Mas, pelo fato de a questão da existência sempre estar apenas a serviço da única questão do pensamento, a saber, a serviço da pergunta (a ser desenvolvida) pela verdade do ser, como o fundamento escondido de toda a metafísica, o tratado Ser e Tempo, que tenta o retorno ao fundamento da metafísica, não traz como título Existência e Tempo, também não Consciência e Tempo, mas Ser e Tempo. Este título, porém, também não pode ser pensado como se correspondesse a estes outros títulos de uso corrente: Ser e vir-a-ser, ser e aparecer, ser e pensar, ser e dever. Pois em tudo o ser é ainda aqui representado de maneira limitada, como se “vir-a-ser”, “aparecer”, “pensar”, “devei”, não pertencessem ao ser; pois, evidentemente não são nada e por isso devem pertencer ao ser. Em Ser e Tempo “ser” não é outra coisa que “tempo”, na medida em que “tempo” é designado como pré-nome para a verdade do ser, pré-nome cuja verdade é o acontecimento (Wesende) do ser e assim o próprio ser. Entretanto, por que “tempo” e “ser”? MHeidegger: O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA
Sem nos darmos conta, já interpretamos agora o tó autó, o mesmo. Interpretamos a mesmidade como comum-pertencer [NT: Zusammengehörigkeit traduzimos aqui por comum-pertencer. Com esta expressão, quer-se acentuar: a) que ser e pensar estão imbricados numa reciprocidade; b) que, através deste recíproco pertencer-se, fazem parte de uma unidade, da identidade, do mesmo.]. Facilmente se representa este comum-pertencer no sentido da identidade, pensada mais tarde e universalmente conhecida. Que, entretanto, poderia impedir-nos de fazê-lo? Nada menos que o princípio mesmo que lemos em Parmênides. Pois ele diz outra coisa, a saber: ser pertence – com o pensar – ao mesmo. O ser é determinado a partir de uma identidade, como um traço desta identidade. Pelo contrário, a identidade, mais tarde pensada na metafísica, é representada como um traço do ser. Portanto, não podemos querer determinar a partir da identidade representada metafísicamente aquela que Parmênides nomeia. MHeidegger: IDENTIDADE E DIFERENÇA
Se pensamos o comum-pertencer [NT: Através do deslocamento do acento principal de um para outro elemento da palavra composta, Heidegger procura destacar os dois sentidos que nela quer ler. Comum-pertencer (Zusammengehörigkeit) mostra possível sentido hegeliano da identidade entre ser e pensar, ser e homem: identidade, resultado de um processo, de uma mediação conduzindo a uma síntese. Comum-pertencer (Zusammengehörigkeit) aponta para um âmbito (o mesmo) do qual fazem parte homem e ser; é a identidade heideggeriana que resulta do passo de volta. A diversa leitura da palavra Zusammengehörigkeit procura mostrar os dois caminhos – ambos recusando a identidade como estático traço do ser; um em direção de um télos (fim), de uma síntese suprema (Hegel), outro em direção da arkhé (começo), do fundamento. Para Heidegger trata-se de um Rück-gang (re-gresso), para Hegel de um Fort-gang (pro-gresso). Ou compreende Hegel o pensamento como um movimento “ambidirecional” (gegenlläufige Bewegung) de progresso e regresso, como expressamente diz na lógica “que o pro-gresso na filosofia é um re-gresso”? (Ver a excelente obra de L. Bruno Puntel, Analogia und Geschichtlichkeit, I, ed. Herdar, Freiburg, 1969.)] como de costume, então, como já mostra a ênfase dada à primeira parte da expressão, o sentido do pertencer é determinado a partir da comunidade, quer dizer, a partir de sua unidade. Neste caso, “pertencer” significa: integrado, inserido na ordem de uma comunidade, instalado na unidade de algo múltiplo, reunido para a unidade do sistema, mediado pelo centro unificador de uma adequada síntese. A filosofia representa este comum-pertencer como nexus e connexio, como a necessária junção de um com o outro. MHeidegger: IDENTIDADE E DIFERENÇA
O acesso à subjetividade é a reflexão. Na medida em que a reflexão, enquanto transcendental, não se dirige diretamente aos objetos, mas à relação da objetividade dos objetos com a subjetividade do sujeito, na medida, portanto, em que o tema da reflexão, por sua parte, enquanto a relação citada, já é uma relação que se volta ao eu pensante, mostra-se a reflexão através da qual Kant elucida e situa pela discussão o ser como posição, como uma reflexão sobre a reflexão, como um pensamento do pensamento relacionado com a percepção. A palavra-guia, já diversas vezes citada, que Kant utiliza para a interpretação do ser, a expressão ser e pensar, fala agora mais claramente em seu conteúdo mais rico. Entretanto, a expressão-guia permanece ainda obscura em seu sentido decisivo. Pois em sua versão formalista se oculta uma ambigüidade que deve ser meditada se a expressão ser e pensar não se deve limitar à caracterização da interpretação kantiana do ser, mas designar o traço fundamental que forma o movimento de toda a história da filosofia. MHeidegger: A TESE DE KANT SOBRE O SER
Entretanto, o que significa o “e” em “ser e pensar”? Para responder não se sente nenhum embaraço e facilmente se encontra a resposta. Recorre-se, para isto, de preferência a uma das mais antigas proposições da filosofia, ao dito de Parmênides que assim se enuncia: td gar autó noein estìn te kai eivai. ‘Pois o mesmo é pensar e ser.” MHeidegger: A TESE DE KANT SOBRE O SER
A relação entre pensar e ser é a mesma idade, a identidade. A expressão-guia “ser e pensar” diz: Ser e pensar são idênticos. Isto se afirma como se estivesse decidido o que significa idêntico, como se o sentido de identidade fosse algo óbvio, e justamente neste “caso” excepcional naquilo que diz respeito à relação entre ser e pensar. Ambos, evidentemente, não são algo semelhante a coisas e objetos, entre os quais se pode tranqüilamente estabelecer cálculos. De nenhum modo “idêntico” significa algo assim como “igual”. Ser e pensar: neste “e” se oculta o que deve ser pensado tanto pela filosofia do passado como pelo pensamento atual. MHeidegger: A TESE DE KANT SOBRE O SER
O pensamento enquanto reflexão da reflexão significa, ao contrário, tanto o procedimento, pelo qual, como o instrumento e órganon, com o qual se interpreta o ser visualizado no horizonte da objetividade (do que é dotado do caráter de ser posto). Pensamento enquanto reflexão designa o horizonte, pensamento enquanto reflexão da reflexão designa o órganon da interpretação do ser do ente. Na expressão-guia “ser e pensar” o pensamento permanece ambíguo, no sentido essencial que mostramos, e isto através de toda a história do pensamento ocidental. MHeidegger: A TESE DE KANT SOBRE O SER
A expressão-guia da determinação metafísica do ser do ente, “ser e pensar”, não é suficiente nem mesmo para lançar a questão do ser, e muito menos para encontrar uma resposta. MHeidegger: A TESE DE KANT SOBRE O SER
a) A comum-unidade da relação de ser e pensar com a questão do ser. MHeidegger: PROTOCOLO DO SEMINÁRIO SOBRE A CONFERÊNCIA “TEMPO E SER”
Ainda que a relação de ser e pensar – ou de ser e homem – não venha expressamente analisada na conferência, deve-se precisar que faz essencialmente parte de cada passo da questão do ser. Nisto deve atentar-se a um duplo papel do pensamento. O pensamento que faz essencialmente parte da revelação do ser é, primeiro, o pensamento que se conhece como a caracterização do homem. A partir do ponto de vista de Ser e Tempo, pode ser denominado o pensamento que compreende. Por outro lado, o pensamento é o pensamento que explicita, portanto, o pensamento que pensa a relação de ser e pensar e a questão do ser como tal. MHeidegger: PROTOCOLO DO SEMINÁRIO SOBRE A CONFERÊNCIA “TEMPO E SER”
A diferença no ponto de partida da determinação do ser foi resumida nos dois pontos seguintes: 1. Aquilo a partir de onde se determina para Hegel o ser em sua verdade está fora de qualquer cogitação para esta filosofia e, na verdade, porque para Hegel a identidade de ser e pensar é realmente uma equiparação. Portanto, em Hegel não se chega a levantar a questão do ser, e nunca se poderá chegar a isso. 2. Partindo da conferência em que se mostra que o ser é acontecido e apropriado no Ereignis, poder-se-ia ser tentado a comparar o Ereignis, enquanto o último e o mais alto, como o absoluto de Hegel. Mas atrás desta aparência de identidade dever-se-ia, então, levantar a seguinte questão: Como se relaciona em Hegel o homem com o absoluto? E: Qual a relação do homem com o Ereignis? Nisto se mostraria, então, uma diferença intransponível. Na medida em que, para Hegel, o homem é o lugar do vir-a-si-mesmo do absoluto, isto conduz à supressão da finitude do homem. Em Heidegger, pelo contrário, a finitude é justamente tornada visível – e, na verdade, não apenas a do homem, mas a do próprio Ereignis. MHeidegger: PROTOCOLO DO SEMINÁRIO SOBRE A CONFERÊNCIA “TEMPO E SER”
O debate sobre Hegel tornou-se ocasião para colocar-se novamente a pergunta: se a entrada no Ereignis significa o fim da história do ser. Nisto parece subsistir uma semelhança com Hegel, que, contudo, deve ser vista sobre o pano de fundo da fundamental diferença. Se há razões para subsistir, de pleno direito, a tese de que somente se poderia falar ali de um fim da história onde – como se dá no caso de Hegel – impera uma real identificação de ser e pensar, ficou em aberto. MHeidegger: PROTOCOLO DO SEMINÁRIO SOBRE A CONFERÊNCIA “TEMPO E SER”