Schopenhauer (MVR1:404-405) – a dor essencial à vida

Portanto, entre querer e alcançar, flui sem cessar toda vida humana. O desejo, por sua própria natureza, é dor; já a satisfação logo provoca saciedade: o fim fora apenas aparente: a posse elimina a excitação, porém o desejo, a necessidade aparece em nova figura; quando não, segue-se o langor, o vazio, o tédio, contra os quais a luta é tão atormentadora quanto contra a necessidade. — Quando desejo e satisfação se alternam em intervalos não muito curtos nem muito longos, o sofrimento ocasionado por eles é diminuído ao mais baixo grau, fazendo o decurso de vida o mais feliz possível. Aquilo que se poderia nomear o lado mais belo e a pura alegria da vida, precisamente porque nos arranca da existência real e nos transforma em espectadores desinteressados diante dela, é o puro conhecimento que permanece alheio a todo querer; é a fruição do belo, a alegria autêntica na arte. Mas mesmo isso requer dispositivos raros e cabe apenas a pouquíssimo e, mesmo para estes, é um sonho passageiro. Ademais, justamente as elevadas faculdades espirituais desses poucos os tornam suscetíveis a sofrimentos bem maiores que aqueles que os obtusos jamais podem sentir, e os coloca, dessa forma, solitários entre seres marcadamente diferentes, pelo que, ao fim, as coisas se equilibram. Todavia, para a maioria dos homens as fruições intelectuais são inacessíveis. Eles são quase incapazes de alegria no puro conhecimento: estão completamente entregues ao querer. Se, portanto, algo lhes granjeia a simpatia e deve ser INTERESSANTE (o que já se encontra na significação da palavra), tem de algum modo de lhes estimular a VONTADE, mesmo que só numa relação distante, situada só nos limites da possibilidade. Vontade que jamais pode ficar Fora de jogo, porque a existência desses homens está mais no querer do que no (404) conhecer: ação e reação são seu único elemento. Exteriorizações ingênuas (I 371) dessa índole podem ser vistas em minudências cotidianas, como, por exemplo, escrever seus nomes em lugares conhecidos que visitam, com o fito de reagir, fazer efeito sobre o lugar, pois este não faz efeito sobre eles. Também não podem com facilidade considerar um animal exótico, raro, mas têm de excitá-lo, cutucá-lo, provocá-lo com brincadeiras, para simplesmente experimentar ação e reação. Essa necessidade de estimulação volitiva se mostra em especial na invenção e prática dos jogos de carta, que, no sentido mais próprio do termo, são a expressão do lado deplorável da humanidade.

Contudo, não importa o que a natureza ou a sorte tenham feito, não importa aquilo que alguém é ou aquilo que alguém tem: a dor essencial à vida nunca se deixa eliminar:

Πηλειδης δ’ ῳμωξεν, ιδων εις ουρανον ευρυν.

(Belides autem ejulavit; intuitus in coelum latum.)1

E de novo:

Ζηνος μεν παις ηα Κρονιονος, αυταρ οιζυν
Ειχον απειρεσιην.

(Jovis quidem filius eram Saturnii; verum aerumnam
Habebam infinitam.)2

[Excerto de SCHOPENHAUER, Arthur. [O mundo como vontade e como representação. Primeiro Tomo.-
  1. “Para o céu vasto virando-se, geme o filho de Peleu.” (N. T.)[]
  2. “Fui filho de Zeus, de Cronos, entretanto sofria indizíveis aflições.” (N. T.)[]