo que não se tem em vista com a expressão acerca da VERDADE DO SEER. [tr. Casanova; GA65: 44]
A expressão também não significa, porém, o seer “verdadeiro”, por exemplo, mesmo no significado obscuro, que visa ao ente “verdadeiro”, veraz, efetivo. Pois já se pressupõe aqui uma vez mais um conceito de “realidade efetiva” e já se subsume esse conceito ao seer como critério de medida, enquanto o seer não empresta apenas, contudo, ao ente o que ele é, mas desdobra antes de tudo para si mesmo a partir de sua essência a verdade que lhe é apropriada. Essa VERDADE DO SEER não é de modo algum algo diverso do seer, mas a sua essência mais própria, e, por isso, cabe à história do seer saber se ele doa ou recusa essa verdade e a si mesmo e, assim, traz pela primeira vez para a sua história o elemento abissal. O aceno para o fato de que os conceitos correntes de “verdade” e a não diferenciação corrente entre “ser” e “ente” conduzem a uma interpretação falsa da VERDADE DO SEER e, antes de tudo, já sempre pressupõem essa interpretação, pode se desfigurar, no entanto, ele mesmo, induzindo-nos em erro, se ele puder admitir a conclusão: o que se precisaria fazer, então, seria apenas enunciar os “pressupostos” inexpressos, como se pressupostos fossem apreensíveis, sem que o posicionado enquanto tal fosse concebido. O retorno a “pressupostos” e “condições” tem no interior do ente e da interpretação do ente com vistas à sua entidade no sentido da representidade (e já da idea) um sentido e um direito, e ele se tornou, por isto, em múltiplas modulações, a forma fundamental do pensamento “metafísico”; e isto a tal ponto que mesmo a superação da “metafísica” não pôde escapar de um entendimento inicial desse modo de pensar. [tr. Casanova; GA65: 44]
A história ocidental da metafísica ocidental é a “prova” de que a VERDADE DO SEER não pôde se tornar questão, e o aceno para os motivos dessa impossibilidade. O mais tosco desconhecimento da VERDADE DO SEER, contudo, residiria em uma “lógica” da filosofia. Pois essa é uma retransposição consciente ou inconsciente da “teoria do conhecimento” para si mesma. A “teoria do conhecimento”, porém, é apenas a forma da perplexidade da metafísica moderna diante de si mesma. A confusão chega ao seu ápice, quando, então, essa “teoria do conhecimento” se arroga ainda uma vez como “metafísica do conhecimento”; o cálculo na calculadora da “aporética” e a “discussão aporética” “em si” de “direções” e de “fronts de problemas” presentes à vista se tomam, e, em verdade, com plena razão, o método da erudição filosófica mais moderna. Esses são apenas os últimos prolongamentos do processo, por meio do qual a filosofia perde a sua essência e se degenera na mais tosca ambiguidade, porque o que parece ser filosofia inequivocamente não pode ser mais uma tal para aquele que sabe. E, por isto, todas as tentativas de dizer o que não é a VERDADE DO SEER também precisam se haver com o fato de que elas no máximo fornecem um novo alimento para a obtusidade ignorante das más interpretações ulteriores, caso tais elucidações sejam elucidações da crença de que a não filosofia poderia ser transformada pela instrução em filosofia. Com certeza, a meditação sobre aquilo que a VERDADE DO SEER não é, porém, é essencial como uma meditação histórica, na medida em que ela pode auxiliar a tornar os movimentos fundamentais nas posições metafísicas fundamentais do pensar ocidental mais transparentes e o velamento da história do ser mais penetrante. [tr. Casanova; GA65: 44]
autêntico da palavra só possui a sua necessidade se ela tiver reconhecido que a meditação sobre a VERDADE DO SEER inclui uma mutação da postura que pensa para a postura pensante, mudança essa que, naturalmente, não pode ser efetuada por meio de indicações morais, mas precisa ser previamente transformada e, em verdade, na publicidade do invisível e do que está isento de barulho. [tr. Casanova; GA65: 44]
Por que a VERDADE DO SEER não é nenhum suplemento e nenhum quadro para o seer e mesmo nenhum pressuposto, mas a essência mais íntima do seer mesmo? [tr. Casanova; GA65: 44]
Porque a essência do seer se essência no acontecimento da apropriação da de-cisão. Todavia, de onde sabemos isso? Nós não o sabemos, mas o inquirimos e abrimos em tais questões para o seer os sítios e talvez um sítio exigido por ele, caso a essência do seer precise se mostrar como a recusa, para a qual o questionamento insuficiente permanece a única proximidade adequada. E, assim, só um criar que funda todo ser-aí com vistas a um longo prazo (e só esse criar, não o empreendimento cotidiano fixo da instituição do ente) precisa despertar a VERDADE DO SEER como questão e como indigência através da senda mais decisiva e em impulsos iniciais cheios de alternância, aparentemente desprovidos de conexão e desconhecidos para si, tornar pronto para a tranquilidade do seer; ao mesmo tempo, porém, também decididamente contra toda e qualquer tentativa de confundir e enfraquecer, no mero querer para trás, mesmo que esse querer esteja em relação com as tradições “mais valorosas”, a coação impiedosa na indigência da meditação. [tr. Casanova; GA65: 44]
A VERDADE DO SEER é o seer da verdade – dito assim, isso soa como uma inversão artificial e forçada e, quando isso vem à tona, como um desencaminhamento em meio a um jogo dialético. Por outro lado, porém, essa inversão não é senão um sinal fugidio e externo da viragem, que se essencia no seer ele mesmo e lança uma luz sobre aquilo que aqui poderia ser denominado decisão. [tr. Casanova; GA65: 44]
A decisão já há muito tempo irrompida no velado e no dissimulado é a decisão pela história ou pela perda da história. História, porém, concebida como a contestação da contenda de terra e mundo, assumida e realizada a partir do pertencimento ao clamor do acontecimento apropriador como a essenciação da VERDADE DO SEER na figura do último deus. [tr. Casanova; GA65: 45]
Será que a decisão é capaz de trazer consigo mais uma vez a fundação dos sítios instantâneos para a fundação da VERDADE DO SEER ou será que tudo se desdobrará ainda como “luta” em torno das puras condições do prosseguimento da vida e do esgotamento da vida em dimensões gigantescas, de tal modo que a “visão de mundo” e a “cultura” não se mostrarão mais senão como apoios e como meios de luta desse “combate”? O que se prepara, então, por meio daí? A transição para o animal tecnicizado, que começa a substituir os instintos que já se tornaram mais fracos e mais toscos pelo gigantismo da técnica. Nessa direção de decisão, não é característica a tecnicização da “cultura” e a imposição da “visão de mundo”, mas sim o fato de a “cultura” e de a “visão de mundo” se tornarem meios da técnica de luta para uma vontade, que não quer mais nenhuma meta; pois conservação do povo não é nunca uma meta possível, mas apenas condição do estabelecimento de uma meta. Se a condição, porém, se transforma em algo incondicionado, então ganha o poder o não querer da meta, o seccionamento de toda meditação que venha a emergir da origem. Desaparece, então, completamente a possibilidade do conhecimento de que “cultura” e “visão de mundo” são já estacas de uma ordem do mundo, que deve ser supostamente superada. “Cultura” e “visão de mundo” não perdem o seu caráter por meio do fato de elas serem colocadas a serviço da política; quer elas sejam consideradas como valores “em si” ou como valores “para” o povo, a cada vez a meditação, se é que ela é efetivamente uma tal meditação, está firmemente encravada no não querer as metas originárias, isto é, a VERDADE DO SEER, na qual se decide pela primeira vez sobre a possibilidade e a necessidade de “cultura” e “visão de mundo”. [tr. Casanova; GA65: 45]
Somente a decisão mais extrema a partir da e sobre a VERDADE DO SEER traz ainda uma clareza. De resto, impera o crepúsculo em meio a renovações e dissimulações ou mesmo a completa queda. [tr. Casanova; GA65: 45]
Abandono do ser: o fato de o seer abandonar o ente, entregando-o a si mesmo e deixando-o se transformar no objeto da maquinação. Tudo isso não é simplesmente “decadência”, mas é a primeira história do próprio seer, a história do primeiro início e do que é dele derivado e do que fica assim necessariamente para trás. Mas mesmo esse ficar para trás não é nenhum mero “negativo”. Ao contrário, ele traz à tona em seu fim pela primeira vez o abandono do ser, contanto que seja formulada a partir do outro início a pergunta acerca da VERDADE DO SEER e, assim, se inicie o ir ao encontro do primeiro início. Nesse caso se mostra: que o ser abandona o ente; ou seja: o seer se encobre na manifestabilidade do ente. E o seer é ele mesmo essencialmente determinado enquanto esse encobrimento que se retrai. [tr. Casanova; GA65: 52]
A ressonância da VERDADE DO SEER e de sua essenciação mesma a partir da indigência do esquecimento do ser. O alçar essa indigência a partir de sua profundidade