Tradução
Ao longo de sua carreira de cinquenta anos, Heidegger foi escandalosamente inconsistente em como empregou a palavra Sein, e isso tem atrapalhado a escolástica por mais de oitenta anos. No entanto, ele insiste que seja qual for a forma que a palavra “ser” assume em um determinado filósofo (por exemplo, como εἶδος em Platão, ou ἐνέργεια em Aristóteles, ou esse em Tomás de Aquino), o termo sempre indica o que esse filósofo pensa que constitui a “realidade” das coisas, ou o que Heidegger chama de Sein ou Seiendheit de entidades. Em seus momentos mais claros, Heidegger lê das Sein (“ser”) e die Seiendheit (“entidade”) como o mesmo: co-iguais, nomes formalmente indicativos para tudo o que um determinado filósofo pensa que a realidade das coisas consiste. Mas em seus momentos menos claros ele também usa das Sein para nomear a clareira lançada-aberta. Para evitar a confusão gerada por esses dois usos muito diferentes de Sein, reservarei a palavra Sein exclusivamente para o ser das coisas.
Isso nos leva à próxima etapa. Como fenomenologista, Heidegger entende Sein em todas as suas encarnações históricas como a presença plena de sentido (Anwesen) das coisas para os seres humanos – isto é, como a mudança do significatividade das coisas em vários contextos de interesses e preocupações humanos. Sein como a presença plena de sentido das coisas vale tanto para a metafísica, que geralmente desconhecia este fato, quanto para o próprio trabalho filosófico de Heidegger. Portanto, ao longo deste livro os termos “ser”, “entidade”, “presença plena de sentido”, “significatividade” e “compreensibilidade” (Sein, Seiendheit, Anwesen, Bedeutsamkeit, Verständlichkeit) serão usados indistintamente para se referir à mesma coisa – a saber , a “realidade” das coisas da maneira como Heidegger, o fenomenólogo, entende esse termo heurístico. Para ele, as coisas são reais na medida em que estão significativamente presentes (um estar-em-presença) aos seres humanos. Mesmo que esta posição – ser = realidade = significatividade – seja de Heidegger, pode não fazer todos os heideggerianos felizes. Mas pelo menos isto irá evitar a confusão de puxar os cabelos causada pelo extraordinário descuido de Heidegger ao usar a palavra Sein.
Mas esta interpretação fenomenológica de Sein como Anwesen é apenas o primeiro passo. O único problema que impulsionou o trabalho de Heidegger não foi ser-como-presença-significativa, mas sim a fonte ou origem de tal presença plena de sentido – o que ele chamou de die Herkunft von Anwesen. Ele chamou essa fonte de clareira (die Lichtung), ou mais precisamente, clareira aberta ou apropriada (die ereignete Lichtung). Em contraste, muitos heideggerianos pensam que “ser ele mesmo” (das Sein selbst) é a “coisa ela mesma” da filosofia de Heidegger. No entanto, como Heidegger usa essa frase em seu sentido primário e próprio, “ser ele mesmo” não é nenhum tipo de Sein. Não é nem um fenômeno, muito menos o Fenômeno Final, o “Super-Sein” em que se transformou na literatura secundária. “Ser ele mesmo” ou “ser como tal” é uma maneira de dizer “a essência do ser”, e todos esses três termos são simplesmente indicações formais e substitutos heurísticos que apontam para a resposta procurada para a pergunta de Heidegger – a saber, tudo o que acabará por ser a “essência” do ser, aquilo que dá conta e é a fonte ou origem da presença plena de sentido. E isso acaba sendo a clareira apropriada, ou abreviadamente, apropriação (Ereignis) – que é simplesmente a reinscrição do Heidegger posterior do que ele havia chamado anteriormente de “lançamento” [projeção] (Geworfenheit) ou “abertura lançada” (der geworfener Entwurf) Falando metaforicamente, como abertura-lançada (ou seja, apropriada), o ser humano é o “espaço aberto” ou clareira dentro do qual a presença plena de sentido de coisas pode ocorrer. (A frase anterior é a filosofia de Heidegger em poucas palavras.) No léxico de Heidegger, os seguintes termos (e há ainda outros) são simplesmente nomes diferentes para o mesmo fenômeno:
apropriação [acontecimento apropriador] = Ereignis
lançamento [estar-lançado/projetado] = Geworfenheit
thrown-openness [projeto-lançado] = der geworfene Entwurf
o reino lançado-aberto [âmbito do projeto] = der Entwurfbereich
a essência do ser humano = Existenz ou Da-sein
a clareira = die Lichtung
a clareira apropriada = die ereignete Lichtung
o aberto = das Offene
Todos eles nomeiam ex aequo o que as frases formalmente indicativas “ser ele mesmo”, “ser como tal” ou “a essência do ser” indicam formalmente: aquilo que explica o “ser” / presença pleno de sentido das coisas no mundo humano. Portanto, após o capítulo 1, evitarei o máximo possível a frase “ser ele mesmo”. Em vez disso, representarei o termo heurístico das Sein selbst (ou também Sein ou Seyn quando Heidegger os usa descuidadamente como equivalentes a Sein selbst) por alguns dos termos listados acima. Vou fazer isso sem aviso prévio, mesmo nas traduções para o inglês dos textos de Heidegger.
Para concretizar os parágrafos anteriores: Podemos reafirmar a questão principal de Heidegger (Grundfrage) em termos fenomenológicos em vez de ontológicos:
os Befragtes: O assunto – mas não o objetivo – de sua pergunta é a inteligibilidade (o Anwesen, significatividade ou presença plena de sentido) das coisas.
the Gefragtes: A questão que Heidegger coloca a este assunto é esta: “Qual é a fonte de uma tal presença plena de sentido?”
os Erfragtes: A resposta procurada para esta questão acaba sendo a clareira apropriada (ou outros sinônimos).
Throughout his fifty-year career Heidegger was scandalously inconsistent in how he employed the word Sein, and that has thrown off the scholarship for over eighty years. Nonetheless, he does insist that whatever form the word “being” takes in a given philosopher (for example, as εἶδος in Plato, or ἐνέργεια in Aristotle, or esse in Aquinas), the term always bespeaks what that philosopher thinks constitutes the “realness” of things, or what Heidegger calls the Sein or Seiendheit of entities. In his clearer moments Heidegger reads das Sein (“being”) and die Seiendheit (“beingness”) as the same: co-equal, formally indicative names for whatever a given philosopher thinks the realness of things consists in. But in his less clear moments he also uses das Sein to name the thrown-open clearing. To avoid the confusion generated by these two very different uses of Sein, I will reserve the word Sein exclusively for the being of things.
That brings us to the next step. As a phenomenologist, Heidegger understands Sein in all its historical incarnations as the meaningful presence (Anwesen) of things to human beings—that is, as the changing significance of things within various contexts of human interests and concerns. Sein as the meaningful presence of things holds both for metaphysics, which generally was unaware of this fact, and for Heidegger’s own philosophical work. Hence throughout this book the terms “being,” “beingness,” “meaningful presence,” “significance,” and “intelligibility” (Sein, Seiendheit, Anwesen, Bedeutsamkeit, Verständlichkeit) will be used interchangeably to refer to the same thing—namely, the “realness” of things in the way Heidegger the phenomenologist understands that heuristic term. For him things are real to the extent that they are meaningfully present (anwesend) to human beings. (See chapter 2: Heidegger’s interpretation of Metaphysics IX 10.) Even though this position—being = realness = meaningfulness—is Heidegger’s own, it may not make all Heideggerians happy. But at least it will obviate the hair-pulling confusion caused by Heidegger’s extraordinary carelessness in his use of the word Sein.
But this phenomenological interpretation of Sein as Anwesen is only the first step. The single issue that drove Heidegger’s work was not being-as-meaningful-presence but rather the source or origin of such meaningful presence—what he called die Herkunft von Anwesen. He called that source the clearing (die Lichtung), or more precisely, the thrown-open or appropriated clearing (die ereignete Lichtung). By contrast, many Heideggerians think that “being itself (das Sein selbst) is “the thing itself” of Heidegger’s philosophy. However, as Heidegger uses that phrase in its primary and proper sense, “being itself” is not any kind of Sein at all. It is not even a phenomenon, much less the Final Phenomenon, the “Super-Sein” that it has morphed into in the secondary literature. “Being itself” or “being as such” is a way of saying “the essence of being,” and all three of those terms are simply formal indications and heuris tic stand-ins that point toward the sought-for answer to Heidegger’s question—namely, whatever will turn out to be the “essence” of being, that which accounts for and is the source or origin of meaningful presence at all. And that turns out to be the appropriated clearing, or in shorthand, appropriation (Ereignis)—which is simply the later Heidegger’s re-inscription of what he had earlier called “thrownness” (Geworfenheit) or “thrown-openness” (der geworfener Entwurf). Metaphorically speaking, as thrown-open (i.e., appropriated), human being is the “open space” or clearing within which the meaningful presence of things can occur. (The previous sentence is Heidegger’s philosophy in a nutshell.) In Heidegger’s lexicon the following terms (and there are yet others) are simply different names for the same phenomenon:
appropriation = Ereignis
thrownness = Geworfenheit
thrown-openness = der geworfene Entwurf
the thrown-open realm = der Entwurfbereich
the essence of human being = Existenz or Da-sein
the clearing = die Lichtung
the appropriated clearing = die ereignete Lichtung
the open = das Offene
They all name ex aequo what the formally indicative phrases “being itself,” “being as such,” or “the essence of being” formally indicate: that which accounts for the “being”/meaningful presence of things in the human world. Therefore, after chapter 1, I will avoid as much as possible the phrase “being itself.” Instead, I will represent the heuristic term das Sein selbst (or likewise Sein or Seyn when Heidegger carelessly uses them as equivalent to Sein selbst) by some of the terms listed above. I will do this without notice, even in the English translations of Heidegger’s texts.
To concretize the previous paragraphs: We may restate Heidegger’s main question (Grundfrage) in phenomenological rather than ontological terms:
the Befragtes: The subject matter—but not the goal—of his question is the intelligibility (the Anwesen, significance, or meaningful presence) of things.
the Gefragtes: The question Heidegger puts to that subject matter is this: “What is the source of such meaningful presence?”
the Erfragtes: The sought-for answer to that question turns out to be the appropriated clearing (or other synonyms).