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GIORGIO AGAMBEN (1942)
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O reenvio a Husserl e a Sartre, lugar-comum na entrada “Facticidade” dos dicionários filosóficos, é errôneo, pois o uso heideggeriano é completamente diferente. Heidegger distingue a Faktizität do Dasein da Tatsächlichkeit, simples factualidade dos entes intramundanos. É no início das Ideen que Husserl define a Tatsächlichkeit dos objetos da experiência. Esses objetos, escreve ele, apresentam-se…
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1.1. Uma genealogia do conceito de zoe deve começar pela constatação — de nenhum modo óbvia, inicialmente — de que na cultura ocidental “vida” não é uma noção médico-científica, mas um conceito filosófico-político. Os 57 tratados de Corpus hippocraticum, que reúnem os textos mais antigos da medicina grega, compostos entre os últimos decênios do século…
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Não é fácil precisar em que momento o “demônio aéreo” de Epinómis, de Calcídio e de Pselo acaba identificado com o “herói” ressuscitado pelos antigos cultos populares. Segundo uma tradição que Diogenes Laércio faz remontar a Pitágoras, certamente os (198) heróis já apresentam todos os traços da demonicidade aérea: eles habitam no ar e agem…
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É nesta separação de experiência e ciência que devemos ver o sentido — nada abstruso, mas extremamente concreto — das disputas que dividiram os intérpretes do aristotelismo da antiguidade tardia e medieval a propósito da unicidade e da separação do intelecto e sua comunicação com os sujeitos da experiência. Inteligência (noûs) e alma (psyche) não…
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Os gregos não possuíam um termo único para exprimir o que nós queremos dizer com a palavra vida. Serviam-se de dois termos, semântica e morfologicamente distintos, ainda que reportáveis a um étimo comum: zoe, que exprimia o simples fato de viver comum a todos os seres vivos (animais, homens ou deuses) e bios, que indicava…
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1. Os gregos não tinham um termo único para exprimir o que entendemos pela palavra vida. Serviam-se de dois termos semântica e morfologicamente distintos: zoé, que manifestava o simples fato de viver, comum a todos os viventes (animais, homens ou deuses), e bios, que significava a forma ou maneira de viver própria de um indivíduo…
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Procuremos agora recapitular as características dessa Stimmung, dessa abertura originária ao mundo que constitui o Dasein, e — se pudermos — situá-la em seu lugar. A Stimmung é o lugar da abertura originária do mundo, mas um lugar que não está em nenhum lugar, já que coincide com o lugar próprio do ser do homem,…
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Heidegger aproximou várias vezes o pensamento do Ereignis ao Absoluto hegeliano. Essa aproximação — indício, certamente, de uma vizinhança que para o próprio autor constituía um problema — tem sempre a forma de um distanciamento que tende a sublinhar as diferenças, mais do que os traços comuns. Já no curso de 1936 sobre Schelling, Heidegger…
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Experimentemos agora pensar o Ereignis do ponto de vista da linguagem, como palavra as-sue-ta (as-sue-fatta), reconduzida a seu próprio. O que pode ser, nesse sentido, uma linguagem em que o destinante já não se subtrai no que é destinado senão uma linguagem em que o dizer já não se esconde no que é dito, em…
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Foi muitas vezes observado que o problema do amor está ausente da obra de Heidegger. Em Sein und Zeit, que contém até uma ampla reflexão sobre o medo, a angústia e outras Stimmungen, o amor é mencionado uma única vez, em uma nota que reenvia para duas citações, uma de Pascal e outra de Santo…
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Ora, como observou uma vez um grande filólogo, a palavra alemã Stimmung é precisamente uma daquelas que é costume definir como intraduzíveis: Isso não quer dizer que frases como in guter Stimmung sein não possam facilmente ser traduzidas por essere di buon umore, em italiano, ou por être en bonne humeur, em francês; e que…
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A Grundbewegung da vida é chamada por Heidegger de Ruinanz (do latim ruina, desmoronamento, queda): é a primeira ocorrência do que virá a ser, em Sein und Zeit, die Verfallenheit. A Ruinanz apresenta o mesmo entrelaçamento do próprio e do impróprio, do spontaneus e do facticius, que constitui também a Geworfenheit do Dasein: “Um movimento…
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A explicitação mais clara das características da facticidade se encontra no parágrafo 29 (ET29), que é consagrado à análise da Befindlichkeit e da Stimmung. Na Stimmung tem lugar uma abertura que precede todo conhecimento e toda Erlebnis. Ela é die primäre Entdeckung der Welt, o desvelamento original do mundo. Mas o que caracteriza esse desvelamento…
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Para compreender o problema que é aqui evocado (breve9416), é necessário aproximá-lo do tema da liberdade tal como é exposto nas últimas páginas de Vom Wesen des Grundes (GA9). Mais uma vez, a dimensão da facticidade (isto é, da facticidade original ou transcendental) é aqui essencial: Existir significa sempre: no meio do ente, ser em…
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Aqui o tema do amor como paixão mostra sua proximidade com aquele do Ereignis, que constitui o motivo central da reflexão de Heidegger a partir do final dos anos 1930. E talvez precisamente o amor, como paixão da facticidade, permita lançar alguma luz sobre esse conceito. Heidegger interpreta o termo Ereignis a partir de eigen…
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Como explicar, então, a ausência do amor da analítica do Dasein? Tanto mais porque, da parte de Hannah Arendt, a relação tinha produzido um livro sobre o amor. Refiro-me à Doktordissertation, publicada em 1929, Der Liebesbegriff bei Augustin, em que não é difícil encontrar a influência de Heidegger. Por que Sein und Zeit permanece tão…
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É nesta separação de experiência e ciência que devemos ver o sentido — nada abstruso, mas extremamente concreto — das disputas que dividiram os intérpretes do aristotelismo da antiguidade tardia e medieval a propósito da unicidade e da separação do intelecto e sua comunicação com os sujeitos da experiência. Inteligência (noûs) e alma (psyche) não…
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Ivan Illich observou que a noção corrente de vida (não “uma vida”, mas “a vida” em geral) é percebida como “fato científico”, que não tem mais relação nenhuma com a experiência de cada ser vivo. Ela é algo anônimo e genérico, que pode designar um espermatozóide, uma pessoa, uma abelha, uma célula, um urso ou…
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A essa altura aparece, quase entre parênteses, a definição do escravo como “ser cuja obra é o uso do corpo”: Aqueles homens que diferem entre si assim como a alma com relação ao corpo e o homem com relação ao animal – e estão nessa condição aqueles cuja obra é o uso do corpo (oson…