O relacionamento amoroso é exemplar aqui, mas de forma alguma exclusivo. Mais do que qualquer outro, talvez, é um encontro entre duas histórias, no qual ambos estamos em jogo em nossa própria autoidentidade; um encontro que só é concebível se pensarmos na possibilidade de possibilidades compartilhadas, de compossíveis: uma encruzilhada inextricável em que nossas possibilidades, sem nunca se sobreporem ou se fundirem em uma espécie de unidade fusional, ainda assim se entrelaçam para formar uma única história, a do nosso amor, uma história única e incomparável, em que não é mais possível distinguir inteiramente o que pertence à iniciativa de um ou de outro, e em que, sem nunca “nos tornarmos um”, nós mesmos e os outros chegamos a ser um-para-o-outro. Mas eros não é de forma alguma exclusivo de philia: pelo contrário, o conceito de amor deve ser entendido em seu sentido mais amplo possível. Em ambos os casos, de fato, o amor é direcionado diretamente aos outros, e não às suas “qualidades” — tornando assim obsoleta a alternativa de Pascal 1. — e, por meio de uma espécie de gnose infusa, ele o alcança no coração de sua singularidade “sem qualidades”, nesse todo inconceitualizável, inanalisável, nesse todo de carne que ele é para mim, em sua história incomparável e singular.
[ROMANO, Claude. L’événement et le monde. Paris: PUF, 1999]Romano (1999:164-165) – o amor
- Romano (1999:23-25) – Kehre
- Romano (1999:25-28) – Ereignis
- Romano (1999:28-29) – ser-para-morte
- Romano (1999:29) – voz da consciência
- Romano (1999:30-31) – ontologia fundamental, acontecimento e morte
- Romano (1999:32) – nascimento
- Romano (1999:33-34) – hermenêutica do acontecimento
- Romano (1999:7-8) – qual a fenomenalidade do evento?
- Romano (2018:Intro) – vida de verdade e vida de mentira
- Romano (2018) – “fazer eu” – modos de ser, modos de viver