Romano (1999:33-34) – hermenêutica do acontecimento

E se o próprio ser é algo que, por sua vez, acontece, ele não pode mais ser considerado originário. Preordenada a uma hermenêutica do Dasein está, portanto, a hermenêutica do adveniente. Com esse título, queremos dizer aquilo que, anterior ao Dasein, forma sua condição de possibilidade, por assim dizer. O adveniente é o título para o homem na medida em que ele está constitutivamente aberto aos acontecimentos, na medida em que a humanidade é a capacidade de ser si mesma diante do que nos acontece. O adveniente, então, chega às suas possibilidades somente contra o pano de fundo de uma passividade ainda maior em relação aos acontecimentos que pontuam sua aventura e, portanto, lhe dão uma história. Em termos estritos, essa a-ventura significa abertura para o que lhe acontece.

A hermenêutica fenomenológica do adveniente é o tema deste livro. Até agora, nos limitamos a delinear brevemente o que está em jogo e a definir a questão que impulsiona seu desenvolvimento. Ao fazer isso, apenas antecipamos o que terá de ser exposto e justificado in concreto por meio de uma série de análises fenomenológicas. Antes de começarmos, vamos voltar uma última vez aos principais momentos que articulam nosso projeto. Podemos resumir esse projeto na forma de cinco teses. Mostramos que:

1. — Que a questão do status fenomenológico do acontecimento requer um confronto crítico com a ontologia, não apenas com a ontologia clássica, mas também com a ontologia do Dasein, uma vez que somente esta última explica a primeira.

2. — Que a ontologia fundamental pensa no ser primordialmente como um acontecimento.

3. — O fato de que o Ereignis heideggeriano, longe de contradizer essa determinação do ser, é antes aquilo a partir do qual o ser vem sob o olhar como seu próprio acontecimento.

4. — Que o nascimento é o acontecimento de acordo com o qual o próprio ser é dado ou ocorre, e que, se o ser é algo que ocorre ao Dasein, o acontecimento do ser e o acontecimento de ser não são idênticos.

5. — Que o acontecimento neutro do nascimento, anterior de direito e de fato ao acontecimento do ser como existente, abre a possibilidade de uma hermenêutica da aventura humana ao fio do acontecimento.

O adveniente é o título para o homem na medida em que algo lhe acontece e na medida em que, por sua própria a-ventura, ele está aberto ao acontecimento. O nascimento, portanto, nos autoriza e nos convida a pensar na aventura humana em um “fundamento” que não seja a analítica do Dasein. Chamaremos essa interpretação do advento ao fio do acontecimento de “hermenêutica do acontecimento”.