1) Acontecimento apropriador: a luz segura da essenciação do seer no campo de visão extremo da mais íntima indigência do homem histórico. 2) O ser-aí: o entre aberto no meio e, assim, velador, entre a chegada e a fuga dos deuses e o homem nele enraizado. 3) O ser-aí tem a origem no acontecimento apropriador e em sua viragem. 4) Por isto, ele só pode ser fundado como a verdade e na verdade do seer. 5) A fundação – não recriação – é um deixar-ser-fundamento por parte do homem, que chega, com isto, pela primeira vez, uma vez mais a si e reconquista o ser-si-mesmo. 6) O fundamento fundado é ao mesmo tempo abismo para a abertura do fosso abissal do seer e não fundamento para o abandono do ser do ente. 7) A tonalidade afetiva fundamental da fundação é a retenção. 8) A retenção é a referência insigne, instantânea ao acontecimento apropriador no ser chamado por meio de seu conclamar. 9) O SER-AÍ É o acontecimento fundamental da história por vir. Esse acontecimento emerge do acontecimento apropriador e se torna um sítio instantâneo possível para a decisão sobre o homem – sua história ou não história como sua transição para o ocaso. 10) O acontecimento apropriador e o ser-aí estão em sua essência, isto é, em sua pertinência enquanto fundamento da história, ainda completamente velados e permanecerão por um longo tempo causando estranhamento. Faltam as pontes; os saltos ainda não foram levados a termo. Ainda permanece de fora a profundidade da experiência da verdade que lhes satisfazem e a meditação sobre o seu sentido: a força da decisão elevada. Em contrapartida, numerosas no caminho são apenas as ocasiões e os meios da má interpretação, porque falta mesmo o saber daquilo que aconteceu no primeiro início. [tr. Casanova; GA65: 11]
A metafísica acha que o pensar poderia ser encontrado junto ao ente, e isso de tal modo que o pensar segue para além do ente. Quanto mais exclusivamente o pensar se volta para o ente e busca para si mesmo um fundamento maximamente essente, tanto mais decididamente a filosofia se distancia da verdade do seer. Como é, porém, que é possível a recusa metafísica ao ente, isto é, a recusa à metafísica, sem se ver presa ao “nada”? O SER-AÍ É a fundação da verdade do seer. Quanto mais não ente o homem é, quanto menos ele se depara previamente com o ente como o qual ele é, se cristalizando aí, tanto mais próximo ele chega do ser. (Nenhum budismo! O contrário). [tr. Casanova; GA65: 83]
O SER-AÍ É a coetaneidade do tempo-espaço com o verdadeiro enquanto o ente, ele se essencia como o fundamento fundante, como o “entre” e o “meio” do próprio ente. [tr. Casanova; GA65: 112]
Pertencente sempre e a cada vez a cada um deles, afinado em meio ao inesperado, essa não enumeração dos deuses está longe de se mostrar como a arbitrariedade do que deixa tudo vigorar. Pois essa não enumeração é já a consequência de um ser-aí mais originário: de sua reunião no revolvimento da recusa, a essenciação do seer. Dito na linguagem que sobreviveu da metafísica, isso significa: a recusa como essenciação do ser é a mais elevada realidade efetiva do mais elevado possível enquanto possível e, com isso, é a primeira necessidade. SER-AÍ É fundação da verdade dessa abertura maximamente simples do fosso abissal. [tr. Casanova; GA65: 169]
O SER-AÍ É a crise entre o primeiro e o outro início. Isso quer dizer: segundo o nome e a coisa mesma, ser-aí significa, na história do primeiro início (isto é, na história conjunta da metafísica), algo essencialmente diverso do que no outro início. [tr. Casanova; GA65: 173]
Na metafísica, “ser-aí” (existência) é o nome para designar o modo como o ente é efetivamente essente. Assim, ele tem em vista o mesmo que o ser presente à vista, interpretado mais originariamente em um passo determinadamente dirigido: presentidade. Essa caracterização do ente pode ser até mesmo repensada com vistas à denominação do primeiro início, com vistas à physis e à aletheia que a determina. Com isso, o nome ser-aí recebe completamente o conteúdo autêntico do primeiro início: emergindo a partir de si desveladamente se essenciar (aí). Atravessa toda a história da metafísica, porém, o hábito não casual de transpor o nome para o modo da realidade efetiva do ente para esse ente mesmo, visando com o ser-aí ao “ser-aí”, ao próprio ente presente à vista completamente real e efetivo. SER-AÍ É, assim, apenas a boa tradução alemã de existentia, o emergir a partir de si e se encontrar fora de si do ente, presentar-se a partir de si (em meio ao esquecimento crescente da aletheia). De maneira corrente, “ser-aí” não significa nada além disso. E pode-se falar de acordo com isso do ser-aí coisal, animal, humano, temporal. Completamente diferente disso é o significado e a coisa em jogo na palavra ser-aí no pensar do outro início, tão diverso que não há nenhuma transição mediadora daquele primeiro uso para o outro. [tr. Casanova; GA65: 173]
O ser-aí não é o modo da realidade efetiva de qualquer ente, mas é ele mesmo o ser do aí. O aí, porém, é a abertura do ente enquanto tal na totalidade, o fundamento da aletheia mais originariamente pensada. O SER-AÍ É um modo de ser, que, na medida em que ele “é” o aí (por assim dizer de maneira ativa e transitiva), é de acordo com esse ser insigne e como esse ser mesmo um ente de um tipo único (o essenciante da essenciação do seer). [tr. Casanova; GA65: 173]
O SER-AÍ É o fundamento que propriamente se funda da aletheia da physis, a essenciação daquela abertura, que reabre pela primeira vez o encobrir-se (a essência do seer) e que, assim, se mostra como a verdade do próprio seer. [tr. Casanova; GA65: 173]
O SER-AÍ É a suportabilidade insistente da clareira, isto é, da livre, desprotegida, pertinência ao aí, no qual o seer se encobre. [tr. Casanova; GA65: 173]
“Ser-aí humano” – “humano” significa aqui não a restrição específica e a particularização do “ser-aí” em geral (como presença à vista), mas a unicidade do ente, o homem, para o qual apenas o SER-AÍ É próprio. Mas como? [tr. Casanova; GA65: 176] [O estar ausente] Portanto, ter ido embora; junto a esse significado, é preciso simplesmente equiparar a apousia em face da parousia, ser-aí = ser presente à vista (cf levar embora = levar consigo). Por outro lado, logo que o SER-AÍ É concebido de maneira essencialmente diversa, também o estar ausente lhe é correspondente. [tr. Casanova; GA65: 177]
Em que medida? O que é o ser-aí e o que significa “existir”? SER-AÍ É persistência constante da verdade do seer, e essa persistência e apenas ela “é” esse ser si mesmo ex-sistente que suporta insistentemente a exposição. [tr. Casanova; GA65: 178]
SER-AÍ É o acontecimento da abertura do fosso abissal do centro de giro da viragem do acontecimento apropriador. Abertura do fosso abissal é acontecimento da apropriação, sobretudo e antes de tudo a abertura do fosso abissal e a partir dela a cada vez o homem histórico e a essenciação do ser, aproximação e distanciamento dos deuses. [tr. Casanova; GA65: 190]
O SER-AÍ É o ponto de virada na viragem do acontecimento apropriador, o centro que se abre da contrapartida entre conclamação e pertencimento, a propriedade, compreendida como princi-pado, o centro senhorial do acontecimento da apropriação do que pertence ao acontecimento apropriador, e, ao mesmo tempo a ele: autogênese. Assim, o SER-AÍ É o entre que se dá entre os homens (como fundadores de história) e os deuses (em sua história). [tr. Casanova; GA65: 191]
Como fundação da abertura do encobrir-se, ele aparece para o olhar habitual voltado para o “ente” como não sendo e como imaginado. De fato: o SER-AÍ É, enquanto a fundação projetiva e jogada, a realidade efetiva mais elevada no âmbito da imaginação; contanto que compreendamos por imaginação não apenas uma faculdade da alma e um transcendental (cf o meu livro sobre Kant), mas o próprio acontecimento apropriador, no qual vibra toda transfiguração. [tr. Casanova; GA65: 192]
Na história da verdade do ser, o SER-AÍ É o essencial caso intermediário, isto é, o in-sight daquele entre, para o interior do qual o homem precisa ser jogado de maneira tresloucada, para ser, então, uma vez mais ele mesmo. [tr. Casanova; GA65: 194]
Só a partir do SER-AÍ É possível conceber a essência do povo e isso significa ao mesmo tempo saber que o povo nunca pode ser meta e fim e que tal opinião não é senão uma ampliação “populista” da ideia “liberal” de “eu” e da representação econômica da conservação da “vida”. A essência do povo, porém, é sua “voz”. Precisamente essa voz não fala com a assim chamada verborragia imediata do “impessoal” vulgar, natural, inculto e inexplorado. Pois esta testemunha assim conclamada é já muito espoliada e não se movimenta mais há muito tempo nas ligações originárias com o ente. A voz do povo fala raramente e apenas em poucos, e será que eles ainda estão em condições de deixá-la ressoar? [tr. Casanova; GA65: 196]
Ipseidade emerge como essenciação do ser-aí a partir da origem do ser-aí. E a origem do si mesmo é a proprie-dade. Essa palavra é aqui tomada como a palavra princi-pado. O domínio da apropriação no acontecimento apropriador. A apropriação é, sobretudo, atribuição apropriadora e sobreapropriação. Na medida em que o SER-AÍ É atribuído de maneira apropriadora a si como pertencente ao acontecimento apropriador, ele chega a si mesmo; mas nunca de modo tal como se o si mesmo fosse já uma consistência presente à vista, só que ainda não alcançada até aqui. Ao contrário, o ser-aí só chega a si mesmo, na medida em que a atribuição apropriadora ao pertencimento se torna ao mesmo tempo sobreapropriação no acontecimento apropriador. Ser-aí – persistência constante do aí. A proprie-dade como domínio da apropriação é acontecimento da atribuição a si próprio e como sobreapropriação em si conjugada. [tr. Casanova; GA65: 197]
O ser-aí jamais se deixa de-monstrar e descrever como algo presente à vista. Ele só pode ser conquistado hermeneuticamente, o que significa, porém, de acordo com Ser e tempo, que ele só pode ser conquistado no projeto jogado. Por isto, não arbitrariamente. O SER-AÍ É algo completamente in-habitual, algo enviado de maneira destinamental muito antes de todo conhecimento do homem. [tr. Casanova; GA65: 198]
O ser-ausente também pode ser visado ainda em outro sentido não menos essencial. Se o SER-AÍ É experimentado justamente como o fundamento criador do ser do homem e se, com isso, ele chega a saber que o SER-AÍ É apenas instante e história, então o ser humano habitual precisa ser determinado a partir daí como ser-ausente. Ele está “ausente” da constância do aí e completamente apenas junto ao ente como o presente à vista (esquecimento do ser). O homem é o ausente. [tr. Casanova; GA65: 201]
O SER-AÍ É o único capaz de ter sua jurisdição na mensuração integral suprema que cria e ao mesmo tempo sofre com os mais amplos arrebatamentos extasiantes. [tr. Casanova; GA65: 202]
1) O retorno crítico da correção para a abertura. 2) A abertura em primeiro lugar como a mensuração essencial da aletheia, que ainda se mostra nesse aspecto indeterminada. 3) Essa mensuração essencial determina ela mesma o “lugar” (tempo-espaço) da abertura: o em-meio-a clareado do ente. 4) Para que a verdade se destaque definitivamente de todo ente em todo e qualquer tipo de interpretação, seja como physis, seja como idea ou perceptum e objeto, algo sabido, pensado. 5) Agora, porém, com maior razão, temos a questão acerca de sua própria essenciação; essa só é de-terminável a partir da essência e essa essência a partir do seer. 6) A essência originária, contudo, é clareira do encobrir-se, isto é, a verdade é a verdade originária do seer (acontecimento apropriador). 7) Essa clareira se essencia e é na suportabilidade criativa afinada: isto é, a verdade “é” como fundação do aí e como ser-aí. 8) O SER-AÍ É o fundamento do homem. 9) Com isso, entretanto, novamente formulado: quem é o homem. [tr. Casanova; GA65: 206]
O “aí” se essencia e, enquanto algo que se essencia, ele precisa ser assumido juntamente com um ser: ser-aí. Por isto, o suportar jurisdicional da essenciação da verdade do seer. Essa ambiguidade é o enigma. Por isto, o SER-AÍ É o entre que se encontra entre o seer e o ente. [tr. Casanova; GA65: 217]
Quando cheguei a determinações tais como: o SER-AÍ É ao mesmo tempo na verdade e na não-verdade, então se compreendeu essa sentença imediatamente de uma maneira moral ligada a uma visão de mundo, sem apreender o decisivo da meditação filosófica, a essenciação do “ao mesmo tempo” como essência fundamental da verdade, e sem uma concepção originária da não-verdade no sentido do encobrimento (e não, por exemplo, da falsidade). [tr. Casanova; GA65: 226]
Em relação a essa “subjetivação”, porém, é preciso dizer: Como o SER-AÍ É essencialmente mesmidade (propriedade) e como a mesmidade é, por sua vez, o fundamento do eu e do nós tanto quanto de toda “subjetividade” inferior e superior, o desdobramento do tempo-espaço a partir dos sítios instantâneos não é nenhuma subjetivação, mas a sua superação, se não já a repulsa fundamental e prévia a ela. Essa origem do tempo-espaço corresponde à unicidade do seer como acontecimento apropriador. Ele só traz a si mesmo para o seu aberto no acontecimento do abrigo da verdade de acordo com a via respectivamente necessária do abrigo. [tr. Casanova; GA65: 239]
O SER-AÍ É o ente apropriado em meio ao acontecimento no acontecimento apropriador. E somente a partir de tal essência é que ele tem seu próprio da guarda da recusa que funda e que conserva para ela o aí. [tr. Casanova; GA65: 271]
Apropriado em meio ao acontecimento, porém, o SER-AÍ É como a abdicação. A ab-dicação deixa viger a recusa (isto é, o acontecimento da apropriação) de maneira soberana no aberto de sua decidibilidade. [tr. Casanova; GA65: 271]
O SER-AÍ É a fundação do abismo do seer por meio da requisição do homem como aquele ente, que assume sobre si a responsabilidade pela guarda da verdade do seer. Com base no ser-aí, o homem se transforma pela primeira vez naquele ente, para o qual a ligação com o seer destina o decisivo, o que ao mesmo tempo indica que o discurso sobre uma ligação com o seer expressa na verdade aquilo que deve ser pensado em seu contrário. Pois a ligação com o seer é em verdade o seer, que volta, enquanto acontecimento apropriador, o homem para a sua ligação. Por isso, múltiplas interpretações falsas cercam aquela “relação”, que se indica por meio do título “O homem e o seer”. [tr. Casanova; GA65: 271]